POV CALEB
Meus deveres como príncipe exigiam minha atenção, e eu tentava, com todas as forças, me convencer de que nada havia mudado.
Mas era mentira.
Os salões do castelo fervilhavam com a movimentação costumeira, conselheiros discutindo alianças, soldados marchando pelos corredores de pedra, ecos de ordens e estratégias que deveriam ser minha prioridade. Mas não eram.
Minha mente estava em outro lugar.
Com ela.
A lembrança de seu cheiro ainda pairava ao meu redor, insistente como um veneno que não podia ser expelido. O vazio deixado por sua ausência se espalhava dentro de mim como uma ferida aberta. Eu não deveria sentir isso. Eu odiava sentir isso.
— Você está estranho, Caleb. — Samuel quebrou o silêncio ao meu lado, cruzando os braços enquanto me analisava com o olhar atento. — Desaparece por quatro dias, volta cheio de ferimentos e agora age como se estivesse possuído. O que diabos aconteceu?
— Foi um vacilo — murmurei, sem vontade de prolongar o assunto.
— Vacilo? — Oliver ergueu uma sobrancelha, descrente. — Você nunca vacila.
Ignorei a provocação e continuei andando, mas sabia que eles não largariam do meu pé tão facilmente.
— Caçadores — esclareci, seco. — Fui atingido, mas nada grave.
Oliver soltou uma risada irônica.
— Nada grave? Você parecia um maldito cadáver. E como diabos conseguiu escapar daquele jeito?
Minha mandíbula se contraiu. Eu sabia que não conseguiria escapar dessa conversa sem dar respostas. Suspirei, vencido.
— Fui salvo por um ômega.
O silêncio caiu entre nós como um trovão abafado. Os dois se entreolharam antes de explodirem em risadas.
— Você? Salvo por um ômega? — Oliver zombou, apoiando-se contra a parede. — Essa eu preciso ouvir.
Samuel ainda me observava com cautela, sua incredulidade evidente.
— Você nunca aceitou ajuda de ninguém, muito menos de um ômega. O que mudou?
Passei a mão pelo rosto, exausto.
— Eu não tive escolha. Ela me encontrou quando eu estava quase inconsciente e cuidou dos meus ferimentos.
Samuel inclinou a cabeça, avaliando minhas palavras.
— Ela? Então é uma ômega.
— O nome dela é Enrica — admiti, quase contra minha vontade. — Mas não sei muito sobre ela.
Oliver assobiou baixo.
— Uma desconhecida que salvou sua vida? Interessante. Aposto que ela já tem um alfa.
O sangue subiu instantaneamente à minha cabeça. Um rosnado gutural escapou de minha garganta antes que eu pudesse conter.
Oliver me encarou, surpreso, enquanto Samuel ergueu as mãos em rendição.
— Calma aí — ele disse, ainda pasmo. — Desde quando você se importa se uma ômega tem ou não um alfa?
Oliver analisou minha expressão com um brilho divertido nos olhos.
— Você nunca ligou para essas coisas de Luna, de vínculos, de ligação de sangue. Nunca quis se prender a ninguém. Mas agora… — ele estreitou os olhos. — Isso parece te incomodar.
Minha respiração ficou pesada.
Eu odiava admitir, mas a ideia de Enrica pertencendo a outro era insuportável.
— Não seja ridículo — murmurei, tentando retomar o controle. — Só estou dizendo que não devemos tirar conclusões precipitadas.
Samuel e Oliver trocaram um olhar carregado de significado. Meus punhos se cerraram quando Oliver abriu um sorriso zombeteiro.
— Pelo jeito, alguém já deixou sua marca naquela cabana — ele provocou. — Aposto que a floresta inteira sabe que você esteve lá.
Samuel arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços.
— Você fez isso, não fez? — seu tom não era acusador, apenas curioso. — Marcou o território.
Outro rosnado reverberou em meu peito antes que eu pudesse impedir. Oliver riu.
— Acho que não precisamos de resposta. Sua reação já disse tudo.
Eu os encarei com um olhar afiado, mas eles não pareciam intimidados.
