6. Sintonize na Vingança, um Dentista a Menos

Acordar sozinha na cama me trouxe um alívio tão grande. Naqueles dias em que compartilhava o leito com Alexander, a alegria era uma sensação que parecia ter se evaporado. Quase sempre, ao abrir os olhos, encontrava-o sentado no sofá do nosso quarto, a luz suave da manhã iluminando o seu laptop, enquanto ele lia arquivos ou discutia algo com os associados.

Aquela cama se tornava tão fria quanto a indiferença dele ao meu lado. Lembro da nossa primeira noite juntos — um verdadeiro pesadelo. Sem experiência,ainda não tenho, mas enfimme perguntei se poderia passar por aquilo sem estar realmente acordada. Como poderia me entregar a um homem que não amava? E a dor? Minhas amigas viviam alertando que a primeira vez doía, e eu me consumia em inseguranças. Será que, diante da minha apreensão, ele seria gentil?

No final, nada aconteceu. O alívio foi acompanhado de um peso no peito. Ele não me tocou por eu ser detestável? Ou porque percebeu o quanto eu tremia? A resposta até hoje permanece uma incógnita. Nem uma única vez ele disse bom dia. Em vez disso, seus olhos frios me avaliavam como se eu fosse uma peça em um jogo de xadrez e, em tom gelado, perguntava se eu estava acordada, logo me mandando me lavar para tomarmos o café da manhã.

Era um ritual diário. Eu o acompanhava à mesa, não porque ele quisesse, mas por causa das convenções familiares que o prendiam. Após terminar de comer, ele desaparecia como se eu fosse uma sombra indesejada.

Se tivesse que suportar mais um ano com aquele homem indiferente, certamente enlouqueceria!

Depois do café, peguei o ônibus rumo à estação de rádio. Minha manhã foi preenchida com discussões e planejamentos de programas. O meu, em particular, trazia experiências honestas que atraíam cada vez mais ouvintes na hora do almoço. A repercussão foi tão boa que, em um momento de rara sensatez, meu gerente, sempre dramático, disse:

— Desde que não revele nomes e não infrinja leis, sinta-se livre para contar a história que quiser! Apenas não esqueça de deixar espaço para as ligações.

Até então, nunca mencionei que era casada durante o meu programa, mas depois do que aconteceu, decidi expor a realidade que tanto detestava. 

Ajustei os fones de ouvido, respirei fundo e, com um sorriso provocador, disse aos meus ouvintes:

— O tema de hoje vem da minha experiência pessoal. Sim, eu também era casada com um homem que não correspondia aos meus sonhos. Na época, era jovem e ingênua. Acreditei que o tempo nos aproximaria. Não encontrei nada de errado com ele, exceto sua indiferença e frieza. Agora, lamento profundamente a decisão que tomei. Algumas mulheres têm sorte e seus maridos mudam após o casamento. Eu, porém, não fui tão afortunada — um parêntese para deixar claro que a escolha foi da minha avó!

A cada palavra, meu coração doía, e o tom de minha voz provavelmente carregava uma pitada de zombaria e autorrepreensão. As ligações que recebemos nesse dia foram uma verdadeira catarse, com mulheres despejando suas histórias e xingando meu ex-marido. A playlist que escolhi? Somente músicas de separação e vingança. 

Assim que o show terminou, uma onda de alívio me invadiu, como se eu tivesse me livrado de um peso. Na verdade, me senti ainda mais revigorada! Decidi que essa seria a linha temática da semana: “Como fazer seu parceiro frio se arrepender”, “Vida após o divórcio” ou “Encontrando o amor verdadeiro após uma experiência fracassada.”

A cada dia que passava, minha autoestima parecia se recuperar. Finalmente, chegou o dia da minha consulta no dentista, e eu estava radiante! A dor não me assustava mais.

Preparei-me para o encontro, carregando uma revista que não mencionava meu “ex-marido” ou a família dele. A única que encontrei sem essas referências foi uma de arte clássica estrangeira. Folheei as páginas na sala de espera, admirando as obras, quando a recepcionista chamou meu nome. Levantei, confiante, e segui para a sala.

Mas ao abrir a porta, minha confiança se evaporou, e o medo da dor começou a se arrastar na minha direção. O jovem Dr. Jamil, de olhos suaves, não estava lá.

Um pressentimento ruim surgiu. O médico idoso sentado atrás da mesa me esperava, e, imediatamente, percebi que algo estava errado. 

— Com licença, volto em um minuto — murmurei, voltando à recepção para perguntar sobre o Dr. Jamil. Lembro da confiança dele da última vez que estivemos juntos e da promessa de que continuaria sendo meu dentista.

— Sinto muito, mas todos os pacientes do Dr. Jamil foram encaminhados para outros dentistas desde que ele deixou a clínica há uma semana.

— O quê!?

Não havia como ele ter saído sem um motivo. Uma raiva súbita me invadiu. Aquele ex-marido escória com certeza tinha algo a ver com isso.

— Com licença, você é a senhorita Viradia, certo? — a recepcionista perguntou, interrompendo meus pensamentos.

Surpresa, confirmei.

— O Dr. Jamil deixou um recado para você. — Ela sorriu, um brilho curioso nos olhos. Abriu a gaveta e me entregou um envelope. — Fomos curiosas durante a semana, nos perguntando quem era essa garota que Dr. Jamil, mesmo apressado, não esqueceu. Ele nunca se interessou por garotas, você deve ser especial para ele.

Segurando o envelope em minhas mãos trêmulas, um sentimento de culpa se instalou. Eu realmente era especial. A garota que havia arruinado a vida dele.

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