Acordar sozinha na cama me trouxe um alívio tão grande. Naqueles dias em que compartilhava o leito com Alexander, a alegria era uma sensação que parecia ter se evaporado. Quase sempre, ao abrir os olhos, encontrava-o sentado no sofá do nosso quarto, a luz suave da manhã iluminando o seu laptop, enquanto ele lia arquivos ou discutia algo com os associados.
Aquela cama se tornava tão fria quanto a indiferença dele ao meu lado. Lembro da nossa primeira noite juntos — um verdadeiro pesadelo. Sem experiência, — ainda não tenho, mas enfim — me perguntei se poderia passar por aquilo sem estar realmente acordada. Como poderia me entregar a um homem que não amava? E a dor? Minhas amigas viviam alertando que a primeira vez doía, e eu me consumia em inseguranças. Será que, diante da minha apreensão, ele seria gentil?
No final, nada aconteceu. O alívio foi acompanhado de um peso no peito. Ele não me tocou por eu ser detestável? Ou porque percebeu o quanto eu tremia? A resposta até hoje permanece uma incógnita. Nem uma única vez ele disse “bom dia”. Em vez disso, seus olhos frios me avaliavam como se eu fosse uma peça em um jogo de xadrez e, em tom gelado, perguntava se eu estava acordada, logo me mandando me lavar para tomarmos o café da manhã.
Era um ritual diário. Eu o acompanhava à mesa, não porque ele quisesse, mas por causa das convenções familiares que o prendiam. Após terminar de comer, ele desaparecia como se eu fosse uma sombra indesejada.
Se tivesse que suportar mais um ano com aquele homem indiferente, certamente enlouqueceria!
Depois do café, peguei o ônibus rumo à estação de rádio. Minha manhã foi preenchida com discussões e planejamentos de programas. O meu, em particular, trazia experiências honestas que atraíam cada vez mais ouvintes na hora do almoço. A repercussão foi tão boa que, em um momento de rara sensatez, meu gerente, sempre dramático, disse:
— Desde que não revele nomes e não infrinja leis, sinta-se livre para contar a história que quiser! Apenas não esqueça de deixar espaço para as ligações.
Até então, nunca mencionei que era casada durante o meu programa, mas depois do que aconteceu, decidi expor a realidade que tanto detestava.
Ajustei os fones de ouvido, respirei fundo e, com um sorriso provocador, disse aos meus ouvintes:
— O tema de hoje vem da minha experiência pessoal. Sim, eu também era casada com um homem que não correspondia aos meus sonhos. Na época, era jovem e ingênua. Acreditei que o tempo nos aproximaria. Não encontrei nada de errado com ele, exceto sua indiferença e frieza. Agora, lamento profundamente a decisão que tomei. Algumas mulheres têm sorte e seus maridos mudam após o casamento. Eu, porém, não fui tão afortunada — um parêntese para deixar claro que a escolha foi da minha avó!
A cada palavra, meu coração doía, e o tom de minha voz provavelmente carregava uma pitada de zombaria e autorrepreensão. As ligações que recebemos nesse dia foram uma verdadeira catarse, com mulheres despejando suas histórias e xingando meu ex-marido. A playlist que escolhi? Somente músicas de separação e vingança.
Assim que o show terminou, uma onda de alívio me invadiu, como se eu tivesse me livrado de um peso. Na verdade, me senti ainda mais revigorada! Decidi que essa seria a linha temática da semana: “Como fazer seu parceiro frio se arrepender”, “Vida após o divórcio” ou “Encontrando o amor verdadeiro após uma experiência fracassada.”
A cada dia que passava, minha autoestima parecia se recuperar. Finalmente, chegou o dia da minha consulta no dentista, e eu estava radiante! A dor não me assustava mais.
Preparei-me para o encontro, carregando uma revista que não mencionava meu “ex-marido” ou a família dele. A única que encontrei sem essas referências foi uma de arte clássica estrangeira. Folheei as páginas na sala de espera, admirando as obras, quando a recepcionista chamou meu nome. Levantei, confiante, e segui para a sala.
Mas ao abrir a porta, minha confiança se evaporou, e o medo da dor começou a se arrastar na minha direção. O jovem Dr. Jamil, de olhos suaves, não estava lá.
Um pressentimento ruim surgiu. O médico idoso sentado atrás da mesa me esperava, e, imediatamente, percebi que algo estava errado.
— Com licença, volto em um minuto — murmurei, voltando à recepção para perguntar sobre o Dr. Jamil. Lembro da confiança dele da última vez que estivemos juntos e da promessa de que continuaria sendo meu dentista.
— Sinto muito, mas todos os pacientes do Dr. Jamil foram encaminhados para outros dentistas desde que ele deixou a clínica há uma semana.
