Jonas Oliveira
Encontrei com o Gustavo na cidade. Fazia tempo que não nos víamos, mas a amizade continuava a mesma. Depois de resolver umas coisas no mercado, ele sugeriu que fôssemos até o bar do Pedro. Não queria parecer mal-educado, então concordei.
Entramos no bar, e o cheiro de cerveja e amendoim torrado me trouxe lembranças antigas. Gustavo pediu duas cervejas e sentamos num canto mais afastado. Não demorou muito para ele tocar no assunto que eu sempre evito.
— Jonas, faz quanto tempo mesmo? — ele perguntou, quebrando o silêncio.
Fiquei um tempo olhando para a cerveja, girando o copo na mesa. Sabia do que ele estava falando, porém, não estava pronto para responder. No entanto, não poderia evitar para sempre.
— Faz cinco anos — respondi, tentando manter a voz firme.
Ele assentiu, parecendo escolher as próximas palavras com cuidado. Eu sabia que a preocupação dele era genuína, mas não estava preparado para o que viria a seguir.
— E até quando você vai ficar de luto? — a pergunta saiu direta, sem rodeios.
Aquilo me atingiu como um soco no estômago. Inspirei fundo, tentando controlar a raiva e a tristeza que subiam à tona.
— Gustavo, não é uma questão de tempo. — comecei, sentindo o peso de cada palavra. — Pode fazer cinco anos, dez anos... Para mim, parece que foi ontem.
Ele me olhou com um misto de compaixão e frustração.
— Eu sei que é difícil, cara. Ninguém espera passar por isso. Mas você precisa seguir em frente.
— Estou seguindo em frente. — respondi, um pouco mais ríspido do que pretendia. — O meu foco está no trabalho na fazenda. É isso que me mantém são.
Gustavo balançou a cabeça, claramente não convencido.
— Trabalhar na fazenda é uma forma de se esconder, Jonas. Você sabe disso.
— E o que você sugere que eu faça? — rebati, sentindo o calor da raiva subir. — Devo esquecer minha esposa e meu filho? Fingir que eles nunca existiram?
— Claro que não! — ele exclamou, surpreendido pela minha reação. — Mas viver no passado não vai trazê-los de volta. Você merece ser feliz novamente.
As palavras dele soaram verdadeiras, contudo, a ideia de deixar o luto para trás parecia uma traição à memória deles. Fechei os olhos por um momento, tentando encontrar a calma.
— Gustavo, cada dia na fazenda é um lembrete do que perdi, mas também é o que me dá propósito. Eu não sei se algum dia vou me sentir feliz de novo, mas, por enquanto, trabalhar é tudo o que tenho.
Ele suspirou, parecendo desistir da discussão.
— Só não quero te ver se destruindo, Jonas. Você é como um irmão para mim, e é difícil assistir isso.
— Eu sei, e agradeço por se preocupar. — respondi, tocando seu ombro. — Mas me dê tempo. Preciso encontrar meu próprio caminho.
Conversamos sobre outras coisas depois disso, mas a tensão continuou no ar. Quando nos despedimos, senti um misto de alívio e tristeza. Era bom saber que tinha amigos que se importavam, mas também me lembrava constantemente da dor que carregava.
Voltei para a fazenda naquela noite, o caminho familiar me acalmando. A escuridão ao meu redor era um reflexo do meu estado interno. Quando cheguei, fui direto para o estábulo. Cuidar dos animais me ajudava a organizar os pensamentos.
Lá dentro, a luz fraca das lâmpadas penduradas criava sombras dançantes. Fui até o cavalo de meu filho, o velho Thunder. Ele relinchou baixinho quando me aproximei, como se entendesse minha dor. Passei a mão pela sua crina, lembrando dos dias felizes quando Lucas cavalgava por aí, rindo e gritando de alegria.
— Ei, amigão. — murmurei, sentindo as lágrimas ameaçando cair. — Sinto falta dele também.
Thunder me olhou com aqueles olhos grandes e gentis, e por um momento, tudo pareceu se acalmar. Ficar ali com ele, em silêncio, era uma forma de estar perto de Lucas.
Depois de algum tempo, voltei para casa. A casa que antes era cheia de risos e conversas agora era um lugar de silêncio e lembranças. Subi as escadas, cada passo ecoando nos corredores vazios. Entrei no quarto, onde a foto de Clara e Lucas ainda estava na mesa de cabeceira.
Me sentei na cama e peguei a foto, observando os rostos sorridentes. A dor era quase insuportável, mas junto com ela vinha uma sensação de calor, como se estivessem comigo de alguma forma.
