O casarão
Era imponente, bonito, majestoso...
E ao mesmo tempo, um tanto lúgubre. O terreno, segundo a escritura, possuía cinquenta metros de frente e duzentos metros de frente a fundos. Era uma chácara relativamente grande, mas pequena para ser um sítio. Apenas um hectare de área.
Toda a parte que compunha a entrada era protegida por uma grade de ferro escura, meio oxidada, mas não muito, e fixada sobre uma mureta de alvenaria de, aproximadamente, sessenta centímetros de altura. A grade atingia bem uns três metros e possuía duas barras horizontais para dar firmeza às hastes. Na época em que foi colocada não existia máquina de solda, portanto fora toda ela fundida em módulos nas forjas de alguma ferraria. Os ferros verticais terminavam com a forma da ponta de uma lança.
Na frente, exatamente na direção da entrada do casarão, um portão pesadíssimo abria-se em duas partes, cada uma mostrando um escudo de armas, com certeza o brasão de família do barão de Monte Belo. O portão tinha uns cinco metros de largura e sustentava-se em duas grandes colunas de pedra trabalhada.
Entre o portão e o casarão, a distância era de uns trinta metros; ali se situava um jardim bem cuidado, com diversas árvores e arbustos floridos, arranjados com gosto e critério. Um caminho calçado de pedras, largo para dar passagem a um automóvel seguia do portão em direção a casa, bifurcando-se para formar uma espécie de praça onde, no centro existia uma fonte com um chafariz.
O portão estava entreaberto: entrei inspecionando tudo atentamente, examinando com sofreguidão cada centímetro de minha nova propriedade.
Cheguei à praça e reparei que em cima do tanque superior do chafariz havia uma escultura em mármore representando as três Graças: Aglaia, a claridade; Tália, o desabrochar das flores; e Eufrosina, a alegria de viver. Por sua condição de divas da beleza eram associadas à Afrodite, a deusa do amor. Identificavam-se também com as musas em virtude de sua predileção pelas danças e pela música. Nas primeiras representações a figura das Graças mostrava três jovens gordinhas conforme os padrões estéticos da renascença e apareciam vestidas; mais tarde, contudo, foram representadas desnudas e de mãos dadas. Duas das Graças olham numa direção e a terceira, na direção oposta; esse modelo foi o que se transferiu ao Renascimento e originou quadros célebres como "A primavera", de Botticelli, e "As Três Graças", de Rubens. A escultura que estava no centro da fonte embora em posição diferente daquela em que se apresentavam nos quadros famosos, pois as jovens formavam um grupo mais coeso e maciço erguendo os braços para o céu, seguia as mesmas linhas das célebres obras dos clássicos renascentistas, isto é, apresentando as formas femininas um tanto rechonchudas para nossos moldes e padrões anoréticos atuais.
Caminhando a passos extremamente vagarosos inspecionei tudo: bebia cada detalhe com volúpia e interesse e examinei tim-tim por tim-tim, todo o espaço do jardim.
Demorei-me bastante no exame do monumento:
― Uma verdadeira obra de arte! ― Pensei admirado enquanto o contemplava. ― Só essa escultura já cobre, praticamente, o capital que empreguei na compra da chácara!
O chafariz tinha dois estágios: uma bandeja menor, semelhante a uma concha, em cujo centro as Graças estavam sobre um pedestal; daí a água transbordava para uma bandeja maior, que formava um tanque redondo onde nadavam algumas carpas japonesas com seus coloridos vermelhos, brancos e pretos. As carpas, é claro, deviam ser aquisições modernas do último proprietário. Todo o conjunto tinha, mais ou menos, uns três metros e meio de altura, pois as Graças estavam reproduzidas praticamente em tamanho natural.
Ao redor do tanque, em cujas bordas quem quisesse poderia sentar-se, um jardim gramado com canteiros de hortênsias e, em torno desse jardim uma calçada de pedras rodeando a fonte. Da alameda principal até o tanque, quatro caminhos, razoavelmente largos e também de pedras, geometricamente dispostos formando uma cruz, ou melhor, um sinal de + com um dos braços virado na direção do portão de entrada; bancos estrategicamente colocados espalhavam-se por esses caminhos para quem quisesse aproveitar o momento de descanso e lazer sentando-se ali; toda a “praça” possuía, mais ou menos, quinze metros de diâmetro, sendo que o tanque do chafariz teria um diâmetro de cerca de quatro metros.
