Passei na farmácia para comprar o medicamento e me dirigi apressadamente à estação de rádio onde trabalho como radialista. Assim que entrei no prédio, encontrei meu gerente descendo as escadas. O olhar dele se fixou em mim e eu sabia que o show estava prestes a começar.
— Você planeja aparecer depois que a estação fechar? Você tem ideia de que horas são? — sua voz ecoou, quase um grito.
— Pedi uma licença para hoje. Estou aqui apenas para pegar alguns materiais para o episódio de amanhã — lembrei, com um sorriso sarcástico. O homem parecia ter um ataque cardíaco ao ouvir isso. E então, a explosão:
— Recusei seu pedido! O programa vai ao ar em meia hora! Se não tiver nada preparado, é melhor improvisar qualquer coisa! Você está tentando me matar, Charlotte Viradia?! Está planejando deixar toda a equipe desempregada?!
Entrei no estúdio e fechei a porta, mas ainda conseguia ouvir os xingamentos voando como flechas. Quando finalmente tirei meu telefone da bolsa, a mensagem que ele enviou mais cedo quase me fez rir. “Se você não vier, eu morro.” Ele literalmente escreveu isso! Que gerente maníaco!
Mesmo sendo a pessoa mais dramática e irracional que já conheci, o jeito dele de administrar a estação funcionava. Nosso canal tinha altas classificações na Cidade A, e eu era a responsável pelo horário das 12h às 13h, o que significava mais ouvintes. Mas era muito fácil me substituir, e o homem precisava ser tão melodramático.
— Ele está sendo irracional de novo? — perguntou Tamilian, meu colega, enquanto se espremia na cadeira do estúdio.
— Pedi uma licença e a resposta dele foi melhor “morrer que faltar” — respondi, revirando os olhos. Meu colega, que nunca foi de falar muito, apenas acenou com a cabeça em compreensão.
— Prepare-se. Você estará no ar em minutos.
E ali estava eu, sem ideia do que falar no programa. Tinha uma lista de músicas, mas o tema do dia estava completamente fora de lugar. O programa normalmente consistia em fazer uma pergunta aos ouvintes e depois receber suas respostas. Um formato que era a moda do momento. E eu, sem saber qual tema escolher, fiquei pensando na última experiência no dentista, que ainda me deixava em pânico.
Depois de uma breve hesitação, decidi perguntar aos ouvintes sobre suas experiências com dentistas. Aposto que meu gerente vai ter um ataque cardíaco assim que ouvir essa ideia brilhante.
Quando entrei no ar, falei sobre como desmaiei de medo. Até Tamilian, normalmente impassível, riu atrás do vidro. As ligações começaram a entrar, e tudo ia bem até a terceira.
— Olá! — disse um interlocutor.
Sua voz soava estranhamente familiar.
— Bem-vindo! Poderia se apresentar aos ouvintes?
— Meu nome é Jamil e sou dentista. Estou ligando para compartilhar a história de um dos meus pacientes em vez de falar sobre uma experiência pessoal.
— Claro, já que está na profissão, deve ter muitas histórias para contar. Talvez você possa incentivar as pessoas facilmente assustadas como eu a ter mais coragem de ir ao dentista antes que seja tarde, e o estrago seja grande.
— Não tenho certeza se minhas palavras trarão algum encorajamento, mas hoje uma jovem visitou minha clínica e eu senti como se a conhecesse de algum lugar. Seria a locutora que escuto quase todos os dias na hora do almoço.
Meu coração disparou. Não é que esse dentista fosse o mesmo que tinha se lembrado de mim? O reconhecimento era imediato. Mesmo Tamilian, atrás do vidro, fazia gestos para cortar a ligação, mas não tinha coragem de ser indelicada.
— Acho que você tem ouvidos afiados, Dr. Jamil. Agora que ligou, que mensagem gostaria de passar?
— Gostaria de saber se posso usar o número que ela deixou para entrar em contato com ela.
Engasguei com a saliva. Tossi por tanto tempo que até Jamil riu do outro lado da linha. Fiz um sinal vigoroso para Tamilian cortar a chamada, mas ele apenas apontou para cima, indicando que tinha ordens do gerente para manter a ligação. Sacrificando-me pelos ouvintes, imaginei.
— Não — respondi, firme. — Você não pode entrar em contato comigo.
— Bem, já que você me recusou em público e minha identidade já foi descoberta, não está se sentindo culpada por minha reputação destruída? Você deveria assumir a responsabilidade por mim, senhorita Charlotte.
