A feira de Samambaias
Estacionei o carro não muito longe do local onde acontecia a feira; as barracas estavam montadas perto da antiga estação ferroviária, um belo monumento da época áurea de Samambaias, hoje transformado na sede de uma importante instituição universitária.
Maurine carregava duas sacolas bem grandes; fomos andando por entre as barracas de frutas e verduras, onde os vendedores de inúmeras mercadorias gritavam anunciando seu produto e fazendo propaganda da qualidade e do preço. Não era uma feira diferente de outras que eu estava acostumado a ver e frequentar; pelo contrário, era apenas um pouquinho menor.
Entretanto, essa era a primeira vez que eu vinha acompanhado às compras e, convenhamos, por uma bela jovem. Também a missão de prover uma família com os diversos produtos hortifrutigranjeiros para a
Retomando a históriaFui direto para o meu quarto e tomei uma boa chuveirada, a fim de me preparar para o almoço. Eu estava disposto a cozinhar alguma gororoba, mas Rozendo e Maurine insistiram para que almoçasse com eles. Não deu para recusar.Após o saboroso almoço preparado pela neta do caseiro, fomos para a varandinha no fundo da casa de Rozendo, local muito agradável, fresco e com um belo jardim que ladeava o degrauzinho que descia para o quintal, jardinzinho esse onde as hortênsias e begônias predominavam.Ali, bebericando o gostoso café de Maurine, sentados em confortáveis poltronas de vime com um colchonete sobre a armação de bambu, retomamos nossa conversa:― Você parou sua narrativa quando o português João de Carvalho Antunes ficou, digamos, “viúvo” de Dona Soledade e herdou a fazenda Monte
Momentos insólitosDeixei a companhia de Rozendo e resolvi descansar um pouco no casarão. Tomei mais uma boa chuveirada e coloquei roupas leves para me sentir à vontade. Fui para o quarto que havia escolhido e deitei-me na cama. Era o aposento mais fresco e estava voltado para leste de forma a deixar o sol penetrar pela manhã e a brisa fresca circulando pela tarde, hora em que a sombra predominava daquele lado.Maurine havia arrumado o quarto com esmero adornando-o com vasos de flores, uma cesta repleta de frutas e uma moringa com água fresca, pois a água do pote de barro é sempre fria e deliciosa. A moça era eficiente, simpática, bonita e sabia agradar; pensava em tudo, por isso havia, também, uma bacia de louça e uma jarra com água, toalha, sabonete, copo, escova e pasta de dentes e outros apetrechos para lavar o rosto ao levantar, sem precis
Interpretando um sonho― Tive um sonho estranhíssimo!Foi exatamente com estas palavras que saudei Rozendo, assim que nos encontramos mais tarde, logo após o término de meu parco jantar, que constou de uma ‘sopa de saquinho’; ele veio até o casarão para nossa ‘tertúlia’ noturna.Rozendo fez uma cara de desentendido. Reforcei meu comentário dizendo:― Sim, um sonho estranhíssimo! Um pesadelo muito real! Sonhei com o João Antunes! No sonho ele veio me obrigar a deixar a casa e fez-me ameaças. Disse que iria me expulsar daqui como já expulsara os outros. E contei-lhe o sonho tim-tim por tim-tim.Rozendo sorriu, mais por obrigação do que por vontade e comentou:― Você dormiu depois do almoço, José. Os problemas digestivos costumam influir no psiquismo do sono e acontecem os pesadelo
Decifrando um mistério― Que foi isso? ― Perguntei.Todos nos entreolhamos e fomos ao aposento vizinho para ver o que tinha acontecido: vários livros encontravam-se esparramados pelo chão.Admirado, comentei com Rozendo:― Esses livros não podiam ter se movido sozinhos!― Não podiam! Com certeza, não podiam! ― Retrucou o velho abanando a cabeça negativamente.Mais de uma dezena de livros espalhava-se pelo assoalho. Não poderiam ter escorregado de seu lugar, pois a estante possuía prateleiras largas e sólidas, feitas de peças de madeira antiga e maciça com cerca de dois centímetros de espessura.― O que você acha? ― Perguntei ao velho jardineiro.Ele pensou durante alguns segundos; depois respondeu num timbre de voz baixo, porém firme:― Alguma coisa ou alguém quis chamar a nossa at
Lendo o diárioAssim que cheguei ao meu quarto liguei o computador e comecei a resumir o diário. No início eram as confidências de uma menina adolescente. Depois a narrativa tomou um rumo bastante complexo e enveredou por um caminho insólito; mais à frente tornou-se terrível e dolorosa. Uma verdadeira tragédia! O conteúdo prendeu-me tanto a atenção que não pude parar de ler por nenhum segundo. Quando terminei voltei ao início e fui marcando as páginas e os parágrafos importantes. Para isso utilizei-me do computador, resumindo e comentando alguns trechos. Não quis usar um marcador de texto para não estragar o original.A manhã já ia alta quando terminei a minha tarefa e imprimi o resumo. O corpo estava cansado e doía; os olhos ardiam devido ao esforço. Tomei um copo de leite e fui para a cama, ma
Uma narrativa impressionantePassei os olhos pelas anotações e continuei a contar:“A casa de Samambaias trouxe um novo alento a Isabel. Imediatamente ela entrou em contato com a mãe e exigiu do marido que o professor de música fosse recontratado. O francesinho Pierre Duprée transferiu-se para uma pensão em Samambaias para ficar mais próximo de sua pupila. Fiz uma pequena pausa para explicar:― Estou narrando o mais importante, conforme li no diário de Clara. Portanto as opiniões são dela.“Clara começou a perceber que Isabel, durante as aulas, costumava a apresentar um ar diferente; frequentemente se ruborizava e a prima observava, quase sempre, um olhar furtivo trocado entre Pierre e Isabel. Vira e mexe ambos se retiravam para uma janela onde se debruçavam; ali ficavam conversando, ela e o franc&eci
A tragédiaTambém concordei que deveríamos prosseguir com a narrativa. Sem maiores delongas continuei do ponto em que havia parado:“Clara e João; Isabel e Pierre! Dessa situação somente Clara conhecia toda a extensão daquele drama; o jogo prosseguia; a troca de parceiros fazia parte da maré, do vaivém ditado pela vida. João pensava que estava enganando Isabel, enquanto essa traia João. Era o jogo dos traídos.‘Esta situação foi perdurando por cerca de três anos. Durante esse tempo os relatos de Clara são recheados de lamentações, culpas e revolta. Ela culpava Isabel e, principalmente, a ela mesma, pela desagradável situação criada; ao mesmo tempo confessava sua impotência para reagir, todas as vezes que se aproximava do barão. A paixão d
Fantasmas noturnosDepois de fazer a higiene noturna apaguei as luzes e deitei-me de costas, com a barriga para cima; nessa posição fiquei relembrando vagamente os acontecimentos do dia. Estava com um pouquinho de fome, mas resolvi não comer nada até o dia seguinte. Procurei relaxar ao máximo todos os músculos, membros e órgãos e busquei meditar; agi exatamente conforme eu havia lido em uma revista, isto é, deixei que a mente vagasse em um limbo projetando o mínimo de pensamentos que me fosse possível. Imaginava um lugar calmo às margens de um lago azul de águas tranquilas e cristalinas.Perdi os sentidos e adormeci. Acho que era de madrugada quando pressenti alguém que me tocava o ombro. Sentei-me na cama, mas o quarto não estava escuro como eu imaginava: uma claridade difusa coava de algum lugar ao qual eu não podia distinguir