A festa de noivado havia sido preparada no salão do hotel, que era um local muito luxuoso, como tudo na sociedade. Conforme se aproximava da hora de assinar o contrato, eu me sentia nervosa e meu estômago se revirava.
Preparar a recepção de noivado é uma obrigação dos pais da noiva, então eu participei de todo o processo, desde a escolha do vestido azul celeste às flores cor-de-rosa que decoravam o salão. O hotel foi uma sugestão de Irineo, por ser um local de fácil controle de ambiente e porque, dessa forma, ele não levaria uma família da sociedade para o centro de sua casa; o que poderia ser perigoso.
Embora eu tivesse escolhido cada detalhe, confesso que muitas coisas escolhi por sugestão de minhas amigas e a sabedoria do meu padrasto e governanta; ambos muito familiarizados com as regras da sociedade, caso contrário, eu teria imposto que uma das coisas que não poderia faltar no meu noivado era um colete à prova de balas.
A ideia de que Duncan Delvecchio era o meu noivo me apavorava. Embora ele tivesse um sorriso afável e que eu nunca mais fui capaz de comer um chiclete de tutti-frutti sem pensar nele novamente; era o restante que me assustava.
A Sociedade tem suas práticas, então imagino que tipo de negócios ele está envolvido, sei que suas mãos não são limpas e que seu dinheiro é sujo com sangue. Embora eu acredite que ele seja ligeiramente íntegro nos negócios, também percebo que nada é simples a ponto de fantasiar com o príncipe encantado.
Eu pensei nas piores possibilidades enquanto devaneava sobre quem poderia ser meu noivo: um velho rabugento mau-humorado, um rapaz de minha idade filho de amigos da família, um homem de negócios, um herdeiro mimado, tudo passou na minha mente. Menos Duncan Delvecchio. E secretamente eu desejava que outra pessoa tivesse feito a compra do dote em seu lugar.
— Vamos indo, querida? — Minha mãe avisou suavemente, enquanto olhava no relógio do celular.
Meu coração deu um salto, parecia que ia sair pela boca e meu corpo inteiro ficou gelado. Fechei os olhos, reunindo forças e coragem, não podia deixar que minha mãe visse meu medo ou ainda preocupa-la. Até passou pela minha cabeça contar a ela o que estava acontecendo, mas tive medo de piorar a situação e portanto, me mantive calada.
Ou talvez, eu não quisesse confirmar essas expectativas: de que Duncan tinha visto algo bom em mim. Algo que mais ninguém enxergava.
— Estou pronta. — Virei-me, segurando a saia do vestido com delicadeza, e segui até a porta, deixando o celular para trás, mesmo com cerca de 109 mensagens não lidas de um certo alguém que eu preferia evitar de hoje em diante.
Deixei o aparelho sobre a cômoda do hotel, após desligá-lo. Assim que minha mãe abriu a porta, encarei meu padrasto nos esperando ali no corredor com seus quatro guarda-costas e dois advogados, todos imponentes em seus ternos caros e impressionantes. Irineo usava um elegante Armani cinza escuro, e o broche do brasão da família destacava-se em seu paletó. Ele segurou a mão de minha mãe com o mesmo carinho que tinham em seu casamento.
— Esse vestido ficou magnífico em você, meu amor. — Irineo e ela trocaram um selinho rápido. Achava incrível que ele sempre a elogiava quando a via, ele tinha um amor sem igual por minha mãe.
Talvez eu estivesse muito afetada e com altas expectativas por causa do relacionamento quase perfeito que meu padrasto e minha mãe mantinham. Eles eram uma inspiração de que mesmo nos momentos mais difíceis, o amor era capaz de unir pessoas.
Irineo virou os olhos verdes na minha direção e sorriu acolhedor:
— Você também, Vicenza, está deslumbrante essa noite.
— Obrigada. — Agradeci.