Que falta de vergonha!
Antes que eu pudesse retrucar, a ligação foi cortada. Olhei para Tamilian, surpresa, mas seu olhar dizia que não tinha sido ele. Verifiquei a linha, e logo outra chamada entrou.
— Alô? — disse, assim que Tamilian me passou a ligação.
— Não tenho notícias suas há muito tempo, Charlotte — a voz do interlocutor causou arrepios que dançaram pela minha pele. Aquela rouquidão profunda… Essa frieza… Tudo indicava uma pessoa em particular.
Por que, meu Deus?!
Só ouvia rumores dele através dos jornais e revistas que, infelizmente, não podia evitar. E mesmo depois de tanto tempo, ainda reconhecia sua voz. Meu coração disparou, não por amor, mas por puro ódio!— Você parece muito bem, com admiradores ligando e pedindo para estar com você — ele continuou, seu tom frio e sarcástico.Fiquei em silêncio, lembrando da promessa que fiz a mim mesma de não falar com ele novamente. E, claro, havia o medo. Se aprendi algo sobre Alexander, é que ele era implacável e impiedoso.Agradecia a Deus, dia e noite, por ter me livrado desse demônio em forma de gente. Mas, aparentemente, superestimei minha sorte. Essa escoria ainda estava bordado na minha vida. Sabia onde eu trabalhava e me ligou, arruinando meu humor.Fiz sinal para que Tamilian cortasse a ligação, mas antes que pudesse fazer isso, Alexander declarou, com um tom que gelou meu sangue:— Nos encontraremos muito em breve, Charlotte.E desligou.Poderia alegar que fui ameaçada ao vivo, mas continuei
Eu já estava a um fio de perder a paciência. Qual é o problema desses homens? Será que todo narcisista que anda sobre duas pernas acaba na minha órbita?— Dr. Jamil, meu marido é um homem perigoso. Só de estar sentada aqui comigo, você está correndo risco. E não, não vou me divorciar — nem se eu quisesse, teria como!Ele apenas me encarou, calmo, como se a minha declaração não tivesse o menor impacto. Aquele olhar gentil, quase complacente, me irritava. Suspirei, aliviada por acreditar que ele, finalmente, ia parar com a insistência ridícula.— Eu vou embora. Talvez devesse procurar outro dentista, caso se sinta desconfortável. — Levantei-me, sem sequer esperar por uma resposta. — Tenha uma boa tarde, Dr. Jamil.— Pelo menos, tome seu café antes de sair — ele disse, a voz séria, quase uma ordem.Eu reviraria os olhos se não fosse pela sua postura firme. Me mantive na cadeira, resignada. A ideia de um dentista me obrigando a tomar café me pareceu tão ridícula que quase sorri. O garçom
Acordar sozinha na cama me trouxe um alívio tão grande. Naqueles dias em que compartilhava o leito com Alexander, a alegria era uma sensação que parecia ter se evaporado. Quase sempre, ao abrir os olhos, encontrava-o sentado no sofá do nosso quarto, a luz suave da manhã iluminando o seu laptop, enquanto ele lia arquivos ou discutia algo com os associados.Aquela cama se tornava tão fria quanto a indiferença dele ao meu lado. Lembro da nossa primeira noite juntos — um verdadeiro pesadelo. Sem experiência, — ainda não tenho, mas enfim — me perguntei se poderia passar por aquilo sem estar realmente acordada. Como poderia me entregar a um homem que não amava? E a dor? Minhas amigas viviam alertando que a primeira vez doía, e eu me consumia em inseguranças. Será que, diante da minha apreensão, ele seria gentil?No final, nada aconteceu. O alívio foi acompanhado de um peso no peito. Ele não me tocou por eu ser detestável? Ou porque percebeu o quanto eu tremia? A resposta até hoje permanece
Abri o envelope hesitante, o coração acelerando em um misto de expectativa e medo. A primeira coisa que capturei foi sua letra horrível, escorrendo como tinta de um caneta falhando. O papel continha poucas palavras, mas suficientes para gelar meu sangue:— Peça à recepcionista para lhe dar o contato da minha família.Abaixo, um número de telefone, como se fosse uma sentença de morte. Num impulso, a vontade de discar e perguntar como ele estava tomou conta de mim. Mas seria irracional, certo? Afinal, como um dentista te receberia depois de arruinar a vida dele? Mas não podia simplesmente ignorar a situação, ao menos teria que tentar, um consolo egoísta meu, talvez?Quando finalmente liguei para aquele número, ainda parada ao lado da recepcionista, a voz forte e familiar de Jamil ressoou do outro lado. — Doutor Jamil? Aqui é Charlotte.Um silêncio pesado se instalou, e então ele respondeu, quase como se estivesse se preparando para a bomba que iria soltar.— Sra. Speredo, como posso aj
