Capítulo 3 Luto e Amizade

Jonas Oliveira

Encontrei com o Gustavo na cidade. Fazia tempo que não nos víamos, mas a amizade continuava a mesma. Depois de resolver umas coisas no mercado, ele sugeriu que fôssemos até o bar do Pedro. Não queria parecer mal-educado, então concordei.

Entramos no bar, e o cheiro de cerveja e amendoim torrado me trouxe lembranças antigas. Gustavo pediu duas cervejas e sentamos num canto mais afastado. Não demorou muito para ele tocar no assunto que eu sempre evito.

— Jonas, faz quanto tempo mesmo? — ele perguntou, quebrando o silêncio.

Fiquei um tempo olhando para a cerveja, girando o copo na mesa. Sabia do que ele estava falando, porém, não estava pronto para responder. No entanto, não poderia evitar para sempre.

— Faz cinco anos — respondi, tentando manter a voz firme.

Ele assentiu, parecendo escolher as próximas palavras com cuidado. Eu sabia que a preocupação dele era genuína, mas não estava preparado para o que viria a seguir.

— E até quando você vai ficar de luto? — a pergunta saiu direta, sem rodeios.

Aquilo me atingiu como um soco no estômago. Inspirei fundo, tentando controlar a raiva e a tristeza que subiam à tona.

— Gustavo, não é uma questão de tempo. — comecei, sentindo o peso de cada palavra. — Pode fazer cinco anos, dez anos... Para mim, parece que foi ontem.

Ele me olhou com um misto de compaixão e frustração.

— Eu sei que é difícil, cara. Ninguém espera passar por isso. Mas você precisa seguir em frente.

— Estou seguindo em frente. — respondi, um pouco mais ríspido do que pretendia. — O meu foco está no trabalho na fazenda. É isso que me mantém são.

Gustavo balançou a cabeça, claramente não convencido.

— Trabalhar na fazenda é uma forma de se esconder, Jonas. Você sabe disso.

— E o que você sugere que eu faça? — rebati, sentindo o calor da raiva subir. — Devo esquecer minha esposa e meu filho? Fingir que eles nunca existiram?

— Claro que não! — ele exclamou, surpreendido pela minha reação. — Mas viver no passado não vai trazê-los de volta. Você merece ser feliz novamente.

As palavras dele soaram verdadeiras, contudo, a ideia de deixar o luto para trás parecia uma traição à memória deles. Fechei os olhos por um momento, tentando encontrar a calma.

— Gustavo, cada dia na fazenda é um lembrete do que perdi, mas também é o que me dá propósito. Eu não sei se algum dia vou me sentir feliz de novo, mas, por enquanto, trabalhar é tudo o que tenho.

Ele suspirou, parecendo desistir da discussão.

— Só não quero te ver se destruindo, Jonas. Você é como um irmão para mim, e é difícil assistir isso.

— Eu sei, e agradeço por se preocupar. — respondi, tocando seu ombro. — Mas me dê tempo. Preciso encontrar meu próprio caminho.

Conversamos sobre outras coisas depois disso, mas a tensão continuou no ar. Quando nos despedimos, senti um misto de alívio e tristeza. Era bom saber que tinha amigos que se importavam, mas também me lembrava constantemente da dor que carregava.

Voltei para a fazenda naquela noite, o caminho familiar me acalmando. A escuridão ao meu redor era um reflexo do meu estado interno. Quando cheguei, fui direto para o estábulo. Cuidar dos animais me ajudava a organizar os pensamentos.

Lá dentro, a luz fraca das lâmpadas penduradas criava sombras dançantes. Fui até o cavalo de meu filho, o velho Thunder. Ele relinchou baixinho quando me aproximei, como se entendesse minha dor. Passei a mão pela sua crina, lembrando dos dias felizes quando Lucas cavalgava por aí, rindo e gritando de alegria.

— Ei, amigão. — murmurei, sentindo as lágrimas ameaçando cair. — Sinto falta dele também.

Thunder me olhou com aqueles olhos grandes e gentis, e por um momento, tudo pareceu se acalmar. Ficar ali com ele, em silêncio, era uma forma de estar perto de Lucas.

Depois de algum tempo, voltei para casa. A casa que antes era cheia de risos e conversas agora era um lugar de silêncio e lembranças. Subi as escadas, cada passo ecoando nos corredores vazios. Entrei no quarto, onde a foto de Clara e Lucas ainda estava na mesa de cabeceira.

Me sentei na cama e peguei a foto, observando os rostos sorridentes. A dor era quase insuportável, mas junto com ela vinha uma sensação de calor, como se estivessem comigo de alguma forma.

— Vou continuar por vocês. — sussurrei, beijando a foto antes de colocá-la de volta.

Deitei na cama, o cansaço finalmente me atingindo. A imagem de Clara e Lucas foi a última coisa que vi antes de fechar os olhos e, finalmente, encontrar algum descanso.

Os dias seguintes foram uma repetição do mesmo ciclo. Acordava cedo, cuidava da fazenda e evitava pensar demais no futuro. Os conselhos de Gustavo ecoavam na minha mente, mas eu não sabia como seguir adiante. A fazenda era meu refúgio e minha prisão ao mesmo tempo.

Uma manhã, enquanto caminhava pelos campos, vi Luana trabalhando. Ela era uma presença nova na fazenda, mas já havia provado ser uma grande ajuda. Ao vê-la, lembrei das palavras de Gustavo sobre seguir em frente. Talvez, de alguma forma, Luana pudesse ser uma parte dessa jornada.

Me aproximei dela, tentando ser o mais natural possível.

— Bom dia, Luana.

— Bom dia, Jonas. — ela respondeu com um sorriso. — Precisa de alguma coisa?

Parei por um momento, pensando em como responder. Não queria sobrecarregá-la com meus problemas, mas algo nela me fazia sentir que podia confiar.

— Só queria agradecer pelo trabalho que você tem feito. A fazenda está melhor por sua causa.

Ela corou ligeiramente, surpresa pelo elogio.

— Obrigada, Jonas. É bom saber que estou ajudando.

— Está sim. — confirmei, sentindo um pequeno alívio. — E... se algum dia precisar conversar, estou por aqui. Não esqueça que somos amigos agora...

Ela me olhou, percebendo a profundidade da oferta.

— O mesmo vale para você, Jonas.

Nos despedimos, e enquanto voltava ao trabalho, senti uma leve esperança. Talvez, com o tempo, eu pudesse encontrar uma maneira de viver novamente. Não seria fácil, e a dor nunca iria embora completamente, mas com o apoio de amigos como Gustavo e a presença de pessoas como Luana, talvez eu pudesse, aos poucos, seguir em frente.

A fazenda continuava sendo meu mundo, meu refúgio. Cada dia era uma batalha contra a tristeza, mas também uma oportunidade de honrar a memória de Clara e Lucas. E com cada amanhecer, um novo começo surgia no horizonte, trazendo consigo a promessa de que, um dia, a dor daria lugar a algo mais. Algo que se aproximasse, ainda que de longe, de felicidade.

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