— Isso não significa nada — retruquei, minha voz saindo mais ríspida do que eu pretendia. — Foi instintivo.
— Ah, claro — Oliver sorriu ainda mais. — Instintivo.
O fato de que estavam certos só tornava tudo pior. Eu sabia o que fiz.
Deixar meu cheiro impregnado na cabana, marcá-la como parte do meu território… eu não deveria ter feito isso.
Mas fiz. E agora eu não conseguia parar de pensar nisso. Ou nela.— Quando você vai voltar? — Samuel perguntou de repente, sua voz casual.
Meu olhar disparou para ele.
— Eu não disse que vou voltar.
Oliver riu de novo.
— Não precisa dizer. Nós sabemos. Está estampado na sua cara.
Samuel inclinou-se para frente, sua expressão ficando mais séria.
— Talvez ela seja a certa para você.
Meus ombros enrijeceram. A ideia se enroscou em minha mente como um veneno doce, perigoso e viciante.
— Você sabe que não posso — minha voz saiu baixa, quase um sussurro.
— Por que não? — Samuel insistiu. — Por que seu lobo é instável? Por que tem medo de que ela o rejeite?
As palavras atingiram algo profundo dentro de mim. Era isso. O medo, a insegurança que eu tentava mascarar com raiva e distância.
Meu lobo não era como os outros. Minha transformação era imprevisível. Meu controle, frágil. Meu controle sempre foi uma ilusão bem sustentada, uma barreira entre quem eu queria ser e o monstro que me espreitava sob a pele.
E colocar Enrica perto de algo assim…
— Eu poderia machucá-la — admiti, passando a mão pelo rosto, frustrado.
— Ou ela poderia aceitá-lo como você é — Oliver rebateu. — Já pensou nisso?
Minha respiração ficou pesada. Claro que já havia pensado. Mas aceitar essa possibilidade era tão perigoso quanto a negar.
Samuel deu um sorriso de canto, percebendo minha hesitação.
— O fato de você estar se perguntando isso já diz muito, Caleb.
Eu não respondi. Porque, no fundo, eu sabia que eles estavam certos. E isso tornava tudo ainda mais complicado.
Minhas mãos se fecharam em punhos e, antes que eu percebesse, meus pés já me levavam para fora do salão. Eu precisava de espaço, ar, qualquer coisa que apagasse esse desejo irracional. Mas ao alcançar os portões do castelo, um cheiro carregado pelo vento congelou meu corpo.
Doce. Quente. Inconfundível. Meu coração socou meu peito. Ela.
Mesmo longe, mesmo sem a ver, ainda estava comigo.
Meu coração martelou contra o peito, e uma certeza perigosa tomou conta de mim. Mas essa certeza era um problema. Um erro que eu não podia cometer. Eu não pertencia a esse lugar. Não pertencia a ela. Mas por que, então, meu corpo inteiro gritava o contrário?
As palavras de minha mãe voltaram à minha mente como correntes apertando meu peito.
— Você precisa escolher uma Luna de linhagem real. O futuro do reino depende disso.
Um rosnado silencioso cresceu em minha garganta, e algo dentro de mim despedaçou-se e remontou de forma irreversível.
Eu deveria me importar com o que minha mãe exigia, com a política, com a linhagem. Mas tudo isso desaparecia no instante em que o cheiro de Enrica se misturava ao meu sangue, tornando-se parte de mim.
Desde que a deixei, algo dentro de mim se remexia inquieto, como um animal preso em uma gaiola apertada demais. Um chamado, um instinto, uma necessidade visceral que não dava trégua.
Eu não poderia mais ignorar.
Meus músculos se contraíram quando meu corpo tomou a decisão antes mesmo que minha mente processasse. Não pensei nas consequências. Não pensei no que viria depois. Apenas segui o que meu lobo exigia.
Mas eu não voltaria como príncipe.
