POV CALEBMe sentei no muro de pedra do castelo, o vento frio cortando minha pele enquanto meus olhos percorriam a cidade abaixo. As luzes tremulavam como estrelas presas no chão, as ruas ainda movimentadas, mesmo com a noite avançada. O reino que esperava que eu seguisse as tradições, que eu me dobrasse às suas exigências, que eu me tornasse um rei moldado por suas vontades.Mas minha mente não estava ali. Estava a quilômetros de distância, em uma cabana isolada na floresta.Em Enrica.Minha mandíbula se contraiu ao lembrar do cheiro dela, do jeito que sua voz preenchia aquele espaço pequeno e quente, da forma como seu olhar me atravessava sem nem ao menos perceber. Eu sentia o peso de sua solidão, e isso me enfurecia mais do que eu gostaria de admitir. Não deveria me importar. Mas a verdade era que eu queria voltar. Agora.Minhas mãos se fecharam em punhos. Meu dever estava aqui, mas cada fibra do meu corpo gritava que o meu lugar era ao lado dela.Como eu poderia conciliar as duas
POV ENRICAO vento cortante soprava contra a cabana, uivando como uma entidade raivosa, mas foi outro som que me despertou no meio da noite. Um uivo, longo e carregado de um sofrimento que eu não sabia nomear. Não era apenas um chamado ou um aviso, era um lamento profundo, um grito de dor rasgando a escuridão.Sentei-me na cama, ofegante. Meu coração martelava forte contra o peito, a sensação de inquietação se espalhando por minhas veias como veneno. A lareira ainda crepitava, lançando sombras trêmulas contra as paredes de madeira. Mas o calor não era suficiente para abafar o arrepio que se arrastou pela minha pele.Outro uivo ecoou, mais fraco dessa vez, como se a própria noite estivesse engolindo sua força. Engoli em seco. Algo estava errado.Levantei-me sem hesitação, puxando um casaco grosso e calçando minhas botas. O medo sussurrava para eu ignorar aquele chamado, mas a curiosidade sempre foi um veneno que corriam em minhas veias. E eu precisava ver com meus próprios olhos o que
POV CALEBA escuridão sempre foi minha aliada. Nela, eu caçava, matava e sobrevivia. Mas agora, ela parecia diferente. Densa. Sufocante. Como se tentasse me arrastar para um vazio do qual eu não poderia escapar.Então, algo cortou a escuridão.Um cheiro. Doce, quente. Nada como o sangue ou a terra molhada que eu estava acostumado. Era reconfortante, mas, ao mesmo tempo, errado. Um erro que me fazia querer me afundar nele.Meu corpo protestou ao mínimo movimento, a dor queimando por cada fibra dos meus músculos. Mas o cheiro persistia, se infiltrando em minha mente, me puxando para longe da inconsciência.Meus olhos se abriram.A visão ainda estava turva, mas clara o suficiente para perceber que eu não estava mais na floresta. O calor envolvia meu corpo, uma luz branda tremulava nas sombras. Pisquei algumas vezes, tentando me situar.E então, eu a vi.Os olhos verdes.Os mesmos que me fitaram antes da escuridão me consumir. Agora, estavam ali de novo. Observando. Medindo. Seu olhar era
POV CALEBO castelo surgiu no horizonte como uma sentinela silenciosa, um farol sombrio na vastidão gelada de Vartheos. As torres perfuravam o céu acinzentado, e as bandeiras negras tremulavam com o vento cortante, carregando o brasão do reino como um aviso.Eu deveria me sentir em casa. Mas não me sentia.Cada pedra, cada sombra naquele castelo deveria me ser familiar. Mas agora, parecia estranho. Como se eu fosse um estrangeiro em minha própria terra.O frio me recebeu como um golpe de lâmina quando pisei dentro dos portões. Meu corpo protestou contra a transformação, músculos enrijecidos queimando com a dor da mudança abrupta. Minha pele nua se arrepiou, e o vento cortante me lembrou de que eu ainda estava ferido, exausto e marcado pela batalha.Um dos guardas hesitou antes de retirar seu próprio manto e me estender, sem dizer uma palavra. Peguei a peça de roupa e a vesti rapidamente, cobrindo os cortes e hematomas que ainda latejavam. Meu corpo pulsava de dor, mas aparecer diante
