Joshua
— Senhor Anderson, as candidatas aguardam. — Fui avisado por Nice, funcionária do recursos humanos.
A acompanhei até a sala onde ocorreria as entrevistas. Já está virando minha segunda sala depois de tantas entrevistas com secretárias. Sinto falta da senhora Martins. Tive que aposentá-la ano passado. Ela foi secretária do meu pai. Ele a cedeu para me ajudar e nunca mais a devolvi. Mas a mulher precisava descansar, mesmo sendo muito eficiente. Mais de quarenta anos na profissão. Fico feliz que esteja viajando com os bônus que recebeu tanto da minha parte quanto do meu pai, ela merece.
Suspiro pensando se terei a sorte de encontrar alguém profissional dessa vez. Pedi que Nice selecionasse apenas pessoas acima de quarenta anos e sem olhar para aparência como costuma fazer.
Assim que entrei, percebi que ela não levou a sério minha exigência. Todas as candidatas eram lindas e pareciam loucas para dar o golpe no CEO de rosto marcado. Era assim que algumas pessoas me chamavam. Outros me chamavam de “Cicatriz”. As pessoas gostam de apelidar as outras, principalmente pessoas que não sabe nada sobre a sua vida.
O apelido é algo que não me atinge. Ganhei essas cicatrizes lutando com um Rottweiler quando tinha dez anos. Lucile, eu e outros dois amigos pulamos o muro de um vizinho para pegar uma pipa que caiu, e o cão nos atacou. Ele foi para cima de Lucile, mas eu me meti na frente. O maldito queria destruir meu rosto. No fim acabei com uma cicatriz na bochecha e outra na testa. E descobrimos mais tarde que o homem treinava seu cão para brigar com outros. Theo, um dos amigos que estava junto, também foi mordido no braço. Apenas Lucile e nosso outro amigo ficaram intactos.
Me recordo com saudades dessa época. Não da mordida, obvio, da infância. A doença de Lucile me faz ter mais saudade ainda.
Com esses pensamentos saudosos e a decisão de não contratar mais secretárias problemas, estava prestes a dispensar todas quando a moça agachada pagando uma caneta no chão se levantou. Inicialmente a imagem me assustou. Ela tinha um corpo um pouco estranho, nem o vestido austero escondeu a pochete em sua barriga, e quando mostrou o rosto, havia uma verruga no queixo e uma perto do nariz. O aparelho nos dentes não era nada moderno e os óculos eram grandes demais para o seu rosto moldado por cabelos presos em um penteado estilo professora cruel. Mas o que mais chamou a minha atenção foi a cicatriz no ombro, bem perto do seu pescoço. Não era pequena. Deve ter sido um milagre ela sobreviver ao que fez aquilo.
— Pode contratar a senhorita de vestido cinza — declarei e dei as costas. Ela era a única de cinza. As outras usavam cores mais chamativas, sem deixarem de ser elegantes, devo dizer.
Ainda ouvi o burburinho. Acho que as candidatas não aceitaram muito bem. Dane-se! Fiz minha escolha baseado em fatos. No fato que não procuro sexo e sim secretária.
Nice iria cuidar de tudo para ela começar amanhã. Hoje meu dia é sem secretária.
Fui para minha sala, tirei o paletó e me sentei diante da papelada espalhada por minha mesa.
Nem vi o tempo passar.
Trabalhei feito louco. Estamos passando por crescimento na carteira de clientes e precisamos investir em novidades cada vez mais, e em exclusividade. Essa é a marca registrada da Anderson’s Tecnology, e precisamos focar também nas datas comemorativas. Muita coisa para se fazer sem secretária, pois gosto de dar a palavra final, principalmente quando se trata de grandes negócios ou eventos importantes.
Nós criamos celulares. Desde a ideia até a fabricação, e nossos clientes exigem cada vez mais funções, designs modernos e únicos, entre tantas outras possibilidades do aparelho onde carregamos o mundo nas mãos. É cansativo, mas a satisfação quando vemos o resultado compensa demais. Amo meu trabalho e procuro trabalhar apenas com quem tem essa paixão, não importa o cargo. Por isso na minha empresa salário e benefícios são diferenciados, e muito disputados. Se eu der o mínimo, posso esperar o mínimo, mas dando mais, posso exigir mais.
Depois do trabalho, dispensei o motorista e dirigi para longe do centro, em um local exclusivo onde ficava uma casa de swing frequentada por pessoas que não podiam ser reconhecidas. Era dentro de um hotel de fachada. Se fossem descobertas, muita gente teria a carreira abalada, principalmente políticos. Os frequentadores são obrigados a assinar um contrato de confidencialidade. Também não entra celulares e nada que possa gravar ou filmar. Às vezes fico pensando no poder que aquelas pessoas têm ao saber de cada nome de quem entra e sai.