Fechei a porta e minha mãe se adiantou para chamar o elevador, enquanto eu e Irineo ficamos um pouco afastados. Engoli em seco, ajustando o vestido azul com dedos trêmulos. Meus olhos buscaram Irineo, que permanecia perto da porta, observando-me com uma expressão que misturava orgulho e preocupação.
— Vicenza, minha filha —, começou ele, sua voz profunda, desde que se casaram, ele me chamava de filha, mesmo não sendo meu pai biológico. — Sei que isso não é o que você esperava para sua vida. Nenhum de nós esperava…
— Na verdade, todos esperavam, são as regras. — Retruquei. Senti que estava sendo um pouco malcriada ao responder, contrariando suas palavras que buscavam me confortar de alguma forma.
— Apesar das circunstâncias, estou aqui para você. Como seu padrasto, é meu dever protegê-la, cuidar de você. E o seu noivo… — Ele hesitou por um momento, escolhendo suas palavras com cuidado. Contraí os lábios quando ele falou aquela palavra. “Noivo”. — Pode não parecer o que esperamos, mas ele é um homem que tem suas razões, suas próprias batalhas. Acredite em mim, Vicenza, ele não é tão diferente de você ou de mim.
Eu tinha minhas dúvidas quanto a isso. Duncan não parecia nada como eu ou como ele, muito pelo contrário. Algo em Duncan dava a impressão de estar incorreto, fora de lugar, como se ele fosse inapropriado de certa forma.
— Você acha que ele me quer por perto? — Perguntei temerosa.
— Vicenza, sei que não estou em posição de falar, pois quando me casei não foi exatamente isso o que aconteceu, mas a maioria dos casamentos na Sociedade seguem essa tradição.
— Eu sei disso.
— Mas pense que essa é uma decisão pesada para se tomar. Todos os rapazes precisam escolher a pessoa com quem passarão o resto da vida, mesmo sem conhecê-la. Certamente ele escolheu algo em você. Algo que ele visualiza para estar presente no futuro dele.
As palavras de Irineo faziam sentido e elas me tocaram profundamente. Mas diferente de mim, Ducan ainda teve uma escolha. Eu não tive. Senti o nó na minha garganta se apertar.
— E se eu não for o que ele espera?
— Então mostre a ele quem você é, Vicenza. — Irineo sorriu suavemente, seus dedos apertando levemente os meus ombros. Ele se abaixou um pouco, para me olhar profundo dentro dos olhos. — Não deixe que essas circunstâncias definam você. Seja forte, como sei que você é.
Respirei fundo, absorvendo suas palavras. Uau, ele era bom, estava conseguindo me deixar encorajada! Apesar das circunstâncias, comecei a ponderar um pouco diferente naquela situação.
— Tem razão, obrigada por isso, Irineo.
— Senhor Campanazzi? Está na hora. — Um dos advogados da família nos interrompeu.
— Claro. Mas somente iremos se você estiver pronta. Se não, Vicenza, eu pagarei a multa e arcarei as consequências, um novo noivado será marcado daqui a um ano.
Suas palavras me confortaram e eu achei que ia chorar. Aquele gesto significava muito, mas a última coisa que eu queria era encrencar o nome da família ou manchá-lo, descumprindo um acordo. Eu não me sentia tão forte para ir contra as regras, ainda temia os eventos que tinham acontecido no meu passado e não queria arriscar a minha segurança.
— Hoje ou depois, não fará diferença. Quanto antes eu assinar esse contrato, melhor para todos nós.
Melhor para todos… mas talvez não para mim.
