CAPÍTULO 3

Joshua

— Senhor Anderson, as candidatas aguardam. — Fui avisado por Nice, funcionária do recursos humanos.

A acompanhei até a sala onde ocorreria as entrevistas. Já está virando minha segunda sala depois de tantas entrevistas com secretárias. Sinto falta da senhora Martins. Tive que aposentá-la ano passado. Ela foi secretária do meu pai. Ele a cedeu para me ajudar e nunca mais a devolvi. Mas a mulher precisava descansar, mesmo sendo muito eficiente. Mais de quarenta anos na profissão. Fico feliz que esteja viajando com os bônus que recebeu tanto da minha parte quanto do meu pai, ela merece.

Suspiro pensando se terei a sorte de encontrar alguém profissional dessa vez. Pedi que Nice selecionasse apenas pessoas acima de quarenta anos e sem olhar para aparência como costuma fazer.

Assim que entrei, percebi que ela não levou a sério minha exigência. Todas as candidatas eram lindas e pareciam loucas para dar o golpe no CEO de rosto marcado. Era assim que algumas pessoas me chamavam. Outros me chamavam de “Cicatriz”. As pessoas gostam de apelidar as outras, principalmente pessoas que não sabe nada sobre a sua vida.

O apelido é algo que não me atinge. Ganhei essas cicatrizes lutando com um Rottweiler quando tinha dez anos. Lucile, eu e outros dois amigos pulamos o muro de um vizinho para pegar uma pipa que caiu, e o cão nos atacou. Ele foi para cima de Lucile, mas eu me meti na frente. O maldito queria destruir meu rosto. No fim acabei com uma cicatriz na bochecha e outra na testa. E descobrimos mais tarde que o homem treinava seu cão para brigar com outros. Theo, um dos amigos que estava junto, também foi mordido no braço. Apenas Lucile e nosso outro amigo ficaram intactos.

Me recordo com saudades dessa época. Não da mordida, obvio, da infância. A doença de Lucile me faz ter mais saudade ainda.

Com esses pensamentos saudosos e a decisão de não contratar mais secretárias problemas, estava prestes a dispensar todas quando a moça agachada pagando uma caneta no chão se levantou. Inicialmente a imagem me assustou. Ela tinha um corpo um pouco estranho, nem o vestido austero escondeu a pochete em sua barriga, e quando mostrou o rosto, havia uma verruga no queixo e uma perto do nariz. O aparelho nos dentes não era nada moderno e os óculos eram grandes demais para o seu rosto moldado por cabelos presos em um penteado estilo professora cruel. Mas o que mais chamou a minha atenção foi a cicatriz no ombro, bem perto do seu pescoço. Não era pequena. Deve ter sido um milagre ela sobreviver ao que fez aquilo.

— Pode contratar a senhorita de vestido cinza — declarei e dei as costas. Ela era a única de cinza. As outras usavam cores mais chamativas, sem deixarem de ser elegantes, devo dizer.

Ainda ouvi o burburinho. Acho que as candidatas não aceitaram muito bem. Dane-se! Fiz minha escolha baseado em fatos. No fato que não procuro sexo e sim secretária.

Nice iria cuidar de tudo para ela começar amanhã. Hoje meu dia é sem secretária.

Fui para minha sala, tirei o paletó e me sentei diante da papelada espalhada por minha mesa.

Nem vi o tempo passar.

Trabalhei feito louco. Estamos passando por crescimento na carteira de clientes e precisamos investir em novidades cada vez mais, e em exclusividade. Essa é a marca registrada da Anderson’s Tecnology, e precisamos focar também nas datas comemorativas. Muita coisa para se fazer sem secretária, pois gosto de dar a palavra final, principalmente quando se trata de grandes negócios ou eventos importantes.

Nós criamos celulares. Desde a ideia até a fabricação, e nossos clientes exigem cada vez mais funções, designs modernos e únicos, entre tantas outras possibilidades do aparelho onde carregamos o mundo nas mãos. É cansativo, mas a satisfação quando vemos o resultado compensa demais. Amo meu trabalho e procuro trabalhar apenas com quem tem essa paixão, não importa o cargo. Por isso na minha empresa salário e benefícios são diferenciados, e muito disputados. Se eu der o mínimo, posso esperar o mínimo, mas dando mais, posso exigir mais.

Depois do trabalho, dispensei o motorista e dirigi para longe do centro, em um local exclusivo onde ficava uma casa de swing frequentada por pessoas que não podiam ser reconhecidas. Era dentro de um hotel de fachada. Se fossem descobertas, muita gente teria a carreira abalada, principalmente políticos. Os frequentadores são obrigados a assinar um contrato de confidencialidade. Também não entra celulares e nada que possa gravar ou filmar. Às vezes fico pensando no poder que aquelas pessoas têm ao saber de cada nome de quem entra e sai.

Coloquei minha máscara e entrei. Não que eu goste dessas coisas, prefiro sexo com envolvimento, mesmo que um simples coleguismo, mas no momento é o que me convém diante da situação de Lucile. Nunca vou deixar que ela passe pelos últimos momentos como uma mulher traída.

Ela sabe dessas minhas visitas semanais. Em meus momentos mais descontraídos até conto algumas aventuras. Ela ri muito.

Já perguntei mais de uma vez se ela sente falta de sexo. Sua resposta é sempre a mesma: Talvez a doença tenha me afetado sexualmente porque não sinto mais desejo.

No fundo eu sei que é verdade, o que Lucile sente falta é do mistério do amanhã. Nem posso imaginar como é ter seus dias contatos.

Sentei no balcão e observei ao meu redor. Uma ruiva muito gostosa se mostrou interessada e aceitei seu convite. Sem conversa ou drink, fomos para uma cabine privativa e descarreguei nela toda a frustração de uma semana sem transar. Ela parecia disposta a arrancar de mim todo prazer que queria. Também devia ter seus problemas pessoais, mas não parei para pensar nisso, apenas trocamos prazer.

É sempre assim. E por mais que me deixe frustrado essa rotina vai continuar enquanto Lucile precisar de mim. Já mais colocaria sexo a frente dos meus amigos.

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