Retomando a história
Fui direto para o meu quarto e tomei uma boa chuveirada, a fim de me preparar para o almoço. Eu estava disposto a cozinhar alguma gororoba, mas Rozendo e Maurine insistiram para que almoçasse com eles. Não deu para recusar.
Após o saboroso almoço preparado pela neta do caseiro, fomos para a varandinha no fundo da casa de Rozendo, local muito agradável, fresco e com um belo jardim que ladeava o degrauzinho que descia para o quintal, jardinzinho esse onde as hortênsias e begônias predominavam.
Ali, bebericando o gostoso café de Maurine, sentados em confortáveis poltronas de vime com um colchonete sobre a armação de bambu, retomamos nossa conversa:
― Você parou sua narrativa quando o português João de Carvalho Antunes ficou, digamos, “viúvo” de Dona Soledade e herdou a fazenda Monte
Momentos insólitosDeixei a companhia de Rozendo e resolvi descansar um pouco no casarão. Tomei mais uma boa chuveirada e coloquei roupas leves para me sentir à vontade. Fui para o quarto que havia escolhido e deitei-me na cama. Era o aposento mais fresco e estava voltado para leste de forma a deixar o sol penetrar pela manhã e a brisa fresca circulando pela tarde, hora em que a sombra predominava daquele lado.Maurine havia arrumado o quarto com esmero adornando-o com vasos de flores, uma cesta repleta de frutas e uma moringa com água fresca, pois a água do pote de barro é sempre fria e deliciosa. A moça era eficiente, simpática, bonita e sabia agradar; pensava em tudo, por isso havia, também, uma bacia de louça e uma jarra com água, toalha, sabonete, copo, escova e pasta de dentes e outros apetrechos para lavar o rosto ao levantar, sem precis
Interpretando um sonho― Tive um sonho estranhíssimo!Foi exatamente com estas palavras que saudei Rozendo, assim que nos encontramos mais tarde, logo após o término de meu parco jantar, que constou de uma ‘sopa de saquinho’; ele veio até o casarão para nossa ‘tertúlia’ noturna.Rozendo fez uma cara de desentendido. Reforcei meu comentário dizendo:― Sim, um sonho estranhíssimo! Um pesadelo muito real! Sonhei com o João Antunes! No sonho ele veio me obrigar a deixar a casa e fez-me ameaças. Disse que iria me expulsar daqui como já expulsara os outros. E contei-lhe o sonho tim-tim por tim-tim.Rozendo sorriu, mais por obrigação do que por vontade e comentou:― Você dormiu depois do almoço, José. Os problemas digestivos costumam influir no psiquismo do sono e acontecem os pesadelo
Decifrando um mistério― Que foi isso? ― Perguntei.Todos nos entreolhamos e fomos ao aposento vizinho para ver o que tinha acontecido: vários livros encontravam-se esparramados pelo chão.Admirado, comentei com Rozendo:― Esses livros não podiam ter se movido sozinhos!― Não podiam! Com certeza, não podiam! ― Retrucou o velho abanando a cabeça negativamente.Mais de uma dezena de livros espalhava-se pelo assoalho. Não poderiam ter escorregado de seu lugar, pois a estante possuía prateleiras largas e sólidas, feitas de peças de madeira antiga e maciça com cerca de dois centímetros de espessura.― O que você acha? ― Perguntei ao velho jardineiro.Ele pensou durante alguns segundos; depois respondeu num timbre de voz baixo, porém firme:― Alguma coisa ou alguém quis chamar a nossa at
Lendo o diárioAssim que cheguei ao meu quarto liguei o computador e comecei a resumir o diário. No início eram as confidências de uma menina adolescente. Depois a narrativa tomou um rumo bastante complexo e enveredou por um caminho insólito; mais à frente tornou-se terrível e dolorosa. Uma verdadeira tragédia! O conteúdo prendeu-me tanto a atenção que não pude parar de ler por nenhum segundo. Quando terminei voltei ao início e fui marcando as páginas e os parágrafos importantes. Para isso utilizei-me do computador, resumindo e comentando alguns trechos. Não quis usar um marcador de texto para não estragar o original.A manhã já ia alta quando terminei a minha tarefa e imprimi o resumo. O corpo estava cansado e doía; os olhos ardiam devido ao esforço. Tomei um copo de leite e fui para a cama, ma
Uma narrativa impressionantePassei os olhos pelas anotações e continuei a contar:“A casa de Samambaias trouxe um novo alento a Isabel. Imediatamente ela entrou em contato com a mãe e exigiu do marido que o professor de música fosse recontratado. O francesinho Pierre Duprée transferiu-se para uma pensão em Samambaias para ficar mais próximo de sua pupila. Fiz uma pequena pausa para explicar:― Estou narrando o mais importante, conforme li no diário de Clara. Portanto as opiniões são dela.“Clara começou a perceber que Isabel, durante as aulas, costumava a apresentar um ar diferente; frequentemente se ruborizava e a prima observava, quase sempre, um olhar furtivo trocado entre Pierre e Isabel. Vira e mexe ambos se retiravam para uma janela onde se debruçavam; ali ficavam conversando, ela e o franc&eci
A tragédiaTambém concordei que deveríamos prosseguir com a narrativa. Sem maiores delongas continuei do ponto em que havia parado:“Clara e João; Isabel e Pierre! Dessa situação somente Clara conhecia toda a extensão daquele drama; o jogo prosseguia; a troca de parceiros fazia parte da maré, do vaivém ditado pela vida. João pensava que estava enganando Isabel, enquanto essa traia João. Era o jogo dos traídos.‘Esta situação foi perdurando por cerca de três anos. Durante esse tempo os relatos de Clara são recheados de lamentações, culpas e revolta. Ela culpava Isabel e, principalmente, a ela mesma, pela desagradável situação criada; ao mesmo tempo confessava sua impotência para reagir, todas as vezes que se aproximava do barão. A paixão d
Fantasmas noturnosDepois de fazer a higiene noturna apaguei as luzes e deitei-me de costas, com a barriga para cima; nessa posição fiquei relembrando vagamente os acontecimentos do dia. Estava com um pouquinho de fome, mas resolvi não comer nada até o dia seguinte. Procurei relaxar ao máximo todos os músculos, membros e órgãos e busquei meditar; agi exatamente conforme eu havia lido em uma revista, isto é, deixei que a mente vagasse em um limbo projetando o mínimo de pensamentos que me fosse possível. Imaginava um lugar calmo às margens de um lago azul de águas tranquilas e cristalinas.Perdi os sentidos e adormeci. Acho que era de madrugada quando pressenti alguém que me tocava o ombro. Sentei-me na cama, mas o quarto não estava escuro como eu imaginava: uma claridade difusa coava de algum lugar ao qual eu não podia distinguir
Afinal, o que é Karma?― Bom dia! Vim chamá-los para o café! ― Exclamou alegre.Levantamos e nos dirigimos para a casinha do quintal. Eu já estava me tornando um freguês assíduo para refeições junto com a família de Rozendo. É lógico que eu não poderia comparar a comida de Maurine com meus congelados. Portanto, resolvi que quando fosse fazer a feira com ela, reforçaria as compras. Assim minha consciência não pesaria tanto.Desta vez o velho preparara os quitutes. Mesmo assim tudo estava perfeito: ovos, queijo assado, doces... um desjejum na medida para se ganhar alguns quilinhos extras.Durante a refeição Maurine e eu colocamos Rozendo a par de nossos ‘contatos imediatos’. Expusemos, com detalhes, tudo o que aconteceu durante a noite, nossos encontros e conclusões.O velho escutou em