Paris
Seis da manhã, acordei e me tranquei no banheiro para um banho antes da minha entrevista. Ainda não sabia como seria a questão da aposta.
Talvez as duas loucas me deixem trabalhar normalmente. Apesar de que não ligo. Vai ser divertido de qualquer forma. Eles podem descobrir a verdade, mas se preciso digo que uma fase ruim me deixou seja lá como eu deva ficar.
Com esses pensamentos, sai do banheiro e encontrei as duas me esperando sentadas em suas camas com caixas e um sorrisinhos.
— Achei que poderia escapar — brinquei, enxugando o rosto enquanto usava uma toalha cobrindo meu corpo.
— Sem chance. — Barbara declarou.
— Me desculpe, amiga, mas parece muito divertido para não fazer. — Inalda declarou abrindo uma das caixas.
— Então vamos nos divertir. — Sentei na cadeira da única penteadeira em nosso quarto e elas vieram. Barbara indicava o que Inalda precisava fazer porque ela era estudante de direito, não entendia nada de maquiagem, assim como eu.
Todas nós tínhamos planos para quando sairmos da faculdade, no fim desse ano, por isso dividíamos o quarto que nossas bolsas incluíam. O dinheiro que ganhávamos era reservado para nossos sonhos. O meu é comprar um apartamento e abrir meu consultório particular. Ainda não tenho o bastante para fazer tudo à vista, mas estou trabalhando para começar com o mínimo de dívidas e o máximo de empolgação. E sem precisar pedir ajuda aos meus pais, que já trabalharam demais em suas vidas para me levar até onde estou.
— Não. — Segurei a mão de Inalda quando entendi que ela pretendia esconder a minha cicatriz com maquiagem.
— Desculpe. — Ela fez aquela expressão que sempre fazia quando o assunto era minha cicatriz.
Odeio ver pena no olhar das pessoas. Às vezes me arrependo de ter contado a ela como consegui essa marca.
— Relaxa. Mas deixa ela ai. No fim, vai acabar ajudando na caracterização. — Forcei um sorriso.
Ela demorou um pouco, mas aceitou e mudou de assunto; falando sobre como seria os dias da aposta.
Eu tinha essa cicatriz desde o meu aniversário de quinze anos. Era uma lembrança de que existe mais pessoas cruéis que boas nesse mundo. Colegas de escola armaram para mim. Enquanto eu me arrumava toda feliz por ter permissão para comemorar meu aniversário com eles longe dos nossos pais, eles preparavam a armadilha.
Era para ser um estupro coletivo. E as meninas filmariam para me ameaçar caso eu tentasse contar para alguém, mas eles não esperavam minha reação. Ataquei tudo e todos. Eles tentavam me segurar e eu atacava mais ainda, como um animal acuado. Só que cai exatamente com o ombro — bem perto do pescoço — em uma garrafa quebrada no chão. Não morri por milagre. Ouvi isso de várias pessoas, inclusive dos médicos que me salvaram. Era realmente um milagre porque o dono da casa chegou no momento exato, e ele era médico. Time perfeito para eu não sangrar até a morte, porque meus colegas me deixariam morrer, eles fugiram logo que me viram sangrando. Eu denunciei todos eles. Só foram condenados a serviço comunitário, por serem menores de idade e eu ter sobrevivido. Mas pelo menos eles sabem que não tenho medo. Depois desse dia os pais deles foram obrigados pela pressão dos outros pais a mudá-los de escola e nunca mais os vi.
Desde esse dia eu faço todos os cursos de defesa pessoal, ando com spray de pimenta, além de ter porte e posse de arma. Não passarei por isso novamente. Também criei certa resistência a confiar. Principalmente em homens.
Enquanto eu lembrava desse terrível episódio, Barbara terminava sua mágica.
— O que acha?
— Nossa! Você tem o dom. Me deixou horrível. Adorei. — Rimos. — Agora me deixe ir porque posso chegar feia, não atrasada.
Depois de algumas fotos do novo estilo, me apressei e cheguei na empresa no horário. No local, assim como pelo caminho, as pessoas me olhavam como se eu tivesse uma doença contagiosa. A sensação não é muito diferente de quando ando pela rua com uma roupa mais elegante e os homens me encaram como a um pedaço de carne e as mulheres como se quisessem me matar.
A roupa feita para deixar gorda incomodava um pouco, me deixava atrapalhada. Por isso nem vi quando ele entrou na sala. Estava pegando a caneta que derrubei ao tentar corrigir minha postura na cadeira.
Quando me levantei e o vi, quase que cai junto com a caneta que soltei.
