Noiva da Máfia
Noiva da Máfia
Por: QiShuang
001

A minha vida mudou para sempre com a visão que se desdobrava diante de mim. 

Minhas mãos apertavam o tecido amarelo do meu vestido de festa com tanta força que os nós dos meus dedos ficaram brancos. Eu não deveria estar ali, naquele corredor. Como fui me perder nesta mansão onde acontecia o casamento da minha mãe?

Ainda ouvia a música da festa distante, atrás de mim, mas aos poucos fui ficando como surda, ouvindo apenas as batidas apavoradas do meu coração. Meus pulsos ainda carregavam as marcas das consequências daquela união inesperada entre minha mãe e meu padrasto; eu havia sido atacada e amarrada. Pediram até um resgate. 

Parece que essa era a nova realidade com a qual eu tinha de lidar: enquanto minha mãe encontrava o homem de sua vida, eu enfrentava dia após dia uma queda livre, sendo tragada para o meio do enigma de uma sociedade de elite secreta.

Não culpo minha mãe pelas coisas horríveis que aconteceram comigo, mas os traumas que carrego certamente seriam menores se ela nunca tivesse se casado com Irineo Campanazzi. Haviam hematomas das cordas em meus pulsos e há pelo menos dois meses eu não conseguia sair de casa, achando que estavam me observando. Estava passando por diversos tratamentos psicológicos, com os mais caros especialistas, afinal Irineo nunca me negaria nada, ele era um bom padrasto, mas não havia um médico capaz de curar minha mente quebrada. 

Com apenas quinze anos, já não era a mesma garota alegre de antes, havia uma ruptura intensa dentro de mim. Mesmo assim, não estava preparada para a cena que se desenrolava diante de meus olhos. 

Aquilo era brutal!

Pela fresta da porta maciça de madeira eu via apenas partes de um todo. Sequências que não faziam sentido absoluto, mas eu podia ver de maneira gráfica dois homens brigando. Ou mais precisamente, um deles estava levando a pior de maneira intensa. Mãos fechadas, músculos fortes e pesados, sons de ossos se quebrando, uma risada maléfica, os pedidos de misericórdia que foram se esvaindo até que o outro perdesse a consciência. Meu corpo inteiro reagiu intensamente ao homem à minha frente; sua presença masculina era quase sobrenatural enquanto ele castigava outro homem. Na Máfia, o poder e a força são fundamentais, e eu me peguei imaginando o que mais aquelas mãos seriam capazes de fazer.

O peso do colar estava me enforcando, deixando a respiração presa na garganta. Minhas pupilas estavam dilatadas, o suor se precipitava na minha testa e meu corpo inteiro tremia de pavor. Queria que minhas pernas funcionassem para eu sair correndo dali? Queria, mas meus pés não me obedeceram. Queria fechar os olhos e não testemunhar aquela desgraça? É claro, mas meus olhos não fizeram isso por mim.

Eu me senti caindo à beira do abismo, foi como perder o chão. Observava o sangue escorrendo pelo pé da mesa e formando uma poça no chão, com alguns dentes caídos. Meu coração estava tão acelerado que eu pensei que ia desmaiar, mas me mantive firme, observando. O que tanto me fascinava? Ver como aquele homem de cabelos escuros tinha um sorriso curvando seus lábios enquanto espancava um inimigo? Ou como ele era habilidoso? Talvez fosse o fato de que ele tinha tanto poder que não se importava de atacar alguém no meio de uma festa de casamento da alta sociedade.

De repente, a porta se abriu e eu encarei o colarinho branco, agora manchado de sangue. As gotinhas espirradas subiam para o rosto especialmente simétrico, manchando o queixo. Subi para encarar seus lábios quase grossos. Havia uma curva naturalmente caída nos cantos de seus lábios que concedia àquele belo homem um ar de descontentamento, mas seus olhos… Estes não escondiam a emoção, o divertimento e a crueldade que pulsava em suas veias.

Não me movi, não tive tempo. Os olhos bem escuros do italiano caíram em mim. Eu não sabia quem ele era, não fazia ideia do seu nome, mas meus olhos ficaram presos sobre ele, percebendo cada terrível detalhe de seu rosto. Uma beleza proporcional a sua crueldade.

Dizem que os piores venenos vêm nos mais belos frascos.

A única coisa que poderia entregar a sua identidade era o broche em sua lapela, em forma de uma flor roxa, combinando com o anel grande de ouro que ele usava no dedo indicador. Ele tinha dedos longos, como os de um pianista, mas eu sabia que aquelas mãos tinham experiência com ações mais brutais do que eu poderia imaginar.

O italiano não pareceu surpreso ao me ver, mas parado ali na minha frente, me observou esquadrinhando meu rosto com um olhar afiado e intenso, que parecia uma âncora tão pesada que eu me sentia afundar. Não pareceu sequer intimidado por eu ter sido testemunha de seu crime, pelo contrário, parecia que ele tinha gostado.

Atrás dele havia outros homens, grandes, musculosos, de terno, certamente eram seus seguranças e amigos.