POV ENRICAAcordei com uma estranha sensação de vazio, um aperto incômodo no peito que se espalhava antes mesmo que minha mente pudesse processar o motivo. Algo estava errado. Permaneci imóvel por um instante, esperando que essa impressão se dissipasse, que fosse apenas um resquício de algum sonho que já havia se esvaído na inconsciência. Mas não passou. Era real. Meu corpo sabia antes mesmo que meus olhos se abrissem. O peso ao meu lado, o calor constante que havia preenchido o pequeno espaço da cabana nas últimas horas, havia desaparecido. Meu coração perdeu um compasso. Virei-me devagar, meus dedos deslizando pelo colchão improvisado até onde ele havia estado na noite anterior. Tudo o que encontrei foi o frio. Meus pulmões se encheram, mas o ar pareceu pesado, difícil de ser puxado. Eu sabia que isso aconteceria. Ele era um lobo selvagem, pertencente à floresta. Mas, ainda assim, a confirmação de sua ausência me atingiu com mais força do que deveria. Sentei-me, levand
POV CALEB— Quando você vai voltar? — Samuel perguntou de repente, sua voz casual. Meu olhar disparou para ele. — Eu não disse que vou voltar. Oliver riu de novo. — Não precisa dizer. Nós sabemos. Está estampado na sua cara. Samuel inclinou-se para frente, sua expressão ficando mais séria. — Talvez ela seja a certa para você. Meus ombros enrijeceram. A ideia se enroscou em minha mente como um veneno doce, perigoso e viciante. — Você sabe que não posso — minha voz saiu baixa, quase um sussurro. — Por que não? — Samuel insistiu. — Por que seu lobo é instável? Por que tem medo de que ela o rejeite?As palavras atingiram algo profundo dentro de mim. Era isso. O medo, a insegurança que eu tentava mascarar com raiva e distância.Meu lobo não era como os outros. Minha transformação era imprevisível. Meu controle, frágil. Meu controle sempre foi uma ilusão bem sustentada, uma barreira entre quem eu queria ser e o monstro que me espreitava sob a pele. E colocar Enrica perto
POV CALEBA respiração dela estava baixa, ritmada, como se o peso de suas próprias palavras ainda estivesse se acomodando dentro dela. Enrica não percebeu o impacto do que dissera, mas eu senti cada sílaba reverberando no fundo do meu peito.Ela estava sozinha. E isso me incomodava mais do que eu queria admitir.Seus dedos ainda estavam sobre minha pelagem, quentes, hesitantes, mas sem recuar. Seu cheiro oscilava entre incerteza e um alívio que me aquecia de uma forma inexplicável. Mas havia algo mais ali, escondido sob as camadas de controle que ela tentava manter. Um vazio.— Às vezes, acho que me acostumei com isso — ela continuou, sua voz um sussurro para si mesma. — Mas noites como essa me lembram que não.A forma como seu corpo se curvava levemente, como se estivesse acostumada a se manter pequena, invisível, me fez rosnar baixo. O som reverberou no fundo da minha garganta. Não era uma ameaça, mas carregava algo primitivo, algo que nem eu conseguia nomear.Ela estava tão acostum
POV ENRICAO lobo diante de mim estava tenso, os olhos vermelhos brilhando como brasas enquanto me observava de perto. Meu coração ainda batia rápido depois do que ele tinha feito. Eu deveria estar assustada, deveria querer distância depois daquele gesto inesperado. Mas, por algum motivo, não consegui me afastar.Passei a língua pelos lábios, sentindo a pele quente onde a língua áspera dele havia tocado. Minha mente gritava que aquilo não fazia sentido, que eu deveria me afastar, mas meu corpo parecia reagir a ele de uma maneira que não conseguia controlar.Suspirei, tentando aliviar a tensão.— Acho que meus hormônios estão desregulados — murmurei, mais para mim mesma do que para ele. — Tem acontecido com frequência… essa sensação estranha, como se meu corpo estivesse mudando. Talvez seja por isso que os homens ficam tão esquisitos perto de mim.O lobo moveu-se ligeiramente, as orelhas se erguendo. Ele estava atento, absorvendo cada palavra.— Não sei o que é exatamente — continuei,