— Dê-me o divórcio!
Sabe quando você olha nos olhos de alguém e sente um calafrio na espinha? Pois é. E, naquele momento, eu não estava diante de um anjo. Eu tinha certeza de que demônios existem, e um deles usava terno italiano e ocupava uma cadeira de couro do outro lado da mesa.
Passei horas esperando como uma estranha para ter uma “audiência” com o meu próprio marido. Mas, finalmente, lá estava eu, de pé, respirando fundo, enquanto ele mal levantava os olhos por cima dos óculos. Papéis espalhados, canetas rolando pelo tampo da mesa… Alexander Speredo, o homem mais frio e insensível que eu conhecia, me encarava com aquele olhar gélido que faria até o Polo Norte parecer quente.
Seu silêncio durava. O que ele esperava? Um show? Talvez. Senti o nervosismo me consumir, mas mantive a pose. Afinal, tudo naquele escritório gritava “poder”, e eu? Eu queria só uma assinatura no maldito papel do divórcio.
— Não vai dizer nada? — Cruzei os braços, mais para esconder o tremor nas mãos do que para bancar a desafiadora. Ele continuava me estudando, sem pressa. Quando finalmente abriu a boca, suas palavras foram tão afiadas quanto sua caneta Montblanc.
— Você acha mesmo que vai conseguir se livrar de mim assim tão fácil?
Ri. Foi um riso seco, quase forçado. Eu estava muito enganada se esperava algum tipo de acordo amigável.
Mas deixe-me voltar ao começo disso tudo. Meu pai sempre dizia que minha avó era excêntrica, talvez até um pouco louca. Eu, por outro lado, a via como alguém… decidida. Do tipo que, ao ver um garoto sem-teto vagando pela rua, resolveu, do nada, adotá-lo. Simples assim. Como se ele fosse um cachorro perdido.
— Ele é meu filho agora — decretou, ignorando todas as objeções da família. E fez questão de ameaçar: se o menino não fosse aceito, ela sairia de casa com meu pai e nunca mais olharia para trás. Um drama familiar digno de novela, sem dúvidas.
Esse garoto, para a surpresa de todos, cresceu e se tornou o homem mais rico do país. E não importa o quanto ele tentou recompensá-la depois — minha avó nunca aceitou um centavo. Eu achei bonito. Altruísta, até. Até o dia em que ela reuniu todos nós para anunciar, sem nenhum aviso prévio:
— Alexander deve se casar com Charlotte!
Quase engasguei. Eu, a Charlotte que mal acreditava no que ouvia, virei o “presente” de gratidão para o homem mais rico do país. Maravilhoso, não?
Alexander, claro, ficou tão surpreso quanto eu. Ou melhor, ele parecia indiferente, como sempre. De pé, atrás do pai, ele olhou para mim com o mesmo interesse que teria por uma planta de escritório. Minha avó, a mesma que eu achava ser uma velhinha adorável, mostrou sua verdadeira face naquele momento. Ela era uma cobra. De veludo, mas ainda assim uma cobra.
O único que se emocionou de verdade foi tio Jackson, o antes cachorro abandonado. Ele desatou a chorar como se fosse um filme de casamento antigo e jurou, de pé e com a mão no peito:
— Charlotte será cuidada como minha própria filha! — Uma performance digna de um Oscar, se me permite dizer.
E foi assim que eu me vi casada com Alexander Speredo. O solteiro mais desejado do país… que eu não amava, e que certamente também não me amava. O casamento foi a chantagem emocional mais cruel da minha vida. Minha avó jurou que morreria de desgosto se eu não aceitasse, e como não havia nada de errado com Alexander (além de sua personalidade feita de gelo), acabei aceitando.
Quanto a Alexander, ele só precisava de um incentivo para dizer “sim” ao casamento: a ameaça de ser deserdado pelo pai. Casar comigo significava manter sua fortuna intacta.
E foi assim que entrei no acordo mais estúpido da minha vida. Meu casamento era uma piada. Eu era invisível em sua mansão, praticamente parte da decoração. Minha sogra, sempre orgulhosa, não perdia uma oportunidade de me lembrar de como minhas origens eram “inferiores”. Hipocrisia pura, considerando que o marido dela, Jackson, foi encontrado mendigando nas ruas.
