Paris
Barbara deixou o taco de sinuca bater sobre a mesa com força, causando um barulho que me assustou um pouco.
— Merda! — reclamou chateada.
Eu também estava irritada. Se não fosse os dois idiotas querendo opinar no nosso jogo, eu poderia ter ganhado, mas os imbecis conseguiram tirar minha atenção. E, pelo jeito, a de Barbara também. E as gargalhadas de Inalda não ajudam em nada. A mulher de cabelo azul conseguia se concentrar em qualquer coisa, em qualquer lugar.
Olhei para Barbara e apenas dei de ombros. Já imaginava que esse era o motivo da sua ira. Aqueles malditos machos intrometidos.
Antes que eu pudesse responder ao comentário que Barbara não fez, Inalda se adiantou:
— Esse é o mal de ser uma aparição, Paris. Ser bonita tudo bem, mas você é ignorante de linda.
Peguei minha cerveja e virei tudo. Os imbecis ainda estavam ao nosso redor. Será que eles acham que vamos transar porque mostraram interesse? Fala sério!
Não retruquei a fala da minha best friend. Inalda era minha melhor amiga. Como contradizer quem sabe tudo sobre sua vida? A mesma coisa podia ser dita de Barbara, pelo menos poderia dizer meses atrás. Porque ela já pisou feio na bola comigo há algum tempo.
A culpa de eu ser “ignorante” é dos meus pais. A mistura do genes dos dois deu em mim. Um loiro de olhos verdes e uma negra escandalosamente bela, deram a luz a uma morena de olhos verdes e escandalosamente bela.
E não é sendo ignorante como minha amiga fala, mas beleza é algo que transborda aqui. Falo desse padrãozinho imposto pela sociedade, porque para mim beleza é muito relativo. Apesar de saber que sou o padrão que muitas querem alcançar, o que mais me admira nas pessoas são o caráter, bondade, sinceridade... essas coisas tão essenciais e que muitas vezes falta, independente da aparência física.
E eu não era a única mulher linda em nosso trio. Inalda era perfeita com seu estilo roqueira tatuada de cabelos azuis e Barbara arrasava quarteirões com sua beleza sendo ruiva com sardas fofas. Fofas o bastante para que conquistasse meu namorado no passado e o tornasse meu ex. Mas isso é história para outro dia.
— Não sou a única aqui chamando a atenção. Vocês me culpam por tudo. Já se olharam no espelho hoje? — Fiz um biquinho fingindo estar chateada.
— A única modelo de passarela aqui é você. — Inalda brincou. Sua meta diária é me deixar vermelha de constrangimento pelo menos uma vez.
— Eu me acho linda. — Barbara se mostrou chateada.
Sinceramente eu também ficaria se ficassem elogiando outra mulher sem parar na minha frente, mesmo que soubéssemos que é só uma provocação de Inalda.
Para não deixar o clima chato nem respondi, decidi mudar o assunto.
— Eu desisto. Diz ai, qual vai ser o meu castigo? — lembrei minhas amigas que era uma rodada de apostas.
Houve um momento de silêncio e cochichos entre as duas antes da palavra “isso” ser pronunciada com empolgação pelas duas.
O sorrisinho da minha amiga Inalda deixou claro que coisa boa não viria. Espero que não me peça para fazer nenhuma dancinha sexy nesse lugar.
Olho para os idiotas ao nosso redor.
Deus me livre!
Inalda colocou a mão no queixo, exatamente como fazia quando precisava fazer uma escolha difícil. Olhou para Barbara e sorriu. Barbara devolveu o sorriso dizendo:
— Tantas opções... Mas essa é a melhor.
Cruzei meus braços, mostrando que estava ansiosa. Ao que parece os seres inoportunos entenderam que estavam sobrando, pois finalmente foram embora.
Sem olhar para o lado, vi de relance eles indo em direção ao balcão do bar, onde havia duas loiras quase nuas. Devem ter achado que a roupa era convite. Homens.
— Esperando... — voltei minha atenção para minhas amigas.
— Quero que você fique feia. — Inalda disse, e Barbara apoiou com palminhas.
A encarei com a sobrancelha levantada.
— Desenha que não entendi.
— Exatamente o que escutou, durante trinta dias quero você mais feia que a bruxa do 71. A Barbara vai cuidar disso com seu poderes mágicos de maquiadora.
— Vou te deixar igual uma personagem horrível de um filme em que trabalhei. Ela tinha duas verrugas. — Barbara disse empolgada.
Eu apenas olhei para ela sem acreditar.
— Mulher, eu tenho uma entrevista de emprego amanhã. Não pode mudar minha aparência.
— Ainda será você. Mas a sua pior versão. Aposta é aposta.
— Vai cumprir ou arregar? — Barbara atiçou.