Nos afastamos e seguimos para o elevador. Minha mãe que nos esperava por ali limpou uma lágrima e meu padrasto logo estendeu um lenço para ela.— Mamãe, não chore, ou eu irei borrar a maquiagem. — Pedi com a voz trêmula.Ela me deu um abraço e meu padrasto me abraçou também. Esforcei-me para não chorar. Um casamento devia ser um processo feliz, mas eu estava tremendo por inteiro, assustada.— Eu sinto que falhei em proteger você, minha filha. — Ela disse aos soluços, apertando os braços com força ao meu redor.— Ninguém falhou em proteger ninguém. — Meu padrasto disse. — Estarei sempre aqui para proteger vocês duas, custe o que custar.Sei que Irineo está dando o seu melhor e que apesar de não poder impedir que eu me case com alguém dentro da Máfia; ele está lutando bravamente naquilo que acredita. Por mais que eu tenha medo do meu noivo, eu também sei que meu padrasto não me abandonaria à má sorte. Deve haver um motivo para Duncan Delvecchio ter me escolhido como sua noiva e para que
Capítulo 005— Há algum problema com o contrato, senhor Delvecchio? — Meu padrasto perguntou entrando na sala.Duncan ergueu a postura, mas não se levantou, apoiando o queixo na mão com o cotovelo por cima da mesa, com a outra mão, deu um peteleco no sapo de papel, fazendo-o parar diante dos meus sapatos. Seus cabelos escuros caiam adoravelmente em seu rosto pálido, seu maxilar estava relaxado, diferente da primeira vez que nos vimos e achei a curva de descontentamento em seus lábios ainda mais adorável. Eu certamente não devia pensar assim, mas Duncan Delvecchio era mesmo um dos solteiros mais bonitos da alta sociedade. Era inegável.— Este contrato não me satisfaz. — Revelou com a voz calma, ainda mansa. O timbre grosso e rouco fez meu corpo se arrepiar. Fazia tempo desde a última vez que ouvi sua voz e ela continuava hipnotizante.Meu padrasto suspirou cansado, com ambas as mãos na cintura por cima do paletó:— E como podemos agradá-lo então?— Fiz algumas alterações. — Duncan fez u
Os guardas de Duncan tinham levantado suas armas para mim. Por mais que o som das armas municiando me fizessem tremer as pernas, eu me mantive em pé, encarando meu futuro noivo com fogo no olhar.— Não a machuque! — Irineo interveio.Duncan ergueu a mão, olhando para os homens atrás de mim e pedindo calma de maneira descontraída:— O que estão fazendo? — Reclamou. Os homens recuaram. — Saíam da sala, quero resolver logo o contrato com minha noiva e vocês estão nos atrapalhando. — Ele disse, expulsando seus guardas-costas e virando-se para mim. Fiquei chocada com suas palavras e percebi que ele realmente considerava um casamento entre nós. — O que você quer, pequena? Estou ouvindo.Senti o tom de escárnio e desafio em sua voz. Mas se ele achava que eu me dobraria tão facilmente, estava enganado. Não demonstrei medo para ele na primeira vez que o vi e certamente eu não o faria agora. Os guardas deixaram a sala e ficamos apenas nós, os advogados e os seguranças do meu padrasto.— Não lev
A decoração da festa tinha sido exatamente como imaginei, mas agora que eu olhava para ela, via que talvez eu tivesse sido muito ingênua na escolha de alguns elementos. As cores que escolhi eram para representar uma pintura renascentista com ares de vernaglia; aquela nostalgia da primavera.Rosas exuberantes em tom rosa claro eram expostas puras em vasos longos dourados. Os pratos tinham bordas douradas e rosas delicadas pintadas à mão por uma artista talentosa. Os lustres eram pendurados, com cristais que expunham feixes de luzes brilhantes e reluziam as lâmpadas amareladas. O salão fora coberto por um tapete cinza claro, os sofás, de couro branco, adornados com almofadas douradas e rosas. Nas mesas, em estilo provençal, haviam arranjos arrojados.A única coisa destoando naquela decoração toda era um adorno de pomba que deveria representar fidelidade, harmonia e união entre os noivos e que agora eu suspirava resignada só de olhar para ele. Como haveria paz entre eu e Duncan?! Como eu
