Esta é uma obra de ficção onde os personagens são um produto da minha imaginação. Qualquer semelhança com pessoas conhecidas é mera coincidência.
Entretanto, a cronologia dos episódios em que alguns dos acontecimentos são relatados, principalmente no que tange à Independência do Brasil e ao ciclo do café fluminense baseia-se em fatos e faz parte do acervo histórico e cultural de nosso país.
A cidade de Samambaias é fictícia. Mas poderá ser confundida com qualquer das florescentes cidades da época áurea do café no interior fluminense.
Eu nasci em Vassouras, a bela cidade serrana que foi a detentora do título “Cidade dos Barões”. Samambaias, a quem dei também este epíteto, bem que poderia ser ali! Aliás, muita gente verá nos traços da descrição de Samambaias a minha cidade natal. Afinal são bastante parecidas.
Mas como autor desta obra, prefiro separá-las. A identidade de Samambaias é isolada e única, pois fiz dela uma mistura de inúmeras cidades fluminenses e, também, para que não haja qualquer implicação de ordem histórica. Bastar-lhe-á uma similitude sentimental com tão agradável estância turística fluminense. Afinal Vassouras já foi, outrora, possuidora de inúmeros recordes nacionais e até mundiais, com relação ao plantio e à produção do café. E para abrilhantar Samambaias peço-lhe emprestado alguns de seus números estatísticos.
Na minha infância presenciei algumas vezes o lamento saudosista dos antigos descendentes dos barões e até mesmo de alguns velhos detentores desse título nobiliárquico que ainda estavam vivos no século passado, na década de 50; eles recordavam-se, com os olhos úmidos de saudade, a velha época do fausto e da riqueza: ― “Ah, o tempo dos Barões! ” ― Diziam entre lamúrias entremeadas de goles de parati.
O livro “Cidades Mortas” de Monteiro Lobato retrata, em contos muito bem urdidos, a verdadeira decadência e morte das cidades do ‘Vale do Paraíba’ em consequência da abolição da escravatura, da exaustão das terras cultiváveis e do endividamento hipotecário que se caracterizou na última década do século XIX. Essas cidades saíram da opulência e da riqueza para um absurdo marasmo que perdurou até meados do século XX.
Felizmente hoje voltaram à vida e tornaram-se portadoras de fecundo progresso, um desenvolvimento tecnológico, social e produtivo, compensando o período estático em que já viveram após a queda do café.
Apesar do clima romanesco da história procurei como autor ser sempre fiel às tradições da região na qual passei a minha infância, e, idem, às belezas da cidade de “Samambaias”, palco dos acontecimentos narrados. Procurei, ainda, dar ênfase aos personagens, buscando situá-los, psicologicamente, em sólidos parâmetros humanitários e sociais, a não ser quando o decurso da narrativa exigiu outro rumo.
A evidência de uma moral e uma ética, ambas construtivas acima de tudo, além das nuanças que demonstram sempre a eficácia do otimismo sobre os comportamentos introspectivos ou destrutivos são de fato a bússola que norteia esse livro.
Aproveito para agradecer à minha esposa, meus filhos, amigos, irmãos e a todos que, direta ou indiretamente, colaboraram para a conclusão de mais esse momento literário.
Fergi Cavalca - maio de 2012
Todos os dias pela manhã eu vou ao boteco da Shirley para tomar o desjejum; ali eu tenho, praticamente, uma mesa cativa; quando não chove ela fica instalada na calçada onde costumo sentar-me olhando o movimento da rua enquanto beberico café, a deliciosa infusão tão típica do Brasil.Na época em que inicio essa narrativa, eu morava em um pequenino apartamento num bairro residencial de classe média na cidade do Rio de Janeiro; como vivia sozinho, o espaço que ocupava era mais do que suficiente. O apartamento era pequeno, porém bastante aconchegante. Havia quatro cômodos na habitação: Uma sala com um sofá, duas poltronas, uma estante com vários livros e um aparelho de TV; um quarto com uma cama de casal e um guarda-roupa; uma cozinha minúscula, mas com um fogãozinho de duas bocas, alguns utensílios para fazer comida, uma geladeira duplex e um
SamambaiasNo sábado às nove da manhã cheguei à pequena e simpática cidade de Samambaias, no interior do estado.Estacionei o carro na praça principal em frente à prefeitura. É uma praça imponente! Grande e toda orlada de centenárias palmeiras imperiais; a praça exibe um traçado bonito, com trechos gramados, canteiros com flores variadas e coloridas, dando um efeito alegre às alamedas de areia que formam o ‘passeio’, caminho por onde transitam as pessoas. Em toda a extensão árvores de fícus aparadas e dispostas em forma geométrica.Um coreto, um chafariz antigo e sextavado com duas bandejas, muitos bancos de madeira pintados de branco, com assento de ripa, e um laguinho, com peixes vermelhos ornamentais, completam o belo recanto.A praça é aladeirada; no alto ostenta imponente igreja matriz, com