— Com amigas como vocês ninguém precisa de inimigo.
— Não custa nada. Se alguém questionar na empresa, diz que você era de um jeito e mudou. Isso acontece sempre.
— E depois? Não vou trabalhar lá só um mês. Pelo menos é o que espero.
— Depois, pode continuar feia, se gostar. — Barbara ri, estava se divertindo.
— Ou pode dizer que estava passando por uma fase que acabou. — Inalda completa.
E Barbara atiça:
— Topa ou não?
Dei de ombros. Também curiosa por essa aventura.
Eu devo ser maluca de arriscar ser rejeitada por uma aparência que nem seria minha, mas por outro lado se não for escolhida pelas minhas habilidades pode ser até bom. Já passei por muita coisa com chefes abusados que me viam como um pedaço de carne que queriam comer.
Sorrio decidida.
— Topo.
Joshua— Senhor Anderson, as candidatas aguardam. — Fui avisado por Nice, funcionária do recursos humanos.A acompanhei até a sala onde ocorreria as entrevistas. Já está virando minha segunda sala depois de tantas entrevistas com secretárias. Sinto falta da senhora Martins. Tive que aposentá-la ano passado. Ela foi secretária do meu pai. Ele a cedeu para me ajudar e nunca mais a devolvi. Mas a mulher precisava descansar, mesmo sendo muito eficiente. Mais de quarenta anos na profissão. Fico feliz que esteja viajando com os bônus que recebeu tanto da minha parte quanto do meu pai, ela merece.Suspiro pensando se terei a sorte de encontrar alguém profissional dessa vez. Pedi que Nice selecionasse apenas pessoas acima de quarenta anos e sem olhar para aparência como costuma fazer.Assim que entrei, percebi que ela não levou a sério minha exigência. Todas as candidatas eram lindas e pareciam loucas para dar o golpe no CEO de rosto marcado. Era assim que algumas pessoas me chamavam. Outros m
JoshuaDepois de me despedir da ruiva, decidi não ficar mais. Sai do local e liguei para o Theo, meu melhor amigo, e chamei para beber comigo mais tarde. Primeiro eu passaria em casa para saber como Lucile está.Ao chegar em casa a encontrei dormindo.Tomei um banho rápido, lhe dei um beijo de boa noite e sai.Theo já me esperava no bar.— Pedi algo leve, já que amanhã ainda precisamos acordar cedo — ele disse depois que nos cumprimentamos.Me sentei ao seu lado no balcão do bar que costumamos frequentar.— O que é leve para você “fígado de aço”?— Uísque. Era isso ou água.— Excelente escolha — brinquei.Enquanto conversávamos, as bebidas foram servidas.— Como estão as coisas? Fiquei sabendo que contratou uma secretária nova e feia.Reviro os olhos para seu comentário e para o fato de alguém ter fofocado para ele. Esse incorrigível deve estar comendo alguma funcionária de língua solta.— Contratei uma secretária nova e menos propicia a problemas, como disse que faria. Mas ela não é f
Paris Seis da manhã, acordei e me tranquei no banheiro para um banho antes da minha entrevista. Ainda não sabia como seria a questão da aposta.Talvez as duas loucas me deixem trabalhar normalmente. Apesar de que não ligo. Vai ser divertido de qualquer forma. Eles podem descobrir a verdade, mas se preciso digo que uma fase ruim me deixou seja lá como eu deva ficar.Com esses pensamentos, sai do banheiro e encontrei as duas me esperando sentadas em suas camas com caixas e um sorrisinhos.— Achei que poderia escapar — brinquei, enxugando o rosto enquanto usava uma toalha cobrindo meu corpo.— Sem chance. — Barbara declarou.— Me desculpe, amiga, mas parece muito divertido para não fazer. — Inalda declarou abrindo uma das caixas.— Então vamos nos divertir. — Sentei na cadeira da única penteadeira em nosso quarto e elas vieram. Barbara indicava o que Inalda precisava fazer porque ela era estudante de direito, não entendia nada de maquiagem, assim como eu.Todas nós tínhamos planos para q
ParisPrimeiro dia de trabalho.Cheguei na empresa alguns minutos antes do horário, para começar a me acostumar com o lugar, conhecer.A recepcionista era uma jovem de cabelos platinados e corpo de modelo de passarela. Talvez seja preconceito por tudo que já vi e vivo, mas esperei ela me tratar mal por causa da minha aparência atual.Qual não foi minha surpresa ao ouvir:— Bom dia! Posso ajudá-la? — o sorriso em seu rosto era bastante gentil.Devolvi o sorriso.— Sou a nova secretária do senhor Anderson. Me chamo Paris.— Ah, seja bem-vinda! Me chamo Sandra. Agradeci e ela perguntou:— Já tem seu cartão de acesso e as informações sobre seu local de trabalho?— Sim. Último andar. — Isso, logo que sair do elevador verá a sala, que antecipa a do CEO, a sua. Lá também tem uma pequena cantina onde as secretárias dele preparam café, sala de impressão e tudo que necessitar para não precisar descer desesperadamente atrás de uma cafeteria ou copiadora.— Ótimo. Obrigada pela gentileza.— Que
