Falando da independência
Rozendo fez uma pausa para acender o cachimbo. Aproveitei para comentar:
― Essa época de transição entre o domínio português e a independência foi muito traumática para os agricultores?
― Oh. Sim, ― respondeu Rozendo. ― A luta pela emancipação política e administrativa do Brasil foi um movimento bem característico, mas de profundo significado para a economia do novo país. Foi similar a outros movimentos separatistas em vários outros países. Os primeiros tempos sempre são muito difíceis.
Pedi ao velho que falasse sobre a independência. Ele não se fez de rogado recostando-se soltou algumas baforadas; depois, olhando para o teto, prosseguiu explicando:
― Por influência de algumas correntes “pensantes” e provenientes da Europa, os axiomas liberais foram
D. Pedro, o imperador dos extremosRozendo sorriu abanando a cabeça. Depois suspirando, prosseguiu:― A tão sonhada independência, entretanto, fez surgirem muitas diferenças e proliferarem as opiniões: Havia os que defendiam um poder centralizado e forte e, entre eles estava o novo Imperador do Brasil que adotara o título de D. Pedro I. Os liberais colocavam-se favoráveis a um poder menos absoluto e os democratas pelejavam por uma igualdade social.Rozendo novamente balançou a fronte em gesto negativo; exprimia profunda desolação:― D. Pedro, autocrático e déspota por natureza, advogado extremado do absolutismo e totalmente refratário a qualquer demonstração liberal ou democrática, mostrou desde o início de seu governo um pulso tirânico e violento. Era tinhoso, teimoso e autoritário o monarca bra
A senzalaAcordei cedo! Não havia qualquer movimento pelo lado da casa de Rozendo. Também pudera... o dia ainda estava amanhecendo.Tomei um café solúvel e duas fatias de pão de forma com manteiga; manteiga boa, da roça...Assim que terminei meu desjejum fui dar uma volta pela propriedade para conhecê-la. Saí pelos fundos: Um friozinho cortante exigia agasalho. Logo após o terreiro havia uma garagem ampla com espaço para vários carros. Desde o primeiro dia reparei que havia outro carro, além do meu; de quem seria? De Rozendo ou de Maurine?À esquerda situava-se a casa de Rozendo à qual se chegava por um caminho batido. À direita, mas ainda em uma faixa quase central, uma horta bem cuidada, rodeada por uma cerca e com um portãozinho que se fechava por uma tramela; mais abaixo o caminho era calçado e levava ao
A feira de SamambaiasEstacionei o carro não muito longe do local onde acontecia a feira; as barracas estavam montadas perto da antiga estação ferroviária, um belo monumento da época áurea de Samambaias, hoje transformado na sede de uma importante instituição universitária.Maurine carregava duas sacolas bem grandes; fomos andando por entre as barracas de frutas e verduras, onde os vendedores de inúmeras mercadorias gritavam anunciando seu produto e fazendo propaganda da qualidade e do preço. Não era uma feira diferente de outras que eu estava acostumado a ver e frequentar; pelo contrário, era apenas um pouquinho menor.Entretanto, essa era a primeira vez que eu vinha acompanhado às compras e, convenhamos, por uma bela jovem. Também a missão de prover uma família com os diversos produtos hortifrutigranjeiros para a
Retomando a históriaFui direto para o meu quarto e tomei uma boa chuveirada, a fim de me preparar para o almoço. Eu estava disposto a cozinhar alguma gororoba, mas Rozendo e Maurine insistiram para que almoçasse com eles. Não deu para recusar.Após o saboroso almoço preparado pela neta do caseiro, fomos para a varandinha no fundo da casa de Rozendo, local muito agradável, fresco e com um belo jardim que ladeava o degrauzinho que descia para o quintal, jardinzinho esse onde as hortênsias e begônias predominavam.Ali, bebericando o gostoso café de Maurine, sentados em confortáveis poltronas de vime com um colchonete sobre a armação de bambu, retomamos nossa conversa:― Você parou sua narrativa quando o português João de Carvalho Antunes ficou, digamos, “viúvo” de Dona Soledade e herdou a fazenda Monte
Momentos insólitosDeixei a companhia de Rozendo e resolvi descansar um pouco no casarão. Tomei mais uma boa chuveirada e coloquei roupas leves para me sentir à vontade. Fui para o quarto que havia escolhido e deitei-me na cama. Era o aposento mais fresco e estava voltado para leste de forma a deixar o sol penetrar pela manhã e a brisa fresca circulando pela tarde, hora em que a sombra predominava daquele lado.Maurine havia arrumado o quarto com esmero adornando-o com vasos de flores, uma cesta repleta de frutas e uma moringa com água fresca, pois a água do pote de barro é sempre fria e deliciosa. A moça era eficiente, simpática, bonita e sabia agradar; pensava em tudo, por isso havia, também, uma bacia de louça e uma jarra com água, toalha, sabonete, copo, escova e pasta de dentes e outros apetrechos para lavar o rosto ao levantar, sem precis
Interpretando um sonho― Tive um sonho estranhíssimo!Foi exatamente com estas palavras que saudei Rozendo, assim que nos encontramos mais tarde, logo após o término de meu parco jantar, que constou de uma ‘sopa de saquinho’; ele veio até o casarão para nossa ‘tertúlia’ noturna.Rozendo fez uma cara de desentendido. Reforcei meu comentário dizendo:― Sim, um sonho estranhíssimo! Um pesadelo muito real! Sonhei com o João Antunes! No sonho ele veio me obrigar a deixar a casa e fez-me ameaças. Disse que iria me expulsar daqui como já expulsara os outros. E contei-lhe o sonho tim-tim por tim-tim.Rozendo sorriu, mais por obrigação do que por vontade e comentou:― Você dormiu depois do almoço, José. Os problemas digestivos costumam influir no psiquismo do sono e acontecem os pesadelo
Decifrando um mistério― Que foi isso? ― Perguntei.Todos nos entreolhamos e fomos ao aposento vizinho para ver o que tinha acontecido: vários livros encontravam-se esparramados pelo chão.Admirado, comentei com Rozendo:― Esses livros não podiam ter se movido sozinhos!― Não podiam! Com certeza, não podiam! ― Retrucou o velho abanando a cabeça negativamente.Mais de uma dezena de livros espalhava-se pelo assoalho. Não poderiam ter escorregado de seu lugar, pois a estante possuía prateleiras largas e sólidas, feitas de peças de madeira antiga e maciça com cerca de dois centímetros de espessura.― O que você acha? ― Perguntei ao velho jardineiro.Ele pensou durante alguns segundos; depois respondeu num timbre de voz baixo, porém firme:― Alguma coisa ou alguém quis chamar a nossa at
Lendo o diárioAssim que cheguei ao meu quarto liguei o computador e comecei a resumir o diário. No início eram as confidências de uma menina adolescente. Depois a narrativa tomou um rumo bastante complexo e enveredou por um caminho insólito; mais à frente tornou-se terrível e dolorosa. Uma verdadeira tragédia! O conteúdo prendeu-me tanto a atenção que não pude parar de ler por nenhum segundo. Quando terminei voltei ao início e fui marcando as páginas e os parágrafos importantes. Para isso utilizei-me do computador, resumindo e comentando alguns trechos. Não quis usar um marcador de texto para não estragar o original.A manhã já ia alta quando terminei a minha tarefa e imprimi o resumo. O corpo estava cansado e doía; os olhos ardiam devido ao esforço. Tomei um copo de leite e fui para a cama, ma