— O quê!?
Não havia como ele ter saído sem um motivo. Uma raiva súbita me invadiu. Aquele ex-marido escória com certeza tinha algo a ver com isso.
— Com licença, você é a senhorita Viradia, certo? — a recepcionista perguntou, interrompendo meus pensamentos.
Surpresa, confirmei.
— O Dr. Jamil deixou um recado para você. — Ela sorriu, um brilho curioso nos olhos. Abriu a gaveta e me entregou um envelope. — Fomos curiosas durante a semana, nos perguntando quem era essa garota que Dr. Jamil, mesmo apressado, não esqueceu. Ele nunca se interessou por garotas, você deve ser especial para ele.
Segurando o envelope em minhas mãos trêmulas, um sentimento de culpa se instalou. Eu realmente era especial. A garota que havia arruinado a vida dele.
Abri o envelope hesitante, o coração acelerando em um misto de expectativa e medo. A primeira coisa que capturei foi sua letra horrível, escorrendo como tinta de um caneta falhando. O papel continha poucas palavras, mas suficientes para gelar meu sangue:— Peça à recepcionista para lhe dar o contato da minha família.Abaixo, um número de telefone, como se fosse uma sentença de morte. Num impulso, a vontade de discar e perguntar como ele estava tomou conta de mim. Mas seria irracional, certo? Afinal, como um dentista te receberia depois de arruinar a vida dele? Mas não podia simplesmente ignorar a situação, ao menos teria que tentar, um consolo egoísta meu, talvez?Quando finalmente liguei para aquele número, ainda parada ao lado da recepcionista, a voz forte e familiar de Jamil ressoou do outro lado. — Doutor Jamil? Aqui é Charlotte.Um silêncio pesado se instalou, e então ele respondeu, quase como se estivesse se preparando para a bomba que iria soltar.— Sra. Speredo, como posso aj
Minhas crises de ansiedade vinham em ondas, cada vez que ele passava pela porta do quarto. A tensão de esperar pelo momento em que ele, finalmente, encerraria esse tormento… nossa primeira noite. Tudo que eu conseguia pensar era no quanto aquilo seria doloroso. Uma dor real. Meus músculos contraíam só de imaginar. E, claro, havia o temor constante de que a mãe dele, aquela bruxa, soubesse. A velha certamente faria um escândalo sobre o assunto.— Você quer me deixar… — a voz dele quebrou o silêncio como uma lâmina, entre respirações rápidas, mas não havia dúvida. Era uma constatação, não uma pergunta.Naquela época, eu já estava com os pés na porta do divórcio. Só esperava o momento certo. Meu corpo precisava se recuperar completamente antes de colocar meu plano em prática. Mas, Alexander sempre tinha esse maldito hábito de estar um passo à frente. Como ele conseguia ver através de mim tão facilmente? Era assustador.Eu não tinha ideia do que estava provocando aquela respiração acelerad
Eu conhecia muito bem aquele bastardo. E, convenhamos, ele também me conhecia. Enquanto casais normais se familiarizam e desenvolvem um entendimento tácito movido pelo amor e interesse, o nosso caso era um verdadeiro espetáculo de antítese. Eu o odiava. Odiava Alexander tanto que, de maneira inconsciente, me tornei uma especialista na complexa ciência de desvendá-lo. Ou pelo menos eu tentava.Acho que ele também me estudava. Conhecia meu ponto fraco: ser justa. Não que eu fosse uma sentimentalista, mas possuo princípios. Jamais usaria pessoas inocentes em minha jornada para alcançar meus objetivos. Alexander, no entanto, não hesitou em explorar essa fraqueza, repetidas vezes.Após algum tempo, a tempestade emocional dentro de mim começou a amainar. Sequei as lágrimas que ainda manchavam meu rosto e, pisando no meu orgulho, alcancei meu celular. Rolei os contatos, meu coração disparando ao encontrar aquele número que não discava há três longos anos. Nunca imaginei que um dia ligaria pa
Como fui idiota por achar que a voz dele tinha uma pitada de sinceridade quando disse que não estava feliz. Que Alexander Speredo afunde na própria miséria!Voltei ao estúdio com passos firmes, mais para reafirmar minha decisão do que qualquer outra coisa. Peguei meus pertences — alguns cadernos, canetas e aquela caneca que eu sempre esquecia de levar pra casa — e escrevi minha carta de demissão sem titubear. Três anos dedicados a esse programa e, num piscar de olhos, tudo acabou. Era típico. Com Alexander, não existe espaço para se opor. Ele decide, e você só tem duas opções: acatar ou sofrer as consequências. Hoje, escolhi a primeira. A sensação de perda já estava tão entranhada em mim que aceitar essa derrota foi quase automático. Que se dane.Coloquei tudo em uma sacola e fui direto ao escritório do gerente. Eu só queria entregar a carta e sumir dali.— O que aconteceu foi injusto com você, Charlotte. Perdoe-nos por não termos te apoiado… Mas, francamente, não tínhamos escolha — d
