POV CALEB
A escuridão sempre foi minha aliada. Nela, eu caçava, matava e sobrevivia. Mas agora, ela parecia diferente. Densa. Sufocante. Como se tentasse me arrastar para um vazio do qual eu não poderia escapar.
Então, algo cortou a escuridão.
Um cheiro. Doce, quente. Nada como o sangue ou a terra molhada que eu estava acostumado. Era reconfortante, mas, ao mesmo tempo, errado. Um erro que me fazia querer me afundar nele.
Meu corpo protestou ao mínimo movimento, a dor queimando por cada fibra dos meus músculos. Mas o cheiro persistia, se infiltrando em minha mente, me puxando para longe da inconsciência.
Meus olhos se abriram.
A visão ainda estava turva, mas clara o suficiente para perceber que eu não estava mais na floresta. O calor envolvia meu corpo, uma luz branda tremulava nas sombras. Pisquei algumas vezes, tentando me situar.
E então, eu a vi.
Os olhos verdes.
Os mesmos que me fitaram antes da escuridão me consumir. Agora, estavam ali de novo. Observando. Medindo. Seu olhar era intenso, cheio de algo que eu não sabia nomear.
Por que ela ainda estava aqui?
Minha mente começou a encaixar os fragmentos de lembranças. Neve. Sangue. Uma voz sussurrando promessas de que eu estaria seguro.
O toque de mãos humanas. O toque dela.
Meus instintos gritaram para que eu reagisse, que me movesse, que tomasse controle da situação. Mas eu apenas permaneci ali, a observando.
Ela se movia pelo cômodo com uma calma absurda. Como se eu não fosse uma fera ferida capaz de matá-la em segundos.
Cada passo dela parecia ecoar dentro de mim de uma maneira estranha, desconfortável. Eu nunca me importei com presenças antes. Mas agora…
O que era essa sensação?
Por que minha mente se fixava nela?
A vigiei silenciosamente, analisando cada traço, cada expressão. Seu rosto demonstrava cansaço, mas ela não parecia hesitar em continuar. Por quê? O que a fazia cuidar de algo como eu? Não havia medo nela. Nem repulsa. Apenas aquela calma estranha que me confundia.
Mas logo algo dentro de mim se agitou. Um incômodo. Uma inquietação desconhecida.
Por que eu me importava com onde ela estava?
Meus sentidos se aguçaram quando sua presença desapareceu do cômodo. Minha respiração se tornou pesada. O cheiro dela ainda estava ali, mas seu calor, não.
Onde ela foi?
Um rosnado baixo escapou de minha garganta. Meu corpo ainda estava fraco, mas a necessidade de encontrá-la se sobrepôs à dor. Me obriguei a me mover. Cada músculo queimava. Meu peito protestou, minhas pernas tremeram.
Mas eu não poderia simplesmente ficar ali.
O piso rangeu sob meu peso quando consegui me erguer. Minha cabeça girou. Meu focinho captou um rastro fraco, e eu já estava pronto para segui-lo quando—
A porta se abriu. Lá estava ela.
Os cabelos ligeiramente desalinhados pelo vento frio. O olhar fixo em mim. O cheiro dela tomou o ar, afogando meus sentidos, preenchendo cada espaço vazio dentro de mim.
Eu relaxei sem perceber.
Ela voltou.
— Eu trouxe frutas para você. — A voz dela era suave, mas hesitante. — Não tenho mais nada… Me desculpe.
Ela se desculpava?
Apenas a observei. Comida não era o que eu queria. Mas deixei que se aproximasse, sentando-se ao meu lado, oferecendo um pedaço da fruta.
Seus dedos hesitaram antes de tocarem meu focinho. E quando finalmente tocaram… meu corpo inteiro reagiu.
O calor percorreu minha pele como eletricidade, despertando algo primitivo e perigoso dentro de mim.
Seus olhos deslizaram para minhas presas, refletindo a luz da lareira como lâminas. O medo brilhou em seu olhar por um instante. Ela sabia. Eu poderia acabar com tudo ali, arrancar sua mão, tomar o que quisesse. Ela compreendia isso.
Mas, ainda assim… continuou. E eu deixei.
Ela me alimentou. E eu apenas observei.
Seus gestos eram lentos, delicados, mas determinados. Havia algo fascinante na forma como não recuava.
Por que ela fazia isso?
Ela terminou, e então seus olhos desceram para meu corpo. O cenho franziu.
— Suas ataduras… — murmurou. Havia sangue. — Eu preciso trocá-las.
Seu toque deslizou sobre minha pele. Quente. Suave. Inesperado. Minha mente dizia que eu deveria afastá-la. Mas meu corpo se recusava a obedecer.
Apenas observei enquanto suas mãos deslizavam com delicadeza, desfazendo as ataduras encharcadas de sangue para substituí-las por novas.