Não poderia existir homem assim. É covardia do universo. Não que fosse um modelo de beleza padrão. Longe disso. Era másculo, alto, com um rosto marcado por duas cicatrizes finas. Ele emana algo que me deixa de pernas bambas. E pelo que percebi ao meu redor, eu não era a única afetada.
Foi tudo muito rápido. Ele ordenou que contratassem a de cinza e saiu. Demorou para eu entender que a de cinza era eu.
Quando caiu a ficha, todas me olhavam com raiva.
E eu? Estava só a felicidade por ter conseguido o emprego e por saber que teria a visão desse deus todos os dias.
Se não fosse casado...
ParisPrimeiro dia de trabalho.Cheguei na empresa alguns minutos antes do horário, para começar a me acostumar com o lugar, conhecer.A recepcionista era uma jovem de cabelos platinados e corpo de modelo de passarela. Talvez seja preconceito por tudo que já vi e vivo, mas esperei ela me tratar mal por causa da minha aparência atual.Qual não foi minha surpresa ao ouvir:— Bom dia! Posso ajudá-la? — o sorriso em seu rosto era bastante gentil.Devolvi o sorriso.— Sou a nova secretária do senhor Anderson. Me chamo Paris.— Ah, seja bem-vinda! Me chamo Sandra. Agradeci e ela perguntou:— Já tem seu cartão de acesso e as informações sobre seu local de trabalho?— Sim. Último andar. — Isso, logo que sair do elevador verá a sala, que antecipa a do CEO, a sua. Lá também tem uma pequena cantina onde as secretárias dele preparam café, sala de impressão e tudo que necessitar para não precisar descer desesperadamente atrás de uma cafeteria ou copiadora.— Ótimo. Obrigada pela gentileza.— Que
Joshua — Bom dia, Paris!Quando cheguei, no seu segundo dia, ela já estava em seu lugar, e sorriu sem mostrar os dentes, como fez no primeiro dia. Não sei se era por vergonha do aparelho. De qualquer forma era um sorriso sincero.— Bom dia, senhor Anderson!— Venha a minha sala, por favor — pedi.Ela me acompanhou. Usava o mesmo vestido cinza da entrevista, ou algo muito igual.Mesmo por trás dos óculos velhos, pude ver que ela me olhava com certo interesse. Seus olhos castanhos seguiam meus movimentos, do mesmo jeito que notei no primeiro dia.Espero não ter problemas com ela também.— Sente-se — disse enquanto caminhava até o som e colocava minha playlist de quarta-feira. A primeira música é de Kenny Loggins. Gosto de trabalhar ouvindo música, virou um hábito.Ela obedeceu, sentando em uma das cadeiras em frente à minha mesa.— Acabei não mencionando ontem, porém precisa saber de um detalhe sobre mim, eu trabalho com música, e muitas vezes alta. Me ajuda a concentrar — expliquei o m
LucileTudo que mais quero nesse mundo é que Josh seja feliz. Eu sei que ele abriu mão de muita coisa para estar casado comigo. E também sei que irá sofrer quando eu me for. Sendo filho único, Theo e eu sempre fomos seus irmãos de coração. Nós três somos apegados demais. Tanto que o Theo evita me ver, pois sempre acaba em pedaços, ele é o mais sensível de nós, apesar do seu jeito superficial.O médico disse que não houve nenhuma mudança em meu quadro, ainda morrerei em breve. A doença continua seu caminho de destruição.Quando penso em Josh, às vezes me arrependo desse casamento. Se eu tivesse cabeça para isso, até teria um caso, só para Josh se sentir livre para ter também. Essas visitas a casas de swing não o satisfazem, eu sei. Na verdade, está mais o frustrando. Ele é uma pessoa que precisa se comprometer. E pelo que vejo quando ele fala dessa secretária nova, ou como olhou para ela quando chegamos à empresa, sei que isso não vai demorar acontecer.Só que essa menina precisa se cui
ParisSinceramente, não entendi nada da visita da senhora Anderson. Achei que ela ficaria feliz em ter uma secretária feia. Sempre imaginei que as esposas dos CEOs eram ciumentas. Por que insistir em melhorar minha aparência? Por que se oferecer para ajudar nisso?Começo a me arrepender dessa aposta. Percebi que as pessoas não me veem como uma mulher desprovida de beleza e sim uma relaxada. Se parar para pensar, é a verdade. Afinal, uma pessoa que trabalha pode muito bem cuidar mais da pele, do corpo...“Não esquece que essa não é você.”Quase ri alto da voz da minha consciência. Às vezes eu realmente me esqueço.— Foco, Paris! Não importa a sua aparência. Vamos parar de pensar em marido que não é seu e em esposas estranhas — resmunguei voltando ao trabalho.A senhora Anderson é linda como uma fada de ficção. É triste saber que está doente. Deve ser horrível para os dois.Afasto o pensamento triste e foco no trabalho, que não é pouco.Pouco tempo depois, Joshua foi levar a esposa em c
