Samambaias
No sábado às nove da manhã cheguei à pequena e simpática cidade de Samambaias, no interior do estado.
Estacionei o carro na praça principal em frente à prefeitura. É uma praça imponente! Grande e toda orlada de centenárias palmeiras imperiais; a praça exibe um traçado bonito, com trechos gramados, canteiros com flores variadas e coloridas, dando um efeito alegre às alamedas de areia que formam o ‘passeio’, caminho por onde transitam as pessoas. Em toda a extensão árvores de fícus aparadas e dispostas em forma geométrica.
Um coreto, um chafariz antigo e sextavado com duas bandejas, muitos bancos de madeira pintados de branco, com assento de ripa, e um laguinho, com peixes vermelhos ornamentais, completam o belo recanto.
A praça é aladeirada; no alto ostenta imponente igreja matriz, com torres majestosas encimadas por grandes sinos de bronze; os campanários são coroados por dois galos de ferro que parecem sentinelas espiando a cidade que se desenvolveu embaixo deles.
Samambaias é uma cidade serrana. Fica situada a cerca de quatrocentos e cinquenta metros acima do nível do mar e é detentora de um clima bastante saudável; outrora era muito procurada por doentes que vinham se restabelecer de doenças pulmonares. Clima seco com invernos frios e verões quentes. Até hoje ainda funciona o belo hospital, cuja entrada é orlada de centenárias palmeiras imperiais e que, no passado, serviu como sanatório.
Cidade antiga, do tempo do Império, desenvolveu-se como uma zona nobre para plantio do café, sendo, na época, talvez, o mais importante centro produtor do Brasil; com a abolição da escravidão, sem o braço negro que sustentou a economia brasileira durante tanto tempo, entrou em decadência; mas legou ao presente as suas grandes moradias, requintados casarões do Segundo Império, que mostram a opulência e o luxo da antiga nobreza cafeeira. Alguns hoje estão transformados em museus. Outros tombados pelo Patrimônio Histórico. A maioria, entretanto, foi vendida a particulares que os transformaram em pousadas ou outros estabelecimentos comerciais. Uma coisa, porém, é certa: todos estão recheados de acontecimentos dessa fase áurea da história do Brasil.
Continuei minha inspeção da cidade:
Do outro lado da rua avistei um estabelecimento em cuja fachada se lê: “Bar e Restaurante do Betinho”. Foi para lá que eu me dirigi a fim de conseguir uma boa informação que me permitisse chegar até a minha nova propriedade. E aproveitar para usar a minha habilidade de “foca”[1] e fazer algumas perguntas sobre a cidade que até o momento ainda não tivera o prazer de conhecer. O outro motivo, não menos importante foi forrar o estômago, ou seja, comer algo, pois ainda estava em jejum já que não passei na Shirley para tomar o café habitual.
Sentei-me em uma mesa do bar; um senhor baixinho, magro, de cabelos grisalhos abundantes e com um avental que lhe chegava ao meio das canelas veio me atender com um bloquinho de notas na mão:
― Bom dia ― exclamou! ― Em que posso servi-lo?
― O senhor é o Betinho? ― Perguntei.
― Sim ― disse o outro com um sorriso interrogativo ―, ao seu dispor!
Levantei-me e cumprimentei-o:
― Meu nome é José Matias e acabo de comprar de dona Aurora, viúva do general Eustáquio Bitencourt, a propriedade que pertenceu ao barão de Monte Belo. O senhor a conhece?
Betinho permaneceu alguns instantes em silêncio. Depois falou pausadamente:
― Conheço sim! É uma propriedade muito bonita... muito bem cuidada! Fica um pouco afastada do centro lá para as bandas do Ribeirão do Veloso... O Bairro tem até o nome da propriedade: Monte Belo...
Notando as reticências dele, perguntei de imediato:
― Existe alguma coisa diferente em relação à propriedade?