A sensação foi indescritível. Um calor, um arrepio. Como algo ancestral dentro de mim respondendo ao toque dela.
A noite caiu, e antes que eu percebesse, o sono me venceu. Mas quando despertei… algo estava diferente.
O ar ainda era frio, mas meu corpo estava quente.
Meus sentidos dispararam. Meu olhar encontrou a razão imediatamente.
Enrica.
Seu corpo pequeno estava encolhido ao meu lado. A respiração suave. Os fios de cabelo bagunçados contra a madeira.
Mas o que me fez travar não foi isso.
Foi a coberta sobre mim. A única coberta que existia ali.
Ela cedeu seu próprio calor para mim.
Meu peito se contraiu com algo estranho. Um impulso primitivo gritou dentro de mim. Algo que eu não reconhecia, mas que rugia com força.
Minha mão se moveu antes que eu percebesse, puxando a coberta de volta para ela. Ela não deveria passar frio.
Foi quando vi. O colar.
Minha visão estreitou.
Uma corrente de camurça desgastada pelo tempo. Um colar simples… para olhos desatentos. Mas eu sabia exatamente o que aquilo era.
Um colar de Ômega.
Meus pulmões travaram. O que diabos isso significava?
O fecho bem preso, a camurça marcada… ela o usava há muito tempo.
Para um humano comum, não significaria nada. Mas para um Alfa como eu…
Aquele colar gritava segredos.
Ele escondia um cheiro. Um cheiro que… agora escapava pelas frestas da camurça.
Minha respiração se tornou pesada. O aroma dela se infiltrava em cada célula do meu corpo.
Suave. Doce. Perigoso.
Meu instinto rugiu. Voraz. Exigindo que eu me aproximasse. Que eu a tomasse.
Minhas presas pressionaram contra meus lábios. Meus músculos se contraíram. Isso não podia estar acontecendo.
Meu corpo se inclinou para frente, movido por algo que eu não podia controlar.
O lobo dentro de mim despertava. Feroz. Faminto. Possessivo.
Eu precisava sair dali.
Me afastei bruscamente, quase tropeçando. A distância era necessária.
O ar frio ardeu em meus pulmões, enquanto eu lutava contra algo que eu não entendia, mas que queria me consumir.
O desejo latejava dentro de mim, pulsante e perigoso. Nunca havia sentido algo assim antes. Algo tão profundo, tão avassalador.
E isso me aterrorizava.
Eu tinha que partir. A decisão deveria ter sido simples. Racional. Mas não era.
Porque ao olhar para ela ali, dormindo, vulnerável, com o cheiro dela grudado na minha pele…
Uma única certeza se cravou dentro de mim.
Se eu partisse agora… jamais conseguiria esquecê-la.
Mas eu precisava voltar para Vartheos. Meu reino me chamava, minha alcateia esperava. Eu não pertencia àquele lugar, e cada minuto que passava ali era uma afronta ao que eu conhecia como ordem.
Mas por que era tão difícil simplesmente me virar e ir embora?
Algo me prendia. Um peso no peito. Uma força invisível que se recusava a ser ignorada. Eu não queria nomear aquilo. Mas ele estava ali, me ancorando naquela cabana.
Naquele cheiro. O cheiro dela. Minha mandíbula travou. Aquilo era irracional.
Eu nunca havia sentido tristeza ao deixar algo para trás.
Minha mente gritava que ela não era minha, mas meu corpo queimava com uma verdade primitiva. Meu lobo discordava. Meu instinto exigia que eu garantisse que ninguém jamais a tocaria em minha ausência.
E então, um pensamento me atingiu como um soco no estômago.
Ela poderia já ter um alfa. Alguém que a reivindicasse.
O fogo em minhas veias se acendeu, abrasador, insuportável. O simples pensamento de outro macho tocando-a, respirando o cheiro dela, reivindicando-a…
Minha respiração ficou pesada. Minha visão turvou em vermelho.
Se isso fosse verdade, eu o mataria.
Rosnei, os músculos tensos com uma fúria que não deveria estar ali. Eu não era um alfa jovem e impulsivo, dominado por emoções. Eu era um rei. Meu dever era comandar, não me perder em algo tão insignificante quanto uma mulher.
Mas meu corpo discordava.
Eu não podia partir sem garantir que ela estaria protegida. Sem deixar claro para qualquer um que se atrevesse a cruzar este território que ela já estava marcada.
Me aproximei da entrada da cabana, erguendo a perna e impregnando minha essência ali. o Mijo quente respingou o suficiente para deixar meu cheiro na madeira do lado de fora.
Um aviso silencioso, uma sentença invisível. Ela não podia ver, mas qualquer alfa sentiria.