— Ih, chefe… ela viu tudo. — Um deles falou estalando os dedos das mãos.

Eu fiquei com tanto medo de ser a próxima, que apenas nem me mexi. Com certeza eles queriam apagar as testemunhas oculares de seus crimes… e quem eu era, senão somente a filha da noiva?! Eu não pertencia à Ultima Societá, era uma intrusa entre eles.

— Duncan você deixou ela apavorada. — Ouvi um riso atrás dele.

E eu realmente estava apavorada. Meu corpo estava completamente paralisado. Minha boca semiaberta segurando um grito mudo. Meus olhos não saiam daquele homem que estava à minha frente, especialmente assustada com a mancha de sangue em seu terno caro.

— Quer chiclete, mia principessa? — Ignorando seus seguranças e o amigo, o homem da flor roxa perguntou-me com sua voz bem grossa, um timbre firme que ressoava em cada célula do meu corpo, fazendo os pelinhos do braço arrepiarem.

E desde quando eu sou dele? Um soluço se prendeu na minha garganta, formando um nó que parecia impossível de desfazer. De alguma forma, consegui engolir o pavor em seco e, como não podia dar a ele indícios de medo, firmei o pescoço, fingindo inocência:

— É sabor de quê?

Gradualmente, um sorriso gengival e espontâneo se formou no rosto do homem alto à minha frente, revelando incisivos perfeitamente alinhados e brancos. Aquele sorriso, tão genuíno, contrastava com a aura perigosa que emanava dele, alguém capaz de estourar a cara de outro homem.

Ele retirou uma cartela de chicletes cor-de-rosa e retangulares do paletó cinza escuro Ermenegildo Zegna. Com um "ploc" que ecoou no corredor mal iluminado, quebrou um deles e o levou à boca. Enquanto seus dentes mastigavam o doce, deu um passo em minha direção. 

— Tutti-frutti. — Respondeu suave.

Seu hálito era agradável. Permaneci imóvel, envolta pelo aroma doce de açúcar que parecia preencher o ar ao redor. 

— Sr. Duncan, o que fazemos? — O homem ao seu lado perguntou, mas o homem da flor roxa não pareceu prestar atenção em mais ninguém senão a mim.

Ele segurou meu braço com firmeza, um toque quente e seguro que enviou um arrepio pela minha espinha. Lutei contra o instinto de me encolher ou gritar. Duncan ergueu minha mão, abrindo minha palma com cuidado, onde colocou a cartela de chicletes.

— Fica de presente, pequena. Uma pena não poder conversarmos mais.

Enquanto ele segurava minha mão, senti meu coração disparar ainda mais. Sua pele tinha um bronzeado único, era áspera contra a minha, mas seu toque tinha uma delicadeza surpreendente.

Duncan segurou meu olhar por mais um segundo, diante de seu sorriso quase desarmante, minhas pernas começaram a perder força. A intensidade dos seus olhos parecia queimar através de mim e percebi, com um misto de medo e fascinação, que aquele homem perigoso possuía uma estranha capacidade de me fazer sentir viva de uma maneira que eu nunca havia experimentado antes.

— Vicenza? — Uma voz conhecida me alcançou e as mãos de um secretário de Irineo, o meu padrasto, se fecharam gentilmente ao redor dos meus ombros.

Ele me puxou suavemente para trás, afastando-me de Duncan e como se quisesse me proteger, o que apenas aumentou o alerta que já soava dentro de mim. 

Aquele homem da flor roxa… era um homem perigoso e brutal.

— O que está fazendo aqui? Sr. Delvecchio? — Perguntou, sua voz soando um pouco hesitante. — Precisa de ajuda para encontrar o caminho de volta à festa?

Duncan Delvecchio. Seu nome não significava nada para mim, mas o som de seu riso nunca seria esquecido. Os olhos de Duncan permaneceram intensos sobre mim, sem dar uma resposta imediata para o secretário, como se eu fosse sua única preocupação.

— Quem é você para me perguntar isso? — Retrucou com uma hostilidade sensível. — Cuide de seus assuntos e me deixe cuidar dos meus.

O Sr. Delvecchio enfiou as mãos nos bolsos e se afastou, voltando para o salão. Enquanto ele se afastava, olhei suas costas medindo mentalmente a distância de seus ombros ou como os fios escuros de seus cabelos em camadas cheias se balançavam graciosos. Nem parecia que ele havia acabado de espancar alguém. Meu coração estava batendo a milhão.

Os homens que estavam com Duncan saíram da sala e o segurança me afastou rapidamente, abalado com o que estava acontecendo. 

— Não olhe! — Ele me virou, tentando ocultar a visão da vítima em cima da mesa com a mão sobre meus olhos. Mas eu já tinha visto tudo.

Eu ainda me sentia atordoada pela presença mordaz e afável de Duncan. O gosto do chiclete penetrava minha língua. Esperava encontrá-lo novamente, sem saber que aquele foi somente o primeiro de muitos encontros que mudariam a minha vida de uma forma para a qual eu jamais estaria preparada.

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