― Oh, não! ― Respondeu ele. ― O senhor sabe: casas antigas sempre têm alguma história por traz delas. Na época do barão parece que aconteceu uma tragédia... ou não. Ninguém sabe direito o que houve, pois existem muitas versões. O fato é que, de lá para cá, nenhum negócio, família, moradores, nada ou ninguém conseguiu firmar-se ou prosperar ali; e o povo, o senhor sabe como é, fala que a casa é mal-assombrada. Mas acho que isso é conversa fiada. Na verdade, a residência é muito bonita, apesar de não ser um palácio como tantas por aí. Se não fosse particular, certamente estaria tombada pelo IPHAN; seria um museu, talvez...
Betinho prosseguiu:
― O jardineiro, que também é caseiro, toma conta e vive na casa desde pequeno; nasceu ali há mais de oitenta anos. É quem melhor pode lhe esclarecer quanto à propriedade. O nome dele é Rozendo! É uma pessoa estranha... dificilmente sai da chácara. E, também não gosta muito de conversa. Ele mora lá com uma neta e uma bisneta.
Em pouco tempo Betinho foi me colocando a par de tudo o que eu precisava saber, mas o assunto que mais me excitou e agradou foi a fama do casarão: mal-assombrado! Parecia brincadeira! Ora, secretamente sempre acalentei o sonho de morar um dia em uma casa com esse qualificativo! Fantasmas particulares, excelente assunto para um bom livro.
Tomei meu lanche e informei-me, com detalhes, do caminho para alcançar a propriedade. Seguindo as instruções de Betinho, cheguei ao local sem qualquer problema. Parei o carro no portão e fiquei olhando, apreciando cada detalhe da “minha casa mal-assombrada”.
[1] Jornalista (nota do autor)
O casarãoEra imponente, bonito, majestoso...E ao mesmo tempo, um tanto lúgubre. O terreno, segundo a escritura, possuía cinquenta metros de frente e duzentos metros de frente a fundos. Era uma chácara relativamente grande, mas pequena para ser um sítio. Apenas um hectare de área.Toda a parte que compunha a entrada era protegida por uma grade de ferro escura, meio oxidada, mas não muito, e fixada sobre uma mureta de alvenaria de, aproximadamente, sessenta centímetros de altura. A grade atingia bem uns três metros e possuía duas barras horizontais para dar firmeza às hastes. Na época em que foi colocada não existia máquina de solda, portanto fora toda ela fundida em módulos nas forjas de alguma ferraria. Os ferros verticais terminavam com a forma da ponta de uma lança.Na frente, exatamente na direção
Rozendo― Bom dia!A voz sobressaltou-me, pois estava bem distraído e, por isso virei rápido: parado atrás de mim estava um ancião trazendo nas mãos algumas ferramentas de jardinagem. Imediatamente lembrei-me que o Betinho citara o caseiro. Também dona Aurora havia falado sobre ele.― O senhor é o Rozendo? ― Perguntei.― Sim. ― Respondeu o homem.― Muito prazer, eu sou José Matias, o novo proprietário ― disse estendendo a mão para o velho. ― Acabo de comprar a chácara da viúva do General Eustáquio. Desculpe-me por ter invadido sem chamá-lo, mas o portão estava aberto e não resisti...Ele retribuiu meu cumprimento; tinha as mãos ásperas e calosas devido ao trabalho rude do amanho e cultivo da terra.― Dona Aurora ligou dizendo que o senhor viria; por isso deixei o portão ape
A casa do BarãoRozendo e eu fomos caminhando em direção a casa: depois da “praça do chafariz” o caminho largo se unificava novamente e ia em direção ao solar. Perto do alpendre da entrada ele desembocava em um estacionamento calçado com as mesmas pedras; de uma das extremidades do estacionamento saía outro caminho rodeando a casa que, provavelmente levava à garagem, nos fundos.Subimos uma escadinha com três degraus e entramos no varandão; uma porta antiga de madeira maciça, com aldrava, ligava o exterior a um grande salão de estar. Este salão era iluminado e ventilado por quatro janelas que se abriam duas para frente e duas para a lateral à esquerda da entrada. Rozendo sacou um molhe de chaves do bolso; abriu a porta e as janelas; uma rajada de vento soprou pela sala. Senti um ligeiro arrepio e a sensação de