Duncan tirou seu paletó o jogou sobre meus ombros. Dei um salto e olhei para o lado. Sentir o calor dele sobre o meu, foi como receber um abraço. O perfume intenso estava impregnado em sua roupa, me envolvendo. Meus olhos capturaram o coldre que ele usava, que lembrava um suspensório e segurava as duas armas nas costas.Engoli em seco encarando as pistolas cromadas de um metal levemente dourado, indicando que eram personalizadas. Quando ele transita para a leveza dessa forma, quase me esqueço de que Duncan é um homem perigoso.— O que está fazendo? — Questionei.— Está frio.— Eu posso pegar uma estola com uma das responsáveis pela festa, não precisa se preocupar. — Tirei o paletó e devolvi para ele.Fiquei segurando a peça no ar, mas Duncan não se mexeu. A única coisa que ele fez foi tirar o cigarro dos lábios e soltar a fumaça pela boca. O breve silêncio entre nós foi preenchido pelo som da música no salão, uma balada lenta.Duncan cortou o momento com um “tsc”.— Você quer me mostra
A brisa outonal batia fresca em meu rosto, queimando levemente minhas bochechas. Em frente ao Collegio Palazzo Splendore, as folhas das árvores estavam em tons vibrantes de laranja, vermelho e amarelo. Avistei Ottavia de longe, seus cabelos ruivos da cor do cobre sempre chamavam a atenção, mesmo em dias nublados. Ela levantou do banco ao me ver e veio rápido em meu encontro, segurando o celular enquanto puxava os fones de ouvido, a mochila Fendi balançando de um lado para o outro.— Vicenza! — Ela me abraçou e um sorriso espalhou no meu rosto. — Que saudades!— Também senti sua falta. — Respondi apertando os braços ao redor da minha amiga.De repente ela começou a farejar meus cabelos e roupas.— Uau, que cheirinho bom, é o novo perfume da coleção que a empresa do seu pai lançou? Aquele com cheirinho de pêssego?— Sim, é ele.— Ai! Eu estou louca para comprar. Assisti a propaganda com o Mattia! Ele é tão lindo! Você chegou a conhecê-lo? Foi por isso que você sumiu nas férias? Não me di
Alguns dias depois…O ambiente da biblioteca era tão ensurdecedoramente silencioso que meus fones de ouvido tocavam uma playlist das minhas bandas favoritas de K-pop. Estiquei os braços em um espreguiçamento discreto e verifiquei o relógio do tablet, controlando meu tempo com precisão.Após alguns dias de retomada à minha rotina habitual, consegui, de certa forma, empurrar os problemas com Duncan para o fundo da mente — embora a pulseira no meu pulso me lembrasse dele quase o tempo todo. O calendário avançava inexoravelmente e, a cada dia, eu me percebia menos como solteira e me enchia de uma ansiedade crescente.Aproveitava o horário vago para pesquisar arte abstrata para as aulas particulares com minha tutora de arte no famoso ateliê da cidade. A tarefa era apresentar um tema de trabalho e aprimorar minha estética, mas encontrar informações relevantes estava se provando uma dificuldade.Ainda com os fones nos ouvidos, levantei-me da mesa e fui até a estante de arte, navegando pelos c
O aroma dentro do carro era opressor, dominado pelo perfume de Duncan. Uma mistura de notas amadeiradas e cítricas que, embora sofisticadas, se tornavam esmagadoras em um espaço tão confinado. O cheiro se infiltrava em meus sentidos, tornando impossível ignorar sua presença ao meu lado.Minhas mãos apertavam forte a mochila, quando tive finalmente coragem de cortar o silêncio incômodo entre nós:— Onde você está me levando? Meus pais sabem que veio aqui? Aliás, o que você está fazendo desse lado da cidade uma hora dessa? Não devia estar em seu cassino cuidando dos negócios, uhm?Duncan não tirou os olhos da estrada, mas pude ver o sorriso de canto em seu rosto. — Seus pais sabem onde você está, — respondeu com a voz controlada, mas com um tom de impaciência nítido em seu timbre rouco. — Quanto ao meu cassino, ele pode esperar. Agora, fique quieta e coloque o cinto de segurança.— Ele pode esperar? Não pareceu que podia quando me deixou plantada esperando você voltar. — Alfinetei.— Ts