POV CALEBQuando alcancei a floresta, me afastei o suficiente para que ninguém me visse e deixei minha forma real tomar o controle. A dor veio primeiro — ossos estalando, músculos se expandindo, pele ardendo no processo brutal de transição, o pelo negro de minha forma lupina. O mundo se tornou mais instintivo, mais afiado. Cada som e cheiro se intensificaram, e entre todos eles, um me puxava para frente. O dela.Corri pela neve, cortando a escuridão da noite com velocidade brutal. Meu corpo se movia sozinho, guiado por algo que eu não compreendia, mas não ousava desafiar.E então, a cabana apareceu diante de mim. O cheiro dela ainda estava ali, mas algo estava errado.Minha respiração desacelerou, captando o gosto da angústia impregnado no ar. Um rosnado baixo escapou da minha garganta, minha pele formigando com uma fúria surda. Ela estava sofrendo. E eu não sabia por quê.Aproximei-me com cautela, ocultando-me entre as sombras das árvores. Meus olhos captaram a luz fraca tremeluzindo
POV CALEBA respiração dela estava baixa, ritmada, como se o peso de suas próprias palavras ainda estivesse se acomodando dentro dela. Enrica não percebeu o impacto do que dissera, mas eu senti cada sílaba reverberando no fundo do meu peito.Ela estava sozinha. E isso me incomodava mais do que eu queria admitir.Seus dedos ainda estavam sobre minha pelagem, quentes, hesitantes, mas sem recuar. Seu cheiro oscilava entre incerteza e um alívio que me aquecia de uma forma inexplicável. Mas havia algo mais ali, escondido sob as camadas de controle que ela tentava manter. Um vazio.— Às vezes, acho que me acostumei com isso — ela continuou, sua voz um sussurro para si mesma. — Mas noites como essa me lembram que não.A forma como seu corpo se curvava levemente, como se estivesse acostumada a se manter pequena, invisível, me fez rosnar baixo. O som reverberou no fundo da minha garganta. Não era uma ameaça, mas carregava algo primitivo, algo que nem eu conseguia nomear.Ela estava tão acostuma
POV CALEBAvancei um pouco, mantendo meus movimentos lentos, cuidadosos. Eu queria que ela entendesse que eu não era uma ameaça. Que nunca seria. Meus olhos se fixaram nos dela, minha respiração quente escapando em baforadas suaves na pouca distância que nos separava.Ela estendeu a mão, hesitante, seus lábios se entreabrindo como se quisesse dizer algo, mas se conteve. Suas pupilas dilataram, o coração acelerado bombeando sua essência pelo ar. Meu lobo rugiu em satisfação silenciosa. Ela sentia a conexão, mesmo sem entender o que era.E então, seus dedos tocaram algo inesperado. Meu pingente.Passou o polegar devagar sobre os símbolos cravados na joia. Meus músculos tensionaram no mesmo instante. O olhar dela se fixou na peça de metal, e sua expressão mudou. Curiosidade, surpresa… suspeita.— O que é isso? — murmurou, passando o polegar lentamente sobre o brasão de Vartheos gravado na joia. — Você pertence ao castelo?O simples som daquela pergunta fez algo em mim se incendiar. Meu pe
POV ENRICA— Ah! — soltei um riso surpreso, olhando para ele. — Então era isso? Você só queria brincar? O grande lobo negro ficou sobre mim, as patas firmes ao lado do meu corpo, o olhar fixo no meu. O peito dele subia e descia devagar, e por um momento, achei que ele ficaria assim, apenas me analisando. E então uma língua quente deslizou pela minha bochecha, longa e molhada, me fazendo soltar outro riso. — Ei! — protestei entre gargalhadas, tentando me afastar, mas ele não parou. O lobo continuou, lambendo meu pescoço, depois meu ombro, roçando o focinho contra minha pele exposta. Seu calor era intenso, e cada toque da língua dele enviava cócegas por todo o meu corpo. — Você realmente gosta de fazer isso, hein? — brinquei, entre risos, tentando revidar ao passar a mão pelo pelo espesso dele. Meus dedos se afundaram na pelagem negra, e o senti se contrair levemente antes de relaxar contra mim. Mas então, como se um estalo passasse por ele, o lobo parou. Seus músculos fica