Mas não bastava. Eu precisava de mais.
Girei sobre minhas patas e pressionei meu corpo contra a madeira, esfregando cada centímetro de mim contra as paredes externas da cabana.
Meu lobo rugiu, satisfeito. Meu cheiro agora estava nela. No abrigo dela. No único espaço que era só dela.
Cada célula do meu corpo vibrou com satisfação. Minha presença estava ali.
Minha sombra pairava sobre ela.
Ela ainda não sabia. Mas qualquer um que ousasse cruzar este território sentiria a ameaça no ar.
Dei um passo para trás, inspirando fundo. A cabana estava impregnada com meu cheiro. Nenhum alfa ousaria se aproximar sem hesitar.
Era irracional, mas eu me sentia melhor.
Sem olhar para trás, corri para a escuridão da floresta. Meu destino era Vartheos. Meu dever me chamava.
Mas enquanto eu me afastava, o cheiro dela ainda estava em mim.
E uma certeza se cravou em minha mente.
Eu voltaria.
E não sabia dizer se isso era uma promessa ou uma ameaça.
POV CALEBO castelo surgiu no horizonte como uma sentinela silenciosa, um farol sombrio na vastidão gelada de Vartheos. As torres perfuravam o céu acinzentado, e as bandeiras negras tremulavam com o vento cortante, carregando o brasão do reino como um aviso.Eu deveria me sentir em casa. Mas não me sentia.Cada pedra, cada sombra naquele castelo deveria me ser familiar. Mas agora, parecia estranho. Como se eu fosse um estrangeiro em minha própria terra.O frio me recebeu como um golpe de lâmina quando pisei dentro dos portões. Meu corpo protestou contra a transformação, músculos enrijecidos queimando com a dor da mudança abrupta. Minha pele nua se arrepiou, e o vento cortante me lembrou de que eu ainda estava ferido, exausto e marcado pela batalha.Um dos guardas hesitou antes de retirar seu próprio manto e me estender, sem dizer uma palavra. Peguei a peça de roupa e a vesti rapidamente, cobrindo os cortes e hematomas que ainda latejavam. Meu corpo pulsava de dor, mas aparecer diante
POV ENRICAAcordei com uma estranha sensação de vazio, um aperto incômodo no peito que se espalhava antes mesmo que minha mente pudesse processar o motivo. Algo estava errado. Permaneci imóvel por um instante, esperando que essa impressão se dissipasse, que fosse apenas um resquício de algum sonho que já havia se esvaído na inconsciência. Mas não passou. Era real. Meu corpo sabia antes mesmo que meus olhos se abrissem. O peso ao meu lado, o calor constante que havia preenchido o pequeno espaço da cabana nas últimas horas, havia desaparecido. Meu coração perdeu um compasso. Virei-me devagar, meus dedos deslizando pelo colchão improvisado até onde ele havia estado na noite anterior. Tudo o que encontrei foi o frio. Meus pulmões se encheram, mas o ar pareceu pesado, difícil de ser puxado. Eu sabia que isso aconteceria. Ele era um lobo selvagem, pertencente à floresta. Mas, ainda assim, a confirmação de sua ausência me atingiu com mais força do que deveria. Sentei-me, levand
POV CALEB— Quando você vai voltar? — Samuel perguntou de repente, sua voz casual. Meu olhar disparou para ele. — Eu não disse que vou voltar. Oliver riu de novo. — Não precisa dizer. Nós sabemos. Está estampado na sua cara. Samuel inclinou-se para frente, sua expressão ficando mais séria. — Talvez ela seja a certa para você. Meus ombros enrijeceram. A ideia se enroscou em minha mente como um veneno doce, perigoso e viciante. — Você sabe que não posso — minha voz saiu baixa, quase um sussurro. — Por que não? — Samuel insistiu. — Por que seu lobo é instável? Por que tem medo de que ela o rejeite?As palavras atingiram algo profundo dentro de mim. Era isso. O medo, a insegurança que eu tentava mascarar com raiva e distância.Meu lobo não era como os outros. Minha transformação era imprevisível. Meu controle, frágil. Meu controle sempre foi uma ilusão bem sustentada, uma barreira entre quem eu queria ser e o monstro que me espreitava sob a pele. E colocar Enrica perto
POV CALEBA respiração dela estava baixa, ritmada, como se o peso de suas próprias palavras ainda estivesse se acomodando dentro dela. Enrica não percebeu o impacto do que dissera, mas eu senti cada sílaba reverberando no fundo do meu peito.Ela estava sozinha. E isso me incomodava mais do que eu queria admitir.Seus dedos ainda estavam sobre minha pelagem, quentes, hesitantes, mas sem recuar. Seu cheiro oscilava entre incerteza e um alívio que me aquecia de uma forma inexplicável. Mas havia algo mais ali, escondido sob as camadas de controle que ela tentava manter. Um vazio.— Às vezes, acho que me acostumei com isso — ela continuou, sua voz um sussurro para si mesma. — Mas noites como essa me lembram que não.A forma como seu corpo se curvava levemente, como se estivesse acostumada a se manter pequena, invisível, me fez rosnar baixo. O som reverberou no fundo da minha garganta. Não era uma ameaça, mas carregava algo primitivo, algo que nem eu conseguia nomear.Ela estava tão acostum