O casarãoEra imponente, bonito, majestoso...E ao mesmo tempo, um tanto lúgubre. O terreno, segundo a escritura, possuía cinquenta metros de frente e duzentos metros de frente a fundos. Era uma chácara relativamente grande, mas pequena para ser um sítio. Apenas um hectare de área.Toda a parte que compunha a entrada era protegida por uma grade de ferro escura, meio oxidada, mas não muito, e fixada sobre uma mureta de alvenaria de, aproximadamente, sessenta centímetros de altura. A grade atingia bem uns três metros e possuía duas barras horizontais para dar firmeza às hastes. Na época em que foi colocada não existia máquina de solda, portanto fora toda ela fundida em módulos nas forjas de alguma ferraria. Os ferros verticais terminavam com a forma da ponta de uma lança.Na frente, exatamente na direção
Rozendo― Bom dia!A voz sobressaltou-me, pois estava bem distraído e, por isso virei rápido: parado atrás de mim estava um ancião trazendo nas mãos algumas ferramentas de jardinagem. Imediatamente lembrei-me que o Betinho citara o caseiro. Também dona Aurora havia falado sobre ele.― O senhor é o Rozendo? ― Perguntei.― Sim. ― Respondeu o homem.― Muito prazer, eu sou José Matias, o novo proprietário ― disse estendendo a mão para o velho. ― Acabo de comprar a chácara da viúva do General Eustáquio. Desculpe-me por ter invadido sem chamá-lo, mas o portão estava aberto e não resisti...Ele retribuiu meu cumprimento; tinha as mãos ásperas e calosas devido ao trabalho rude do amanho e cultivo da terra.― Dona Aurora ligou dizendo que o senhor viria; por isso deixei o portão ape
A casa do BarãoRozendo e eu fomos caminhando em direção a casa: depois da “praça do chafariz” o caminho largo se unificava novamente e ia em direção ao solar. Perto do alpendre da entrada ele desembocava em um estacionamento calçado com as mesmas pedras; de uma das extremidades do estacionamento saía outro caminho rodeando a casa que, provavelmente levava à garagem, nos fundos.Subimos uma escadinha com três degraus e entramos no varandão; uma porta antiga de madeira maciça, com aldrava, ligava o exterior a um grande salão de estar. Este salão era iluminado e ventilado por quatro janelas que se abriam duas para frente e duas para a lateral à esquerda da entrada. Rozendo sacou um molhe de chaves do bolso; abriu a porta e as janelas; uma rajada de vento soprou pela sala. Senti um ligeiro arrepio e a sensação de
O almoçoNos fundos a uns vinte metros da casa principal, em meio ao quintal que comportava um belo pomar, lobrigava-se uma casinha, pequenina, porém simpática, com uma varandinha na frente e jardim cheio de flores. Rozendo, fazendo um gesto para que eu o seguisse, levou-me para lá.Do portão gritou para dentro:― Maurine, coloca mais um prato na mesa que temos visita para o almoço.Maurine apareceu à porta com o rosto afogueado pelo trabalho na cozinha; vinha enxugando as mãos no avental.Rozendo apresentou-a:― Esta é minha neta Maurine que mora comigo. Este é o senhor José, o novo proprietário.Maurine teria, no máximo, trinta anos. Era uma mulher bonita e atraente, com cabelos aloirados e olhos profundamente azuis, mostrando descendência estrangeira.Estendi a mão para a moça e
O caféRozendo terminou de beber seu café e começou a narrativa:― A origem do café se perde nos meandros do tempo; sabe-se que foi no oriente médio ou talvez no norte da África oriental lá pelos montes da Etiópia que ele começou sua peregrinação no mundo. Rezam as lendas que ele foi descoberto pela curiosidade de um pastor de cabras que observando os animais de seu rebanho, reparou que eles adoravam comer os frutinhos vermelhos de um determinado arbusto que crescia nos arredores.Interrompi para comentar sorrindo:― Frutinhas vermelhas... elas sempre nos chamaram a atenção, através dos tempos. Basta vermos um arbusto com frutas vermelhas para sentirmos vontade de comê-las!― Pois é ― continuou Rozendo ―, o referido pastor constatou que as cabras se tornavam mais espertas e vivazes após ingerirem aquel
Pausa para um pouco de filosofiaNão pude conter a pergunta:― Rozendo, como você conhece tanta história? Você frequentou a escola?― Não! ― Exclamou o velho sorrindo. ― Somente as séries primárias. Entretanto passei a minha vida lendo; e ler é um sinônimo de estudar. E quando não se tem ninguém para comentar os assuntos lidos, é necessário digeri-los sozinho. E aí aparecem as elucubrações e postulados desenvolvidos pela própria mente. O que assimilamos de fora para dentro, é cultura, mas o que brota do interior e alcança o exterior sobre a forma de uma conclusão, é sabedoria.Pensei na resposta de Rozendo procurando alguma aresta para polir, mas não consegui enxergá-la. Portanto concordei com ele:― É verdade! Conheço muitas pessoas que são