O almoço
Nos fundos a uns vinte metros da casa principal, em meio ao quintal que comportava um belo pomar, lobrigava-se uma casinha, pequenina, porém simpática, com uma varandinha na frente e jardim cheio de flores. Rozendo, fazendo um gesto para que eu o seguisse, levou-me para lá.
Do portão gritou para dentro:
― Maurine, coloca mais um prato na mesa que temos visita para o almoço.
Maurine apareceu à porta com o rosto afogueado pelo trabalho na cozinha; vinha enxugando as mãos no avental.
Rozendo apresentou-a:
― Esta é minha neta Maurine que mora comigo. Este é o senhor José, o novo proprietário.
Maurine teria, no máximo, trinta anos. Era uma mulher bonita e atraente, com cabelos aloirados e olhos profundamente azuis, mostrando descendência estrangeira.
Estendi a mão para a moça e
O caféRozendo terminou de beber seu café e começou a narrativa:― A origem do café se perde nos meandros do tempo; sabe-se que foi no oriente médio ou talvez no norte da África oriental lá pelos montes da Etiópia que ele começou sua peregrinação no mundo. Rezam as lendas que ele foi descoberto pela curiosidade de um pastor de cabras que observando os animais de seu rebanho, reparou que eles adoravam comer os frutinhos vermelhos de um determinado arbusto que crescia nos arredores.Interrompi para comentar sorrindo:― Frutinhas vermelhas... elas sempre nos chamaram a atenção, através dos tempos. Basta vermos um arbusto com frutas vermelhas para sentirmos vontade de comê-las!― Pois é ― continuou Rozendo ―, o referido pastor constatou que as cabras se tornavam mais espertas e vivazes após ingerirem aquel
Pausa para um pouco de filosofiaNão pude conter a pergunta:― Rozendo, como você conhece tanta história? Você frequentou a escola?― Não! ― Exclamou o velho sorrindo. ― Somente as séries primárias. Entretanto passei a minha vida lendo; e ler é um sinônimo de estudar. E quando não se tem ninguém para comentar os assuntos lidos, é necessário digeri-los sozinho. E aí aparecem as elucubrações e postulados desenvolvidos pela própria mente. O que assimilamos de fora para dentro, é cultura, mas o que brota do interior e alcança o exterior sobre a forma de uma conclusão, é sabedoria.Pensei na resposta de Rozendo procurando alguma aresta para polir, mas não consegui enxergá-la. Portanto concordei com ele:― É verdade! Conheço muitas pessoas que são
Mais caféO pensamento de Rozendo era muito claro, por esse motivo permaneci em silêncio procurando refletir em tudo que havia ouvido. Após algum tempo pedi:― Vamos retomar a nossa história sobre o café?Era, mais ou menos, duas e meia da tarde; eu tinha, ainda, algum tempo antes de voltar para casa. Rozendo aprovou e continuou sua explanação:― Com o estímulo dado pela coroa portuguesa aos fazendeiros do Vale, o café começou a se desenvolver rapidamente passando, em pouco tempo, a ser o principal produto agrícola do Brasil.― Durante o Segundo Reinado foram plantadas várias novas espécies de cafeeiros: o ‘bourbon’, vindo da ilha do mesmo nome; o ‘botucatu’; o ‘café amarelo’; o ‘guatemala’; o ‘maragogipe’ que possu&iac
O português João de Carvalho AntunesPassei o resto da semana fazendo os preparativos para a mudança: como a cidade de Samambaias fica perto do Rio de Janeiro, achei que poderia permanecer durante um tempo maior lá, desfrutando de um dos melhores climas do mundo, além do sossego, do silêncio e da paz. Esses são ingredientes mais do que necessários para eu escrever minhas histórias com tranquilidade. Caso houvesse um imperativo qualquer, eu pegaria o carro e desceria a serra. É uma viagenzinha de hora e meia, talvez...Eu não tinha patrão, nem cartão de ponto e, muito menos horário; ao contrário, era o feliz proprietário de todo o tempo do mundo. Conforme já disse, sobrou um bom dinheiro na minha poupança após a compra do casarão e isso era suficiente para me manter por vários meses em minhas desp
Falando da independênciaRozendo fez uma pausa para acender o cachimbo. Aproveitei para comentar:― Essa época de transição entre o domínio português e a independência foi muito traumática para os agricultores?― Oh. Sim, ― respondeu Rozendo. ― A luta pela emancipação política e administrativa do Brasil foi um movimento bem característico, mas de profundo significado para a economia do novo país. Foi similar a outros movimentos separatistas em vários outros países. Os primeiros tempos sempre são muito difíceis.Pedi ao velho que falasse sobre a independência. Ele não se fez de rogado recostando-se soltou algumas baforadas; depois, olhando para o teto, prosseguiu explicando:― Por influência de algumas correntes “pensantes” e provenientes da Europa, os axiomas liberais foram
D. Pedro, o imperador dos extremosRozendo sorriu abanando a cabeça. Depois suspirando, prosseguiu:― A tão sonhada independência, entretanto, fez surgirem muitas diferenças e proliferarem as opiniões: Havia os que defendiam um poder centralizado e forte e, entre eles estava o novo Imperador do Brasil que adotara o título de D. Pedro I. Os liberais colocavam-se favoráveis a um poder menos absoluto e os democratas pelejavam por uma igualdade social.Rozendo novamente balançou a fronte em gesto negativo; exprimia profunda desolação:― D. Pedro, autocrático e déspota por natureza, advogado extremado do absolutismo e totalmente refratário a qualquer demonstração liberal ou democrática, mostrou desde o início de seu governo um pulso tirânico e violento. Era tinhoso, teimoso e autoritário o monarca bra
A senzalaAcordei cedo! Não havia qualquer movimento pelo lado da casa de Rozendo. Também pudera... o dia ainda estava amanhecendo.Tomei um café solúvel e duas fatias de pão de forma com manteiga; manteiga boa, da roça...Assim que terminei meu desjejum fui dar uma volta pela propriedade para conhecê-la. Saí pelos fundos: Um friozinho cortante exigia agasalho. Logo após o terreiro havia uma garagem ampla com espaço para vários carros. Desde o primeiro dia reparei que havia outro carro, além do meu; de quem seria? De Rozendo ou de Maurine?À esquerda situava-se a casa de Rozendo à qual se chegava por um caminho batido. À direita, mas ainda em uma faixa quase central, uma horta bem cuidada, rodeada por uma cerca e com um portãozinho que se fechava por uma tramela; mais abaixo o caminho era calçado e levava ao
A feira de SamambaiasEstacionei o carro não muito longe do local onde acontecia a feira; as barracas estavam montadas perto da antiga estação ferroviária, um belo monumento da época áurea de Samambaias, hoje transformado na sede de uma importante instituição universitária.Maurine carregava duas sacolas bem grandes; fomos andando por entre as barracas de frutas e verduras, onde os vendedores de inúmeras mercadorias gritavam anunciando seu produto e fazendo propaganda da qualidade e do preço. Não era uma feira diferente de outras que eu estava acostumado a ver e frequentar; pelo contrário, era apenas um pouquinho menor.Entretanto, essa era a primeira vez que eu vinha acompanhado às compras e, convenhamos, por uma bela jovem. Também a missão de prover uma família com os diversos produtos hortifrutigranjeiros para a