POV ENRICAO lobo diante de mim estava tenso, os olhos vermelhos brilhando como brasas enquanto me observava de perto. Meu coração ainda batia rápido depois do que ele tinha feito. Eu deveria estar assustada, deveria querer distância depois daquele gesto inesperado. Mas, por algum motivo, não consegui me afastar.Passei a língua pelos lábios, sentindo a pele quente onde a língua áspera dele havia tocado. Minha mente gritava que aquilo não fazia sentido, que eu deveria me afastar, mas meu corpo parecia reagir a ele de uma maneira que não conseguia controlar.Suspirei, tentando aliviar a tensão.— Acho que meus hormônios estão desregulados — murmurei, mais para mim mesma do que para ele. — Tem acontecido com frequência… essa sensação estranha, como se meu corpo estivesse mudando. Talvez seja por isso que os homens ficam tão esquisitos perto de mim.O lobo moveu-se ligeiramente, as orelhas se erguendo. Ele estava atento, absorvendo cada palavra.— Não sei o que é exatamente — continuei,
POV ENRICAEu ri sem humor, desviando o olhar.— Estou bem, Marco — respondi com leveza, pegando uma maçã da barraca ao lado. — Só… tem sido um inverno difícil. Ele suspirou, cruzando os braços. — Você devia sair daquela cabana, sabia? Viver sozinha no meio da floresta não é seguro. Apertei os lábios, sentindo o mesmo aperto de sempre quando esse assunto surgia.— Eu já te disse. Não posso. É o último lugar que ainda me liga aos meus pais. Marco me observou por um instante, sua expressão suavizando. — Eu entendo, Rica. Mas isso não significa que você precisa se isolar. Desviei o olhar, focando na maçã em minhas mãos. Antes que ele pudesse continuar com seu sermão, algo chamou minha atenção.O jornal dobrado embaixo do braço dele.— O que é isso?Marco seguiu meu olhar e bufou. — Ah, só mais um artigo sobre a realeza. Ele desdobrou o jornal e mostrou a página principal. Meu olhar foi direto para a imagem de um homem de aparência imponente. Príncipe Caleb de Vartheos. H
POV ENRICAO rosnado reverberou pela cabana, baixo e carregado de algo que eu não conseguia identificar completamente. Meu corpo enrijeceu, os pelos da minha nuca se arrepiaram, e, por um instante, o ar ao meu redor pareceu pesado, espesso. Virei-me devagar, encontrando os olhos vermelhos incandescentes cravados em mim. Mas havia algo errado naquele olhar. Ele me observava de um jeito diferente, como se estivesse me vendo pela primeira vez. O som ameaçador cessou, mas a tensão não desapareceu. Seus músculos estavam rígidos, os pelos eriçados, o corpo maior do que nunca. — Ei… — minha voz saiu baixa, hesitante. O lobo avançou um passo brusco, e um arquejo escapou dos meus lábios enquanto meu corpo reagia por puro instinto, recuando contra a bancada. Meu coração disparou, e por um instante, a ideia de que ele me atacaria cruzou minha mente. Mas não havia agressividade em seus olhos. Havia algo muito, muito pior. O peso da sua presença me cercava sem que ele precisasse sequ
POV CALEBNo instante em que senti o cheiro, soube que algo estava errado. Não era o vento frio da floresta, nem a umidade da madrugada. Era um vestígio. Fraco. Quase imperceptível. Mas presente.Meu lobo reagiu antes de mim, os pelos se eriçando em um alerta silencioso. Meu faro se expandiu, procurando qualquer sinal de movimento, qualquer ameaça que se escondesse na escuridão. Algo esteve aqui. Algo que não deveria estar.Mas não havia nada. Somente o silêncio absoluto da floresta. Meus músculos se retesaram, e meu lobo rugiu em silêncio. Eu não gostava disso. A sensação de que algo espreitava na sombra. Meus olhos percorreram a área, minhas garras se cravaram no chão. Não importava quem ou o quê estivesse ali. Eu não deixaria nada chegar até ela.Fortaleci minha marca na cabana, roçando meu cheiro contra a madeira de forma mais agressiva, deixando um aviso ainda mais claro. Se alguém ousasse entrar naquele território, eu arrancaria sua garganta com os dentes.Mas isso não era o