E o mais irônico? Eu preferia o silêncio gelado daquela casa a suportar as festas e os jantares intermináveis com pessoas que fingiam ser perfeitas.
Alexander não se dava ao trabalho de esconder o quanto achava minhas maneiras embaraçosas. “Humilhantes” foi a palavra exata que ele usou para descrever meu comportamento, como se eu fosse um espinho no pé do seu status de CEO exemplar. Ele me repreendia com uma frieza que chegava a ser cruel. E, depois de um ano dessa tortura emocional, tomei a decisão mais sensata da minha vida: fui embora.
Isso já faz três anos.
Pensei que, ao sair da vida dos Speredo, finalmente teria paz. Longe das memórias sufocantes e das influências daquela família. Doce ilusão. Eles ainda conseguem se infiltrar nos meus pensamentos, como uma praga. Até na clínica médica, veja só!
Lá estava eu, sentada na sala de espera de uma clínica dentária, segurando um jornal qualquer. Datado de dez dias atrás, provavelmente deixado por algum paciente com pressa. Nem me importei. Estava disposta a ler até bula de remédio se fosse para afastar o tédio e, claro, a crescente ansiedade.
O lugar estava lotado de mulheres. O ambiente parecia uma feira de fofocas. Conversas altas, risos exagerados. Eu não suporto essas trocas de banalidades entre estranhos, então foquei no jornal, mesmo que as manchetes me irritassem. E adivinhem quem estampava a primeira página? Ele, claro: Alexander Speredo, meu adorável “ex”-marido.
— Que jovem adorável! — uma senhora idosa exclamou, ao meu lado, apontando para a foto de Alexander no jornal.
Ah, não. Nem tente, senhora.
Logo, metade da sala parou o que estava fazendo para se inclinar e observar a matéria que eu fingia ler.
— Ele é mesmo! — continuou outra mulher mais à frente, com um sorriso sonhador. — E tão jovem. O que será que ele faz?
— É o CEO da Corporação Speredo. — respondeu uma terceira, uma jovem da minha idade. — Rede de hotéis de luxo. Um verdadeiro sucesso!
— Mas o que importa não é o dinheiro — outra completou, com um brilho nos olhos. — É que ele é lindo. E solteiro! Um doce inestimável, se querem saber. Eu daria tudo pra casar com ele… Mas duvido que os céus me fariam esse favor.
Solteiro, ela disse?
Eu ri por dentro. Mas não de alegria, claro.
Aquele homem ainda era meu marido, de acordo com a lei. Sim, porque o maravilhoso CEO da primeira página se recusava a me conceder o divórcio. Tecnicamente, nosso casamento sequer foi consumado, o que me daria motivos para anular tudo. Mas, vamos ser sinceras, anunciar isso publicamente seria uma humilhação que eu não estava disposta a enfrentar.
Queria poder gritar, mas estava eu, ouvindo um grupo de mulheres apaixonadas elogiando aquele que eu mais queria esquecer. Meu dente latejava de dor, mas a verdadeira dor era ter que suportar os comentários ensandecidos sobre o “deus” da primeira página.
Eu não aguentava mais. Senti que, a qualquer momento, meu dente ia explodir de tanto que doía, então me levantei e fui até a recepcionista, lutando para parecer menos miserável do que me sentia.
— Você poderia me encaixar logo? — implorei, com os olhos cheios de lágrimas. — Estou com muita dor.
Ela me olhou, impassível, como se já estivesse acostumada a ver pessoas se desfazendo na sua frente.
— Desculpe, senhora, mas sem agendamento prévio, terá que esperar sua vez. O dentista está com os pacientes agendados…
Pacientes agendados? Isso era sério?
A dor no meu dente atingiu um novo nível. Senti um frio percorrer minha espinha, e antes que a mulher pudesse terminar sua frase, tudo escureceu.