ParisQuinze dias se passaram desde que comecei a trabalhar com Joshua. Conciliar trabalho, último semestre de faculdade e a farsa da secretária feia é complicado, principalmente o maldito aparelho que machuca minha boca e incomoda quando converso. Penso em tirar ele quando não estiver perto das garotas. Isso seria roubar? Provavelmente.Mas até que me divirto com tudo isso. Gosto de saber que Joshua me conserva ao seu lado por minha competência, gosto de me sentir útil, necessária. E gosto mais ainda quando ele me defende. Já ouvi várias vezes ele discutir com cliente ou executivo, dizendo para esquecer minha aparência e focar no meu trabalho. Ele sempre repetia que a empresa não era uma passarela.Talvez eu seja emocionada, como Barbara diz quando falo sobre meu chefe, mas isso mexe comigo. É, acho que estou apaixonada, porém não sou burra e muito menos estou propicia a ser amante. Ainda que tivesse chance. Sei como é ser traída e não desejo isso para ninguém.Nesses quinze dias nun
JoshuaFaz mais de quinze dias que estou trabalhando com Paris, e já nem sei como seria a minha vida sem ela. Me acostumei com seu trabalho, com sua presença alegre e competência. Ela é uma pessoa incrível, não abaixa a cabeça, mas também não perde a razão. Além de termos gostos musicais parecidos, também gostamos de filmes de ação e livros de mistério, entre outras coisas.A conversa com ela se desenvolve sem dificuldades, seja em assuntos da empresa ou coisas pessoais. Acho que ela sabe tanto sobre mim quanto meus melhores amigos. Também sei muito sobre ela, suas amigas, seu desejo de se formar e ter seu próprio consultório, sobre sua família.A única coisa que não me atrevi a perguntar é sobre sua aparência. Mas confesso, quero ver Paris arrumada, bem cuidada. Ela merece externar toda beleza do seu interior.Tenho planos de levá-la a um evento de lançamento de celular no próximo mês. E gostaria que ela fosse diferente do que vejo no trabalho.— Senhor Anderson?— Sim.— Ouvi algo d
Joshua— Boa tarde, marido! — Lucile cumprimenta. Ela está na sala, deitada no sofá com uma manta e tomando um chá. Seus cabelos castanhos estão presos em uma trança.— Boa tarde, esposa! Como passou o dia?— O de sempre. Médicos, conversar com meus pais. A única diferença foi que o Theo esteve aqui.— É difícil para ele também.— Eu sei. Mas não quero falar sobre como essa doença maldita machuca todos que amo. Me fala sobre você. Como foi seu dia de trabalho com a Paris?Me sento e coloco seus pés no meu colo.— Produtivo. Pretendo levar ela para o evento que te falei.— Isso é excelente!— Quanta empolgação. Até parece que falei que vou levar a chefe das lideres de torcida para um baile.— Não deixa de ser parecido.— Nada a ver. Se trata de trabalho.— Tá. Tá. Se você diz. — Ela deixa a xicara sobre a mesa de centro. — Eu vou deixar aquela garota incrível. Está decidido.— E se ela não quiser?— Acha que ela vai recusar o pedido de uma moribunda? — seu rosto expressa decepção.— Se
ParisEncontrei Joshua na academia hoje. Foi quase um teste de resistência evitar encarar seu corpo perfeito. Ele fica incrível de terno, mas de camiseta chega a ser demoníaco. É muito pecado esse corpo.E pior foi ele me deixando toda atrapalhada com seu jogo de palavras. Cheguei a sentir a queda da esteira, mas consegui me equilibrar e ele pausou o aparelho antes do desastre. A queda ia ser o evento do dia. A feia caindo da esteira.Já imagino as fofocas.Eu não sabia o que dizer, então ele ligou o aparelho novamente. Pude focar no treino. Ou pelo menos fingir que estava focada. Certeza que o ritmo do meu coração não era por causa do exercício.Quando ele se foi, babei um pouco na sua bunda enquanto ia em direção ao vestiário e depois consegui focar no treino de verdade. Há dias que queria treinar aqui.E quando vi que ele realmente transferiu o dinheiro pela empresa, decidi que precisava mostrar que estava levando a sério o que eu disse sobre me cuidar. O que ajudaria a não ter tan