Joshua — Bom dia, Paris!Quando cheguei, no seu segundo dia, ela já estava em seu lugar, e sorriu sem mostrar os dentes, como fez no primeiro dia. Não sei se era por vergonha do aparelho. De qualquer forma era um sorriso sincero.— Bom dia, senhor Anderson!— Venha a minha sala, por favor — pedi.Ela me acompanhou. Usava o mesmo vestido cinza da entrevista, ou algo muito igual.Mesmo por trás dos óculos velhos, pude ver que ela me olhava com certo interesse. Seus olhos castanhos seguiam meus movimentos, do mesmo jeito que notei no primeiro dia.Espero não ter problemas com ela também.— Sente-se — disse enquanto caminhava até o som e colocava minha playlist de quarta-feira. A primeira música é de Kenny Loggins. Gosto de trabalhar ouvindo música, virou um hábito.Ela obedeceu, sentando em uma das cadeiras em frente à minha mesa.— Acabei não mencionando ontem, porém precisa saber de um detalhe sobre mim, eu trabalho com música, e muitas vezes alta. Me ajuda a concentrar — expliquei o m
LucileTudo que mais quero nesse mundo é que Josh seja feliz. Eu sei que ele abriu mão de muita coisa para estar casado comigo. E também sei que irá sofrer quando eu me for. Sendo filho único, Theo e eu sempre fomos seus irmãos de coração. Nós três somos apegados demais. Tanto que o Theo evita me ver, pois sempre acaba em pedaços, ele é o mais sensível de nós, apesar do seu jeito superficial.O médico disse que não houve nenhuma mudança em meu quadro, ainda morrerei em breve. A doença continua seu caminho de destruição.Quando penso em Josh, às vezes me arrependo desse casamento. Se eu tivesse cabeça para isso, até teria um caso, só para Josh se sentir livre para ter também. Essas visitas a casas de swing não o satisfazem, eu sei. Na verdade, está mais o frustrando. Ele é uma pessoa que precisa se comprometer. E pelo que vejo quando ele fala dessa secretária nova, ou como olhou para ela quando chegamos à empresa, sei que isso não vai demorar acontecer.Só que essa menina precisa se cui
ParisSinceramente, não entendi nada da visita da senhora Anderson. Achei que ela ficaria feliz em ter uma secretária feia. Sempre imaginei que as esposas dos CEOs eram ciumentas. Por que insistir em melhorar minha aparência? Por que se oferecer para ajudar nisso?Começo a me arrepender dessa aposta. Percebi que as pessoas não me veem como uma mulher desprovida de beleza e sim uma relaxada. Se parar para pensar, é a verdade. Afinal, uma pessoa que trabalha pode muito bem cuidar mais da pele, do corpo...“Não esquece que essa não é você.”Quase ri alto da voz da minha consciência. Às vezes eu realmente me esqueço.— Foco, Paris! Não importa a sua aparência. Vamos parar de pensar em marido que não é seu e em esposas estranhas — resmunguei voltando ao trabalho.A senhora Anderson é linda como uma fada de ficção. É triste saber que está doente. Deve ser horrível para os dois.Afasto o pensamento triste e foco no trabalho, que não é pouco.Pouco tempo depois, Joshua foi levar a esposa em c
ParisQuinze dias se passaram desde que comecei a trabalhar com Joshua. Conciliar trabalho, último semestre de faculdade e a farsa da secretária feia é complicado, principalmente o maldito aparelho que machuca minha boca e incomoda quando converso. Penso em tirar ele quando não estiver perto das garotas. Isso seria roubar? Provavelmente.Mas até que me divirto com tudo isso. Gosto de saber que Joshua me conserva ao seu lado por minha competência, gosto de me sentir útil, necessária. E gosto mais ainda quando ele me defende. Já ouvi várias vezes ele discutir com cliente ou executivo, dizendo para esquecer minha aparência e focar no meu trabalho. Ele sempre repetia que a empresa não era uma passarela.Talvez eu seja emocionada, como Barbara diz quando falo sobre meu chefe, mas isso mexe comigo. É, acho que estou apaixonada, porém não sou burra e muito menos estou propicia a ser amante. Ainda que tivesse chance. Sei como é ser traída e não desejo isso para ninguém.Nesses quinze dias nun