O asilo
Acordei cedo, lavei-me, tomei um gole de café e desci para o quintal. Como já estava se tornando hábito, procurei o banco do quintal perto da senzala. De longe avistei Maurine sentada ali e meu coração bateu mais rápido. O dia já subia claro e o sol começava a dourar o horizonte, enchendo o céu de revérberos alaranjados.
Aproximei-me da jovem e sentei-me ao seu lado; ela recebeu-me com um sorriso satisfeito. Vestia o mesmo ‘robe-de-chambre’ grosso, até os tornozelos, amarrado na cintura e por cima da roupa, pois a manhã estava bastante fria e um tanto úmida em virtude de uma tênue névoa matinal.
― Acordei muito cedo e não consegui dormir outra vez ― explicou a moça.
― Não precisa se desculpar ― asseverei. ― Eu também perdi o sono. Até parece que estamos marcando encont
Completando o trabalhoChegamos à feira, onde compramos os mantimentos necessários para passar a semana. Depois demos uma esticada até o bar do Betinho para fazer um lanche.Ali, sentados em uma mesa de frente para a agradável e bela praça samambaiense, comentei com Maurine:― É um processo contínuo que acontece, agora, comigo! — Falei admirado.— Aos poucos vou prendendo-me sempre mais a essa cidade, não só à cidade, mas a você, minha querida. São surpresas em cima de surpresas. Quer dizer que você fazia seu trabalho filantrópico quietinha, sem falar com ninguém!Ela sorriu com deleite e olhou para mim com os olhos meigos e ternos:― Sou nutricionista, esqueceu? Posso contribuir muito elaborando dietas para os velhinhos. E eles também precisam de carinho, de atenção. É
Fim do pesadeloAmaury, após uma prece de agradecimento, acendeu as luzes. Todos nós permanecíamos sentados ao redor da mesa de olhos bem arregalados e semblante pálido pela emoção dos últimos instantes. Mãe Sabina estendeu os braços para Beatriz e Amaury apertando as mãos de ambos entre as suas.Mostrando as gengivas quase centenárias e totalmente lisas, sorriu e falou:― Meus filhos, hoje a velha está feliz! Viu coisas muito bonitas e muito grandes. Esses dois meninos ― e apontou com o beiço Amaury e Beatriz ― sabem cumprir muito bem a missão que Nosso Senhor deu pra eles e eu vou bater palmas agradecendo por estar viva e ainda poder ver estas coisas. Parabéns a todos.Rozendo aproveitou para completar:― Com certeza vi mais coisas nesse fim de semana do que nos oitenta e tantos anos de minha vida. A reuniã
Reescrevendo a história do CasarãoNo dia seguinte, por ser domingo, todos acordamos mais tarde. Depois do almoço fomos levar Amaury e Beatriz para embarcarem de volta. Despedimo-nos de ambos, rogando que voltassem todas as vezes que quisessem. Amaury disse que voltaria sim, pois queria estudar com maior profundidade o animismo de Mãe Sabina, a quem ele reputou como uma enciclopédia de ocultismo caboclo, uma verdadeira sacerdotisa dentre as tantas que habitam as cidadezinhas pequeninas do interior brasileiro. É ali, na humildade de seus casebres de palha, que as rezadeiras, na maior parte das vezes analfabetas, são as detentoras de uma cultura ancestral que se transmite de boca a ouvido, de pais a filhos nos sertões da pátria.No regresso ao casarão sentamo-nos no salão para conversarmos sobre tudo que acontecera, pois ainda não tivéramos oportunida
A reabilitação do barãoNa sexta-feira seguinte o próprio Argemiro foi ao casarão levar a edição extra do ‘Correio’. O jornal estava uma beleza, muito bem feito e diagramado, com oito páginas falando, apenas, sobre os acontecimentos relatados no diário de Clara. Na primeira página estava publicado o meu ‘release’ com uma foto tirada pelo ‘factótum’ Argemiro; aliás, o jornal estava cheio de fotografias: do casarão, minhas, de Rozendo, de Maurine, do retrato do barão e da baronesa...A notícia caiu como um meteoro na cidade; em pouco tempo a edição estava esgotada e todos comentavam pelas esquinas e cafés admirados com a história, até então, desconhecida. Nem uma linha fazia menção ao assombramento, mas falava-se da fama que o solar adquirira dura
E para encerrar, um ato socialO tempo passou. Agora eu ia à capital apenas três dias por semana para entregar minhas matérias e, depois, voltava correndo para meu refúgio de Samambaias; aqui entre a amizade, a maneira interessante e culta de Rozendo explicar os assuntos que eu gostava de conhecer e entender e, o que era melhor, curtindo o amor de Maurine bem pertinho de mim, eu escrevia minhas histórias e me deleitava com o sossego gostoso sem o rebuliço e agitação da cidade grande. Sem qualquer dúvida, eu já me acostumara à vida do interior! Acho que, de forma inconsciente sempre desejei estar num cantinho, quieto, lendo, escrevendo e sentindo a natureza ao meu redor.Nas tardes mais quentes dos tórridos dias do verão tropical, o pomar ainda se constituía em um lugar fresquinho, um refúgio onde, sentado no meu banco de pedras preferido, ficava aprovei
CIP-BRASIL.CATALOGAÇÃO NA FONTESINDICATO NACIONAL DOS ESCRITORES DE LIVROS, RJC364cCavalca, FergiO Casarão de Samambaias / Fergi Cavalca – Clube de Autores. 2016Inclui índiceISBN 978-857923-640-2Romance Brasileiro. 1, Título12-9293 CDD: 869.93 CDU: 821.1134.3(81)-3
Esta é uma obra de ficção onde os personagens são um produto da minha imaginação. Qualquer semelhança com pessoas conhecidas é mera coincidência.Entretanto, a cronologia dos episódios em que alguns dos acontecimentos são relatados, principalmente no que tange à Independência do Brasil e ao ciclo do café fluminense baseia-se em fatos e faz parte do acervo histórico e cultural de nosso país.A cidade de Samambaias é fictícia. Mas poderá ser confundida com qualquer das florescentes cidades da época áurea do café no interior fluminense.Eu nasci em Vassouras, a bela cidade serrana que foi a detentora do título “Cidade dos Barões”. Samambaias, a quem dei também este epíteto, bem que poderia ser ali! Aliás, muita gente verá nos traços da descriç
Todos os dias pela manhã eu vou ao boteco da Shirley para tomar o desjejum; ali eu tenho, praticamente, uma mesa cativa; quando não chove ela fica instalada na calçada onde costumo sentar-me olhando o movimento da rua enquanto beberico café, a deliciosa infusão tão típica do Brasil.Na época em que inicio essa narrativa, eu morava em um pequenino apartamento num bairro residencial de classe média na cidade do Rio de Janeiro; como vivia sozinho, o espaço que ocupava era mais do que suficiente. O apartamento era pequeno, porém bastante aconchegante. Havia quatro cômodos na habitação: Uma sala com um sofá, duas poltronas, uma estante com vários livros e um aparelho de TV; um quarto com uma cama de casal e um guarda-roupa; uma cozinha minúscula, mas com um fogãozinho de duas bocas, alguns utensílios para fazer comida, uma geladeira duplex e um