Uma vez, eu estava sentada no hotel mais badalado das redes Speredo, o tal Hotel Central, por pura obrigação. Ah, como eu adorava ser a mensageira de luxo da minha querida sogra, levando papéis inúteis de um lado para o outro, só para não esquecer que eu, oficialmente, não existia na vida deles. Eu e meu figurino “mendiga chique”, como ela mesma adorava chamar, perambulávamos pelos corredores tentando achar Alexander, que, como sempre, não atendia minhas ligações. Prioridades, não é mesmo?Foi quando esbarrei nele. Um homem tão deslumbrante que, por um segundo, me perguntei se era real. Ele tinha aquele ar de modelo de revista, o tipo que fazia qualquer pessoa comum — no caso, eu — parecer invisível. Mas o sorriso… ah, o sorriso. Ele sorriu para mim, e eu fiquei ali, parada como uma adolescente boba, fascinada pela perfeição dele. Claro, não me pergunte como, mas acabei sentada com ele em uma mesa no bar. Não me orgulho disso, mas estava hipnotizada. Ele parecia ainda mais bonito que o
Eu não esperava nada menos do que frieza. Afinal, ele nunca foi do tipo que se preocupa, então por que agora meu estômago estava se retorcendo de culpa? Ele pegou o kit de primeiros socorros com a mesma calma meticulosa de sempre e começou a tratar o ferimento. A cada movimento, eu sentia aquela tensão pairando no ar, mas ele, como sempre, não deixava transparecer nada.— Não — sua voz veio baixa, mas firme —, você quis me machucar, esposa. E conseguiu.A lâmina de suas palavras cortou mais do que qualquer faca poderia. Fiquei ali, quieta, observando-o. Ele não se preocupou em dizer se o corte era profundo, nem eu perguntei. No fundo, acho que merecia o silêncio.Quando terminou, fechou o kit, jogou o algodão manchado de sangue no lixo e saiu do quarto como se nada tivesse acontecido. Em questão de minutos, estava de volta, segurando sua bolsa e casaco, calçando os sapatos com aquela eficiência insuportável. Nem sequer olhou para mim quando saiu. E assim foi. Três anos. Três longos an
Por um segundo, eu congelei. Literalmente. Meu coração parou como se tivesse levado um choque, e minha pele se arrepiou de um jeito irritante. Eu tremia, e não era de frio. Ele parecia perceber, porque, em um estalo, soltou-me. Como se tivesse acordado de um transe. Dei um passo para trás, a raiva queimando meu rosto.— Não ouse me tocar de novo! — gritei, tentando manter o pouco controle que ainda me restava. — Vai embora!Estávamos ambos ofegantes, mas por motivos completamente diferentes. Eu de pura frustração, ele… bem, o jeito como os olhos dele me devoravam não deixava dúvidas. Era desejo. Pela primeira vez, eu vi desejo ali. E eu odeio admitir que parte de mim ficou feliz.Alexander se recompôs, ou pelo menos tentou. Não se aproximou, mas também não desviou o olhar. Ficamos assim, parados, respirando pesadamente, enquanto a tensão pulsava entre nós, quase tangível.É frustrante perceber que, mesmo depois de três anos, eu ainda não consigo decifrá-lo. O homem que todas as mulher
Olivia Koudali. A mulher que sempre combinou melhor com Alexander — e provavelmente a primeira candidata a “Sra. CEO de Gelo”, até eu entrar na jogada e estragar seus planos perfeitos. Ela era a melhor amiga da minha cunhada e, claro, a queridinha da minha sogra. Uma mulher que poderia facilmente ser esquecida… se eu não a odiasse tanto.Por quê? Bom, além de ser a filha mimada de um figurão da política — tipo, um parlamentar que acha que pode comprar o universo inteiro —, Olivia era toda delicadeza e sofisticação. O tipo de mulher que as sogras adoram, sabe? Beleza impecável, educação de princesa, e aquele charme que parece ter saído de um manual sobre como agradar homens ricos.Claro, minha sogra a adorava. Claro, Alexander nunca a dispensou por completo. E claro, ela sempre me olhava como se eu fosse o erro que logo seria corrigido.Eu tolerava isso. Até o dia que minha paciência deu um salto da sacada.Era uma manhã comum. Olivia estava “visitando” a mansão para jogar tênis com Li