Minhas crises de ansiedade vinham em ondas, cada vez que ele passava pela porta do quarto. A tensão de esperar pelo momento em que ele, finalmente, encerraria esse tormento… nossa primeira noite. Tudo que eu conseguia pensar era no quanto aquilo seria doloroso. Uma dor real. Meus músculos contraíam só de imaginar. E, claro, havia o temor constante de que a mãe dele, aquela bruxa, soubesse. A velha certamente faria um escândalo sobre o assunto.— Você quer me deixar… — a voz dele quebrou o silêncio como uma lâmina, entre respirações rápidas, mas não havia dúvida. Era uma constatação, não uma pergunta.Naquela época, eu já estava com os pés na porta do divórcio. Só esperava o momento certo. Meu corpo precisava se recuperar completamente antes de colocar meu plano em prática. Mas, Alexander sempre tinha esse maldito hábito de estar um passo à frente. Como ele conseguia ver através de mim tão facilmente? Era assustador.Eu não tinha ideia do que estava provocando aquela respiração acelera
Eu conhecia muito bem aquele bastardo. E, convenhamos, ele também me conhecia. Enquanto casais normais se familiarizam e desenvolvem um entendimento tácito movido pelo amor e interesse, o nosso caso era um verdadeiro espetáculo de antítese. Eu o odiava. Odiava Alexander tanto que, de maneira inconsciente, me tornei uma especialista na complexa ciência de desvendá-lo. Ou pelo menos eu tentava.Acho que ele também me estudava. Conhecia meu ponto fraco: ser justa. Não que eu fosse uma sentimentalista, mas possuo princípios. Jamais usaria pessoas inocentes em minha jornada para alcançar meus objetivos. Alexander, no entanto, não hesitou em explorar essa fraqueza, repetidas vezes.Após algum tempo, a tempestade emocional dentro de mim começou a amainar. Sequei as lágrimas que ainda manchavam meu rosto e, pisando no meu orgulho, alcancei meu celular. Rolei os contatos, meu coração disparando ao encontrar aquele número que não discava há três longos anos. Nunca imaginei que um dia ligaria pa
Como fui idiota por achar que a voz dele tinha uma pitada de sinceridade quando disse que não estava feliz. Que Alexander Speredo afunde na própria miséria!Voltei ao estúdio com passos firmes, mais para reafirmar minha decisão do que qualquer outra coisa. Peguei meus pertences — alguns cadernos, canetas e aquela caneca que eu sempre esquecia de levar pra casa — e escrevi minha carta de demissão sem titubear. Três anos dedicados a esse programa e, num piscar de olhos, tudo acabou. Era típico. Com Alexander, não existe espaço para se opor. Ele decide, e você só tem duas opções: acatar ou sofrer as consequências. Hoje, escolhi a primeira. A sensação de perda já estava tão entranhada em mim que aceitar essa derrota foi quase automático. Que se dane.Coloquei tudo em uma sacola e fui direto ao escritório do gerente. Eu só queria entregar a carta e sumir dali.— O que aconteceu foi injusto com você, Charlotte. Perdoe-nos por não termos te apoiado… Mas, francamente, não tínhamos escolha — d
Uma vez, eu estava sentada no hotel mais badalado das redes Speredo, o tal Hotel Central, por pura obrigação. Ah, como eu adorava ser a mensageira de luxo da minha querida sogra, levando papéis inúteis de um lado para o outro, só para não esquecer que eu, oficialmente, não existia na vida deles. Eu e meu figurino “mendiga chique”, como ela mesma adorava chamar, perambulávamos pelos corredores tentando achar Alexander, que, como sempre, não atendia minhas ligações. Prioridades, não é mesmo?Foi quando esbarrei nele. Um homem tão deslumbrante que, por um segundo, me perguntei se era real. Ele tinha aquele ar de modelo de revista, o tipo que fazia qualquer pessoa comum — no caso, eu — parecer invisível. Mas o sorriso… ah, o sorriso. Ele sorriu para mim, e eu fiquei ali, parada como uma adolescente boba, fascinada pela perfeição dele. Claro, não me pergunte como, mas acabei sentada com ele em uma mesa no bar. Não me orgulho disso, mas estava hipnotizada. Ele parecia ainda mais bonito que