Coloquei minha máscara e entrei. Não que eu goste dessas coisas, prefiro sexo com envolvimento, mesmo que um simples coleguismo, mas no momento é o que me convém diante da situação de Lucile. Nunca vou deixar que ela passe pelos últimos momentos como uma mulher traída.
Ela sabe dessas minhas visitas semanais. Em meus momentos mais descontraídos até conto algumas aventuras. Ela ri muito.
Já perguntei mais de uma vez se ela sente falta de sexo. Sua resposta é sempre a mesma: Talvez a doença tenha me afetado sexualmente porque não sinto mais desejo.
No fundo eu sei que é verdade, o que Lucile sente falta é do mistério do amanhã. Nem posso imaginar como é ter seus dias contatos.
Sentei no balcão e observei ao meu redor. Uma ruiva muito gostosa se mostrou interessada e aceitei seu convite. Sem conversa ou drink, fomos para uma cabine privativa e descarreguei nela toda a frustração de uma semana sem transar. Ela parecia disposta a arrancar de mim todo prazer que queria. Também devia ter seus problemas pessoais, mas não parei para pensar nisso, apenas trocamos prazer.
É sempre assim. E por mais que me deixe frustrado essa rotina vai continuar enquanto Lucile precisar de mim. Já mais colocaria sexo a frente dos meus amigos.
JoshuaDepois de me despedir da ruiva, decidi não ficar mais. Sai do local e liguei para o Theo, meu melhor amigo, e chamei para beber comigo mais tarde. Primeiro eu passaria em casa para saber como Lucile está.Ao chegar em casa a encontrei dormindo.Tomei um banho rápido, lhe dei um beijo de boa noite e sai.Theo já me esperava no bar.— Pedi algo leve, já que amanhã ainda precisamos acordar cedo — ele disse depois que nos cumprimentamos.Me sentei ao seu lado no balcão do bar que costumamos frequentar.— O que é leve para você “fígado de aço”?— Uísque. Era isso ou água.— Excelente escolha — brinquei.Enquanto conversávamos, as bebidas foram servidas.— Como estão as coisas? Fiquei sabendo que contratou uma secretária nova e feia.Reviro os olhos para seu comentário e para o fato de alguém ter fofocado para ele. Esse incorrigível deve estar comendo alguma funcionária de língua solta.— Contratei uma secretária nova e menos propicia a problemas, como disse que faria. Mas ela não é f
Paris Seis da manhã, acordei e me tranquei no banheiro para um banho antes da minha entrevista. Ainda não sabia como seria a questão da aposta.Talvez as duas loucas me deixem trabalhar normalmente. Apesar de que não ligo. Vai ser divertido de qualquer forma. Eles podem descobrir a verdade, mas se preciso digo que uma fase ruim me deixou seja lá como eu deva ficar.Com esses pensamentos, sai do banheiro e encontrei as duas me esperando sentadas em suas camas com caixas e um sorrisinhos.— Achei que poderia escapar — brinquei, enxugando o rosto enquanto usava uma toalha cobrindo meu corpo.— Sem chance. — Barbara declarou.— Me desculpe, amiga, mas parece muito divertido para não fazer. — Inalda declarou abrindo uma das caixas.— Então vamos nos divertir. — Sentei na cadeira da única penteadeira em nosso quarto e elas vieram. Barbara indicava o que Inalda precisava fazer porque ela era estudante de direito, não entendia nada de maquiagem, assim como eu.Todas nós tínhamos planos para q
ParisPrimeiro dia de trabalho.Cheguei na empresa alguns minutos antes do horário, para começar a me acostumar com o lugar, conhecer.A recepcionista era uma jovem de cabelos platinados e corpo de modelo de passarela. Talvez seja preconceito por tudo que já vi e vivo, mas esperei ela me tratar mal por causa da minha aparência atual.Qual não foi minha surpresa ao ouvir:— Bom dia! Posso ajudá-la? — o sorriso em seu rosto era bastante gentil.Devolvi o sorriso.— Sou a nova secretária do senhor Anderson. Me chamo Paris.— Ah, seja bem-vinda! Me chamo Sandra. Agradeci e ela perguntou:— Já tem seu cartão de acesso e as informações sobre seu local de trabalho?— Sim. Último andar. — Isso, logo que sair do elevador verá a sala, que antecipa a do CEO, a sua. Lá também tem uma pequena cantina onde as secretárias dele preparam café, sala de impressão e tudo que necessitar para não precisar descer desesperadamente atrás de uma cafeteria ou copiadora.— Ótimo. Obrigada pela gentileza.— Que