Alguns ciprestes altos e centenários sombreavam agradavelmente o local e a brisa que soprava trazia prazeroso frescor. Por isso resolvi descansar por um instante sentado num dos bancos apreciando tudo aquilo
Rozendo― Bom dia!A voz sobressaltou-me, pois estava bem distraído e, por isso virei rápido: parado atrás de mim estava um ancião trazendo nas mãos algumas ferramentas de jardinagem. Imediatamente lembrei-me que o Betinho citara o caseiro. Também dona Aurora havia falado sobre ele.― O senhor é o Rozendo? ― Perguntei.― Sim. ― Respondeu o homem.― Muito prazer, eu sou José Matias, o novo proprietário ― disse estendendo a mão para o velho. ― Acabo de comprar a chácara da viúva do General Eustáquio. Desculpe-me por ter invadido sem chamá-lo, mas o portão estava aberto e não resisti...Ele retribuiu meu cumprimento; tinha as mãos ásperas e calosas devido ao trabalho rude do amanho e cultivo da terra.― Dona Aurora ligou dizendo que o senhor viria; por isso deixei o portão ape
A casa do BarãoRozendo e eu fomos caminhando em direção a casa: depois da “praça do chafariz” o caminho largo se unificava novamente e ia em direção ao solar. Perto do alpendre da entrada ele desembocava em um estacionamento calçado com as mesmas pedras; de uma das extremidades do estacionamento saía outro caminho rodeando a casa que, provavelmente levava à garagem, nos fundos.Subimos uma escadinha com três degraus e entramos no varandão; uma porta antiga de madeira maciça, com aldrava, ligava o exterior a um grande salão de estar. Este salão era iluminado e ventilado por quatro janelas que se abriam duas para frente e duas para a lateral à esquerda da entrada. Rozendo sacou um molhe de chaves do bolso; abriu a porta e as janelas; uma rajada de vento soprou pela sala. Senti um ligeiro arrepio e a sensação de
O almoçoNos fundos a uns vinte metros da casa principal, em meio ao quintal que comportava um belo pomar, lobrigava-se uma casinha, pequenina, porém simpática, com uma varandinha na frente e jardim cheio de flores. Rozendo, fazendo um gesto para que eu o seguisse, levou-me para lá.Do portão gritou para dentro:― Maurine, coloca mais um prato na mesa que temos visita para o almoço.Maurine apareceu à porta com o rosto afogueado pelo trabalho na cozinha; vinha enxugando as mãos no avental.Rozendo apresentou-a:― Esta é minha neta Maurine que mora comigo. Este é o senhor José, o novo proprietário.Maurine teria, no máximo, trinta anos. Era uma mulher bonita e atraente, com cabelos aloirados e olhos profundamente azuis, mostrando descendência estrangeira.Estendi a mão para a moça e
O caféRozendo terminou de beber seu café e começou a narrativa:― A origem do café se perde nos meandros do tempo; sabe-se que foi no oriente médio ou talvez no norte da África oriental lá pelos montes da Etiópia que ele começou sua peregrinação no mundo. Rezam as lendas que ele foi descoberto pela curiosidade de um pastor de cabras que observando os animais de seu rebanho, reparou que eles adoravam comer os frutinhos vermelhos de um determinado arbusto que crescia nos arredores.Interrompi para comentar sorrindo:― Frutinhas vermelhas... elas sempre nos chamaram a atenção, através dos tempos. Basta vermos um arbusto com frutas vermelhas para sentirmos vontade de comê-las!― Pois é ― continuou Rozendo ―, o referido pastor constatou que as cabras se tornavam mais espertas e vivazes após ingerirem aquel
Pausa para um pouco de filosofiaNão pude conter a pergunta:― Rozendo, como você conhece tanta história? Você frequentou a escola?― Não! ― Exclamou o velho sorrindo. ― Somente as séries primárias. Entretanto passei a minha vida lendo; e ler é um sinônimo de estudar. E quando não se tem ninguém para comentar os assuntos lidos, é necessário digeri-los sozinho. E aí aparecem as elucubrações e postulados desenvolvidos pela própria mente. O que assimilamos de fora para dentro, é cultura, mas o que brota do interior e alcança o exterior sobre a forma de uma conclusão, é sabedoria.Pensei na resposta de Rozendo procurando alguma aresta para polir, mas não consegui enxergá-la. Portanto concordei com ele:― É verdade! Conheço muitas pessoas que são
Mais caféO pensamento de Rozendo era muito claro, por esse motivo permaneci em silêncio procurando refletir em tudo que havia ouvido. Após algum tempo pedi:― Vamos retomar a nossa história sobre o café?Era, mais ou menos, duas e meia da tarde; eu tinha, ainda, algum tempo antes de voltar para casa. Rozendo aprovou e continuou sua explanação:― Com o estímulo dado pela coroa portuguesa aos fazendeiros do Vale, o café começou a se desenvolver rapidamente passando, em pouco tempo, a ser o principal produto agrícola do Brasil.― Durante o Segundo Reinado foram plantadas várias novas espécies de cafeeiros: o ‘bourbon’, vindo da ilha do mesmo nome; o ‘botucatu’; o ‘café amarelo’; o ‘guatemala’; o ‘maragogipe’ que possu&iac
O português João de Carvalho AntunesPassei o resto da semana fazendo os preparativos para a mudança: como a cidade de Samambaias fica perto do Rio de Janeiro, achei que poderia permanecer durante um tempo maior lá, desfrutando de um dos melhores climas do mundo, além do sossego, do silêncio e da paz. Esses são ingredientes mais do que necessários para eu escrever minhas histórias com tranquilidade. Caso houvesse um imperativo qualquer, eu pegaria o carro e desceria a serra. É uma viagenzinha de hora e meia, talvez...Eu não tinha patrão, nem cartão de ponto e, muito menos horário; ao contrário, era o feliz proprietário de todo o tempo do mundo. Conforme já disse, sobrou um bom dinheiro na minha poupança após a compra do casarão e isso era suficiente para me manter por vários meses em minhas desp
Falando da independênciaRozendo fez uma pausa para acender o cachimbo. Aproveitei para comentar:― Essa época de transição entre o domínio português e a independência foi muito traumática para os agricultores?― Oh. Sim, ― respondeu Rozendo. ― A luta pela emancipação política e administrativa do Brasil foi um movimento bem característico, mas de profundo significado para a economia do novo país. Foi similar a outros movimentos separatistas em vários outros países. Os primeiros tempos sempre são muito difíceis.Pedi ao velho que falasse sobre a independência. Ele não se fez de rogado recostando-se soltou algumas baforadas; depois, olhando para o teto, prosseguiu explicando:― Por influência de algumas correntes “pensantes” e provenientes da Europa, os axiomas liberais foram