Quando acordei, o primeiro rosto que vi não era exatamente o que eu esperava encontrar ao abrir os olhos. Um homem, talvez na casa dos trinta, me observava com um olhar preocupado. Não era o tipo de beleza que me faria suspirar, mas seus olhos suaves e o nariz bem delineado eram, de alguma forma, reconfortantes.— Você está bem, senhora? — ele perguntou, a voz doce como uma brisa de primavera.Notei que ele estava vestindo um jaleco branco. Ah, então deve ser o dentista. Soltei um suspiro de alívio e, enquanto tentava controlar a dor que ainda latejava na minha boca, disse:— Estou viva, mas meu dente está me matando. Você pode fazer algo a respeito?Ele soltou uma risada suave e me ajudou a levantar do chão, suas mãos firmes, mas gentis.— Siga-me até o consultório.E assim fiz, passando pela sala de espera sob olhares curiosos que, sem dúvida, me amaldiçoavam silenciosamente por ignorá-las enquanto ele me arrastava para fora. A dor era uma sombra tão insuportável que não me permitia
Passei na farmácia para comprar o medicamento e me dirigi apressadamente à estação de rádio onde trabalho como radialista. Assim que entrei no prédio, encontrei meu gerente descendo as escadas. O olhar dele se fixou em mim e eu sabia que o show estava prestes a começar.— Você planeja aparecer depois que a estação fechar? Você tem ideia de que horas são? — sua voz ecoou, quase um grito.— Pedi uma licença para hoje. Estou aqui apenas para pegar alguns materiais para o episódio de amanhã — lembrei, com um sorriso sarcástico. O homem parecia ter um ataque cardíaco ao ouvir isso. E então, a explosão:— Recusei seu pedido! O programa vai ao ar em meia hora! Se não tiver nada preparado, é melhor improvisar qualquer coisa! Você está tentando me matar, Charlotte Viradia?! Está planejando deixar toda a equipe desempregada?!Entrei no estúdio e fechei a porta, mas ainda conseguia ouvir os xingamentos voando como flechas. Quando finalmente tirei meu telefone da bolsa, a mensagem que ele enviou
Só ouvia rumores dele através dos jornais e revistas que, infelizmente, não podia evitar. E mesmo depois de tanto tempo, ainda reconhecia sua voz. Meu coração disparou, não por amor, mas por puro ódio!— Você parece muito bem, com admiradores ligando e pedindo para estar com você — ele continuou, seu tom frio e sarcástico.Fiquei em silêncio, lembrando da promessa que fiz a mim mesma de não falar com ele novamente. E, claro, havia o medo. Se aprendi algo sobre Alexander, é que ele era implacável e impiedoso.Agradecia a Deus, dia e noite, por ter me livrado desse demônio em forma de gente. Mas, aparentemente, superestimei minha sorte. Essa escoria ainda estava bordado na minha vida. Sabia onde eu trabalhava e me ligou, arruinando meu humor.Fiz sinal para que Tamilian cortasse a ligação, mas antes que pudesse fazer isso, Alexander declarou, com um tom que gelou meu sangue:— Nos encontraremos muito em breve, Charlotte.E desligou.Poderia alegar que fui ameaçada ao vivo, mas continuei
Eu já estava a um fio de perder a paciência. Qual é o problema desses homens? Será que todo narcisista que anda sobre duas pernas acaba na minha órbita?— Dr. Jamil, meu marido é um homem perigoso. Só de estar sentada aqui comigo, você está correndo risco. E não, não vou me divorciar — nem se eu quisesse, teria como!Ele apenas me encarou, calmo, como se a minha declaração não tivesse o menor impacto. Aquele olhar gentil, quase complacente, me irritava. Suspirei, aliviada por acreditar que ele, finalmente, ia parar com a insistência ridícula.— Eu vou embora. Talvez devesse procurar outro dentista, caso se sinta desconfortável. — Levantei-me, sem sequer esperar por uma resposta. — Tenha uma boa tarde, Dr. Jamil.— Pelo menos, tome seu café antes de sair — ele disse, a voz séria, quase uma ordem.Eu reviraria os olhos se não fosse pela sua postura firme. Me mantive na cadeira, resignada. A ideia de um dentista me obrigando a tomar café me pareceu tão ridícula que quase sorri. O garçom