Joshua — Bom dia, Paris!Quando cheguei, no seu segundo dia, ela já estava em seu lugar, e sorriu sem mostrar os dentes, como fez no primeiro dia. Não sei se era por vergonha do aparelho. De qualquer forma era um sorriso sincero.— Bom dia, senhor Anderson!— Venha a minha sala, por favor — pedi.Ela me acompanhou. Usava o mesmo vestido cinza da entrevista, ou algo muito igual.Mesmo por trás dos óculos velhos, pude ver que ela me olhava com certo interesse. Seus olhos castanhos seguiam meus movimentos, do mesmo jeito que notei no primeiro dia.Espero não ter problemas com ela também.— Sente-se — disse enquanto caminhava até o som e colocava minha playlist de quarta-feira. A primeira música é de Kenny Loggins. Gosto de trabalhar ouvindo música, virou um hábito.Ela obedeceu, sentando em uma das cadeiras em frente à minha mesa.— Acabei não mencionando ontem, porém precisa saber de um detalhe sobre mim, eu trabalho com música, e muitas vezes alta. Me ajuda a concentrar — expliquei o m
LucileTudo que mais quero nesse mundo é que Josh seja feliz. Eu sei que ele abriu mão de muita coisa para estar casado comigo. E também sei que irá sofrer quando eu me for. Sendo filho único, Theo e eu sempre fomos seus irmãos de coração. Nós três somos apegados demais. Tanto que o Theo evita me ver, pois sempre acaba em pedaços, ele é o mais sensível de nós, apesar do seu jeito superficial.O médico disse que não houve nenhuma mudança em meu quadro, ainda morrerei em breve. A doença continua seu caminho de destruição.Quando penso em Josh, às vezes me arrependo desse casamento. Se eu tivesse cabeça para isso, até teria um caso, só para Josh se sentir livre para ter também. Essas visitas a casas de swing não o satisfazem, eu sei. Na verdade, está mais o frustrando. Ele é uma pessoa que precisa se comprometer. E pelo que vejo quando ele fala dessa secretária nova, ou como olhou para ela quando chegamos à empresa, sei que isso não vai demorar acontecer.Só que essa menina precisa se cui
ParisSinceramente, não entendi nada da visita da senhora Anderson. Achei que ela ficaria feliz em ter uma secretária feia. Sempre imaginei que as esposas dos CEOs eram ciumentas. Por que insistir em melhorar minha aparência? Por que se oferecer para ajudar nisso?Começo a me arrepender dessa aposta. Percebi que as pessoas não me veem como uma mulher desprovida de beleza e sim uma relaxada. Se parar para pensar, é a verdade. Afinal, uma pessoa que trabalha pode muito bem cuidar mais da pele, do corpo...“Não esquece que essa não é você.”Quase ri alto da voz da minha consciência. Às vezes eu realmente me esqueço.— Foco, Paris! Não importa a sua aparência. Vamos parar de pensar em marido que não é seu e em esposas estranhas — resmunguei voltando ao trabalho.A senhora Anderson é linda como uma fada de ficção. É triste saber que está doente. Deve ser horrível para os dois.Afasto o pensamento triste e foco no trabalho, que não é pouco.Pouco tempo depois, Joshua foi levar a esposa em c
ParisQuinze dias se passaram desde que comecei a trabalhar com Joshua. Conciliar trabalho, último semestre de faculdade e a farsa da secretária feia é complicado, principalmente o maldito aparelho que machuca minha boca e incomoda quando converso. Penso em tirar ele quando não estiver perto das garotas. Isso seria roubar? Provavelmente.Mas até que me divirto com tudo isso. Gosto de saber que Joshua me conserva ao seu lado por minha competência, gosto de me sentir útil, necessária. E gosto mais ainda quando ele me defende. Já ouvi várias vezes ele discutir com cliente ou executivo, dizendo para esquecer minha aparência e focar no meu trabalho. Ele sempre repetia que a empresa não era uma passarela.Talvez eu seja emocionada, como Barbara diz quando falo sobre meu chefe, mas isso mexe comigo. É, acho que estou apaixonada, porém não sou burra e muito menos estou propicia a ser amante. Ainda que tivesse chance. Sei como é ser traída e não desejo isso para ninguém.Nesses quinze dias nun
JoshuaFaz mais de quinze dias que estou trabalhando com Paris, e já nem sei como seria a minha vida sem ela. Me acostumei com seu trabalho, com sua presença alegre e competência. Ela é uma pessoa incrível, não abaixa a cabeça, mas também não perde a razão. Além de termos gostos musicais parecidos, também gostamos de filmes de ação e livros de mistério, entre outras coisas.A conversa com ela se desenvolve sem dificuldades, seja em assuntos da empresa ou coisas pessoais. Acho que ela sabe tanto sobre mim quanto meus melhores amigos. Também sei muito sobre ela, suas amigas, seu desejo de se formar e ter seu próprio consultório, sobre sua família.A única coisa que não me atrevi a perguntar é sobre sua aparência. Mas confesso, quero ver Paris arrumada, bem cuidada. Ela merece externar toda beleza do seu interior.Tenho planos de levá-la a um evento de lançamento de celular no próximo mês. E gostaria que ela fosse diferente do que vejo no trabalho.— Senhor Anderson?— Sim.— Ouvi algo d