O almoçoNos fundos a uns vinte metros da casa principal, em meio ao quintal que comportava um belo pomar, lobrigava-se uma casinha, pequenina, porém simpática, com uma varandinha na frente e jardim cheio de flores. Rozendo, fazendo um gesto para que eu o seguisse, levou-me para lá.Do portão gritou para dentro:― Maurine, coloca mais um prato na mesa que temos visita para o almoço.Maurine apareceu à porta com o rosto afogueado pelo trabalho na cozinha; vinha enxugando as mãos no avental.Rozendo apresentou-a:― Esta é minha neta Maurine que mora comigo. Este é o senhor José, o novo proprietário.Maurine teria, no máximo, trinta anos. Era uma mulher bonita e atraente, com cabelos aloirados e olhos profundamente azuis, mostrando descendência estrangeira.Estendi a mão para a moça e
O caféRozendo terminou de beber seu café e começou a narrativa:― A origem do café se perde nos meandros do tempo; sabe-se que foi no oriente médio ou talvez no norte da África oriental lá pelos montes da Etiópia que ele começou sua peregrinação no mundo. Rezam as lendas que ele foi descoberto pela curiosidade de um pastor de cabras que observando os animais de seu rebanho, reparou que eles adoravam comer os frutinhos vermelhos de um determinado arbusto que crescia nos arredores.Interrompi para comentar sorrindo:― Frutinhas vermelhas... elas sempre nos chamaram a atenção, através dos tempos. Basta vermos um arbusto com frutas vermelhas para sentirmos vontade de comê-las!― Pois é ― continuou Rozendo ―, o referido pastor constatou que as cabras se tornavam mais espertas e vivazes após ingerirem aquel
Pausa para um pouco de filosofiaNão pude conter a pergunta:― Rozendo, como você conhece tanta história? Você frequentou a escola?― Não! ― Exclamou o velho sorrindo. ― Somente as séries primárias. Entretanto passei a minha vida lendo; e ler é um sinônimo de estudar. E quando não se tem ninguém para comentar os assuntos lidos, é necessário digeri-los sozinho. E aí aparecem as elucubrações e postulados desenvolvidos pela própria mente. O que assimilamos de fora para dentro, é cultura, mas o que brota do interior e alcança o exterior sobre a forma de uma conclusão, é sabedoria.Pensei na resposta de Rozendo procurando alguma aresta para polir, mas não consegui enxergá-la. Portanto concordei com ele:― É verdade! Conheço muitas pessoas que são
Mais caféO pensamento de Rozendo era muito claro, por esse motivo permaneci em silêncio procurando refletir em tudo que havia ouvido. Após algum tempo pedi:― Vamos retomar a nossa história sobre o café?Era, mais ou menos, duas e meia da tarde; eu tinha, ainda, algum tempo antes de voltar para casa. Rozendo aprovou e continuou sua explanação:― Com o estímulo dado pela coroa portuguesa aos fazendeiros do Vale, o café começou a se desenvolver rapidamente passando, em pouco tempo, a ser o principal produto agrícola do Brasil.― Durante o Segundo Reinado foram plantadas várias novas espécies de cafeeiros: o ‘bourbon’, vindo da ilha do mesmo nome; o ‘botucatu’; o ‘café amarelo’; o ‘guatemala’; o ‘maragogipe’ que possu&iac
O português João de Carvalho AntunesPassei o resto da semana fazendo os preparativos para a mudança: como a cidade de Samambaias fica perto do Rio de Janeiro, achei que poderia permanecer durante um tempo maior lá, desfrutando de um dos melhores climas do mundo, além do sossego, do silêncio e da paz. Esses são ingredientes mais do que necessários para eu escrever minhas histórias com tranquilidade. Caso houvesse um imperativo qualquer, eu pegaria o carro e desceria a serra. É uma viagenzinha de hora e meia, talvez...Eu não tinha patrão, nem cartão de ponto e, muito menos horário; ao contrário, era o feliz proprietário de todo o tempo do mundo. Conforme já disse, sobrou um bom dinheiro na minha poupança após a compra do casarão e isso era suficiente para me manter por vários meses em minhas desp