Acordar sozinha na cama me trouxe um alívio tão grande. Naqueles dias em que compartilhava o leito com Alexander, a alegria era uma sensação que parecia ter se evaporado. Quase sempre, ao abrir os olhos, encontrava-o sentado no sofá do nosso quarto, a luz suave da manhã iluminando o seu laptop, enquanto ele lia arquivos ou discutia algo com os associados.Aquela cama se tornava tão fria quanto a indiferença dele ao meu lado. Lembro da nossa primeira noite juntos — um verdadeiro pesadelo. Sem experiência, — ainda não tenho, mas enfim — me perguntei se poderia passar por aquilo sem estar realmente acordada. Como poderia me entregar a um homem que não amava? E a dor? Minhas amigas viviam alertando que a primeira vez doía, e eu me consumia em inseguranças. Será que, diante da minha apreensão, ele seria gentil?No final, nada aconteceu. O alívio foi acompanhado de um peso no peito. Ele não me tocou por eu ser detestável? Ou porque percebeu o quanto eu tremia? A resposta até hoje permanece
Abri o envelope hesitante, o coração acelerando em um misto de expectativa e medo. A primeira coisa que capturei foi sua letra horrível, escorrendo como tinta de um caneta falhando. O papel continha poucas palavras, mas suficientes para gelar meu sangue:— Peça à recepcionista para lhe dar o contato da minha família.Abaixo, um número de telefone, como se fosse uma sentença de morte. Num impulso, a vontade de discar e perguntar como ele estava tomou conta de mim. Mas seria irracional, certo? Afinal, como um dentista te receberia depois de arruinar a vida dele? Mas não podia simplesmente ignorar a situação, ao menos teria que tentar, um consolo egoísta meu, talvez?Quando finalmente liguei para aquele número, ainda parada ao lado da recepcionista, a voz forte e familiar de Jamil ressoou do outro lado. — Doutor Jamil? Aqui é Charlotte.Um silêncio pesado se instalou, e então ele respondeu, quase como se estivesse se preparando para a bomba que iria soltar.— Sra. Speredo, como posso aj
Minhas crises de ansiedade vinham em ondas, cada vez que ele passava pela porta do quarto. A tensão de esperar pelo momento em que ele, finalmente, encerraria esse tormento… nossa primeira noite. Tudo que eu conseguia pensar era no quanto aquilo seria doloroso. Uma dor real. Meus músculos contraíam só de imaginar. E, claro, havia o temor constante de que a mãe dele, aquela bruxa, soubesse. A velha certamente faria um escândalo sobre o assunto.— Você quer me deixar… — a voz dele quebrou o silêncio como uma lâmina, entre respirações rápidas, mas não havia dúvida. Era uma constatação, não uma pergunta.Naquela época, eu já estava com os pés na porta do divórcio. Só esperava o momento certo. Meu corpo precisava se recuperar completamente antes de colocar meu plano em prática. Mas, Alexander sempre tinha esse maldito hábito de estar um passo à frente. Como ele conseguia ver através de mim tão facilmente? Era assustador.Eu não tinha ideia do que estava provocando aquela respiração acelera
Eu conhecia muito bem aquele bastardo. E, convenhamos, ele também me conhecia. Enquanto casais normais se familiarizam e desenvolvem um entendimento tácito movido pelo amor e interesse, o nosso caso era um verdadeiro espetáculo de antítese. Eu o odiava. Odiava Alexander tanto que, de maneira inconsciente, me tornei uma especialista na complexa ciência de desvendá-lo. Ou pelo menos eu tentava.Acho que ele também me estudava. Conhecia meu ponto fraco: ser justa. Não que eu fosse uma sentimentalista, mas possuo princípios. Jamais usaria pessoas inocentes em minha jornada para alcançar meus objetivos. Alexander, no entanto, não hesitou em explorar essa fraqueza, repetidas vezes.Após algum tempo, a tempestade emocional dentro de mim começou a amainar. Sequei as lágrimas que ainda manchavam meu rosto e, pisando no meu orgulho, alcancei meu celular. Rolei os contatos, meu coração disparando ao encontrar aquele número que não discava há três longos anos. Nunca imaginei que um dia ligaria pa