CAPÍTULO I

Vittorio Moreti

Os primeiros raios de sol mal tocavam o horizonte. O quarto era o reflexo do caos contido na mente de Vittorio Moretti. A fumaça do cigarro se misturava ao cheiro amadeirado do uísque em seu copo, criando uma atmosfera tão densa quanto os pensamentos que o perseguiam. Ele encarava o espelho com intensidade, como se tentasse desvendar os próprios demônios.

Cosa manca alla mia vita ? O que está faltando na minha vida ? — Ele debruça sobre a pia respirando fundo — Non so nemmeno cosa sia...Nem eu mesmo sei o que é isso...

Um homem como Vittorio, Don aos dezesseis anos, não deveria se permitir fraquezas. Ele era o poder em sua forma mais crua, um líder temido e respeitado, cuja reputação atravessava oceanos. Seu corpo, coberto por tatuagens e cicatrizes, era o retrato de sua história, vitórias e perdas, tudo marcado na carne. Mas naquele instante, diante de sua própria imagem, uma sombra de dúvidas pairava em seus olhos.

O som da porta do quarto se abrindo o trouxe de volta à realidade. Seu corpo enrijeceu por reflexo, mas relaxou ao reconhecer Luca, seu braço direito e confidente.

— Entre, Luca. — Sua voz voltou a soar fria, como o gelo.

— Vittorio… Pensei que depois de duas horas com aquelas putas, você estaria mais relaxado. — Luca lançou um sorriso zombeteiro, encostando-se à mesa e cruzando os braços.

— Não quero mais essas prostitutas por aqui. — retrucou Vittorio, fechando o robe com firmeza e ignorando a provocação. 

— Já disse ao Nicola para trazer mulheres que saibam das minhas exigências.

Luca arqueou uma sobrancelha, o tom divertido desapareceu em preocupação.

— Elas tentaram te tocar?

Vittorio virou-se para encarar o amigo, o olhar glacial.

— Sim. Você sabe que não tolero isso. Deixei claro que não quero nada de toques, nada de beijos. Só devem fazer o que eu permito. — Ele virou-se de volta para o espelho, seu reflexo capturando o lampejo de fúria que reluzia em seus olhos. 

— Quase descarreguei a arma na cabeça daquela vadia, mas consegui me controlar.

O amigo suspirou.

— Precisamos ir para a América.

— Que caralho, Luca! — Vittorio bateu o copo no balcão com força. 

— Sabe o quanto eu odeio aquele país cheio de moralistas hipócritas. Mafiosos de merda que não têm colhões para nada. Você vai no meu lugar.

Luca hesitou antes de responder, ciente da frustração crescente no Don.

— É uma reunião entre famílias, Vittorio. Alianças importantes serão feitas. Não podemos enviar um representante. Você é o Don!

Antes que Vittorio pudesse retrucar, a porta foi aberta novamente e Alonso, outro de seus homens de confiança, entrou com um sorriso zombeteiro. Ele ignorou o clima tenso e se serviu de uma dose de uísque, lançando um olhar cúmplice para Luca.

— Duas horas com aquelas gatas e ele ainda está assim? — provocou Alonso.

— Vão para a putta que pariu e me deixem em paz! — Vittorio apontou um dedo para os dois, irritado.

Fechou-se no banheiro, batendo a porta com força. Do quarto, ouvia as risadas abafadas de Luca e Alonso. Apenas eles tinham permissão para ultrapassar certos limites, qualquer outro homem já estaria morto por muito menos.

Sozinho, Vittorio encarou novamente o espelho. A imagem refletida era a de um homem imponente, com a beleza que mais parecia uma maldição. Seu rosto angelical e sua voz grave e sedutora eram armas que confundiam até os mais experientes, mas ele sabia que por trás daquela aparência havia um monstro, um líder cruel e implacável que construiu seu império com sangue e medo.

Na máfia, havia regras que nem mesmo ele podia quebrar. Como Don, precisava de um herdeiro legítimo para garantir a continuidade do poder. Os acordos feitos entre seu padrinho e o Don grego o pressionavam, mas Vittorio era inflexível: nenhuma tradição o forçaria a se casar ou ceder às exigências de outro homem.

“Amor é fraqueza”. — pensou. Havia aprendido isso da pior forma, com a morte de seus pais. Para Vittorio, não existia espaço para sentimentos. As mulheres que passavam por sua cama sabiam das regras, nunca o tocavam, nunca o beijavam e jamais alimentavam esperanças de algo mais.

Respirando fundo, ele passou a mão pelo cabelo loiro, seus olhos azuis brilhando com uma determinação sombria.

— Você é um filho da puta sádico, Vittorio Moretti. Está para nascer a mulher que o fará mudar.

Enquanto a frase saía de seus lábios, um pressentimento inexplicável o invadiu. Algo estava por vir, algo que ele não podia prever e talvez nem mesmo controlar. 

Ele não sabia, mas o destino já estava traçado. Um nome, um rosto, uma memória há muito enterrada…

E, dessa vez, nem mesmo Vittorio Moretti poderia escapar das consequências.

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