POV ENRICAEu ri sem humor, desviando o olhar.— Estou bem, Marco — respondi com leveza, pegando uma maçã da barraca ao lado. — Só… tem sido um inverno difícil. Ele suspirou, cruzando os braços. — Você devia sair daquela cabana, sabia? Viver sozinha no meio da floresta não é seguro. Apertei os lábios, sentindo o mesmo aperto de sempre quando esse assunto surgia.— Eu já te disse. Não posso. É o último lugar que ainda me liga aos meus pais. Marco me observou por um instante, sua expressão suavizando. — Eu entendo, Rica. Mas isso não significa que você precisa se isolar. Desviei o olhar, focando na maçã em minhas mãos. Antes que ele pudesse continuar com seu sermão, algo chamou minha atenção.O jornal dobrado embaixo do braço dele.— O que é isso?Marco seguiu meu olhar e bufou. — Ah, só mais um artigo sobre a realeza. Ele desdobrou o jornal e mostrou a página principal. Meu olhar foi direto para a imagem de um homem de aparência imponente. Príncipe Caleb de Vartheos. Ha
POV ENRICAEntrei na cabana e soltei um suspiro longo. O lobo negro continuava ali, parado na entrada como uma sombra imponente, os olhos vermelhos me acompanhando em silêncio. — Você realmente ficou aqui o tempo todo, não é? — sorri, fechando a porta atrás de mim. — Bom menino. Ele não reagiu, mas algo na forma como me observava fez meu estômago se apertar. Ignorando a estranha sensação, pendurei o casaco e caminhei até a pequena cozinha. Meus dedos estavam gelados pelo frio, e eu mal sentia minhas pernas depois da caminhada. Tudo o que eu queria era uma refeição quente. Peguei a sacola com as compras e comecei a tirar os itens, separando o que precisava para preparar meu jantar. Peguei um pedaço de carne crua e ergui na direção do lobo. — Trouxe algo pra você também. — balancei o pedaço diante dele. — Espero que goste. Ele sequer piscou. Minha sobrancelha arqueou. — Ah, então você é exigente, é isso? — provoquei, girando a carne na minha mão. — Prefere que eu asse prime
POV CALEBO cheiro dela me atingiu como um raio. Quente. Suave. Perfeito.Toda a tensão que dominava meu corpo se desfez no mesmo instante. Meu lobo, que antes rugia de frustração e desejo reprimido, agora estava… em paz. Era ela. Ela era a resposta.Passei tanto tempo lutando contra impulsos incontroláveis, contra o instinto primitivo que exigia destruição, que essa nova sensação me pegou desprevenido. Por que apenas ela me acalmava? Por que nenhuma outra fêmea jamais teve esse efeito?Meus olhos estavam cravados nela, cada pequeno gesto me puxando para mais perto. — Hm… parece que você gostou mais de mim agora, não é, grandão? — Enrica brincou, rindo baixinho enquanto mexia nos cabelos. Minha atenção se intensificou. Ela não fazia ideia do que havia acabado de fazer comigo. Do que significava para mim. Ela suspirou e voltou para suas tarefas, sem perceber que eu estava absorvendo cada pequeno detalhe dela. Enquanto costurava, suas sobrancelhas se franziram, e um pequeno biquin
POV CALEBNo instante em que senti o cheiro, soube que algo estava errado. Não era o vento frio da floresta, nem a umidade da madrugada. Era um vestígio. Fraco. Quase imperceptível. Mas presente.Meu lobo reagiu antes de mim, os pelos se eriçando em um alerta silencioso. Meu faro se expandiu, procurando qualquer sinal de movimento, qualquer ameaça que se escondesse na escuridão. Algo esteve aqui. Algo que não deveria estar.Mas não havia nada. Somente o silêncio absoluto da floresta. Meus músculos se retesaram, e meu lobo rugiu em silêncio. Eu não gostava disso. A sensação de que algo espreitava na sombra. Meus olhos percorreram a área, minhas garras se cravaram no chão. Não importava quem ou o quê estivesse ali. Eu não deixaria nada chegar até ela.Fortaleci minha marca na cabana, roçando meu cheiro contra a madeira de forma mais agressiva, deixando um aviso ainda mais claro. Se alguém ousasse entrar naquele território, eu arrancaria sua garganta com os dentes.Mas isso não era o