— Vou continuar por vocês. — sussurrei, beijando a foto antes de colocá-la de volta.
Deitei na cama, o cansaço finalmente me atingindo. A imagem de Clara e Lucas foi a última coisa que vi antes de fechar os olhos e, finalmente, encontrar algum descanso.
Os dias seguintes foram uma repetição do mesmo ciclo. Acordava cedo, cuidava da fazenda e evitava pensar demais no futuro. Os conselhos de Gustavo ecoavam na minha mente, mas eu não sabia como seguir adiante. A fazenda era meu refúgio e minha prisão ao mesmo tempo.
Uma manhã, enquanto caminhava pelos campos, vi Luana trabalhando. Ela era uma presença nova na fazenda, mas já havia provado ser uma grande ajuda. Ao vê-la, lembrei das palavras de Gustavo sobre seguir em frente. Talvez, de alguma forma, Luana pudesse ser uma parte dessa jornada.
Me aproximei dela, tentando ser o mais natural possível.
— Bom dia, Luana.
— Bom dia, Jonas. — ela respondeu com um sorriso. — Precisa de alguma coisa?
Parei por um momento, pensando em como responder. Não queria sobrecarregá-la com meus problemas, mas algo nela me fazia sentir que podia confiar.
— Só queria agradecer pelo trabalho que você tem feito. A fazenda está melhor por sua causa.
Ela corou ligeiramente, surpresa pelo elogio.
— Obrigada, Jonas. É bom saber que estou ajudando.
— Está sim. — confirmei, sentindo um pequeno alívio. — E... se algum dia precisar conversar, estou por aqui. Não esqueça que somos amigos agora...
Ela me olhou, percebendo a profundidade da oferta.
— O mesmo vale para você, Jonas.
Nos despedimos, e enquanto voltava ao trabalho, senti uma leve esperança. Talvez, com o tempo, eu pudesse encontrar uma maneira de viver novamente. Não seria fácil, e a dor nunca iria embora completamente, mas com o apoio de amigos como Gustavo e a presença de pessoas como Luana, talvez eu pudesse, aos poucos, seguir em frente.
A fazenda continuava sendo meu mundo, meu refúgio. Cada dia era uma batalha contra a tristeza, mas também uma oportunidade de honrar a memória de Clara e Lucas. E com cada amanhecer, um novo começo surgia no horizonte, trazendo consigo a promessa de que, um dia, a dor daria lugar a algo mais. Algo que se aproximasse, ainda que de longe, de felicidade.
Luana DutraA tarde estava quente, e eu mal tinha começado a segunda metade do meu dia de trabalho. Estava no celeiro, organizando algumas ferramentas, quando ouvi passos firmes se aproximando. Reconheci de imediato: era Helena, uma das trabalhadoras mais antigas da fazenda. Tinha algo no olhar dela que não me agradava.— Luana — começou ela, sem rodeios —, podemos conversar?Me endireitei, limpando as mãos na calça jeans. Helena não era de fazer cerimônia, mas o tom dela era diferente hoje, mais carregado.— Claro, Helena. O que foi?Ela cruzou os braços, olhos semicerrados.— Tenho visto como você e Jonas têm estado próximos ultimamente.Suspirei, tentando manter a calma. Já sabia onde isso ia parar.— Jonas é meu patrão, Helena. Estamos apenas trabalhando juntos para manter a fazenda funcionando bem.Ela deu um passo à frente, invadindo meu espaço pessoal.— Não me venha com essa, Luana. Todo mundo aqui já percebeu que há algo mais entre vocês dois. Não finja que é só trabalho.Me
Jonas OliveiraA manhã na fazenda estava fresca, e o sol refletia nas águas do rio, criando um espetáculo de brilhos e sombras. Decidi caminhar até a margem, buscando um momento de paz antes de enfrentar o trabalho do dia. Foi então que ouvi uma melodia suave, quase como um sussurro carregado pelo vento. Segui o som, curioso.Ao me aproximar, a visão de Luana apareceu. Ela estava sentada em uma pedra, cantando com os olhos fechados, totalmente alheia à minha presença. Sua voz, doce e serena, se misturava com o murmúrio do rio, criando uma harmonia que parecia mágica. Não consegui evitar; fiquei parado, apenas observando.Luana, tão envolvida em sua canção, não percebeu quando pisei em um galho seco, que estalou alto. Seus olhos se abriram de repente, arregalados de surpresa. Em um reflexo desajeitado, ela tentou se levantar rapidamente, mas acabou escorregando na pedra molhada, caindo de bunda no chão com um baque surdo.Corri até ela, preocupado.— Está tudo bem, Luana? — perguntei,
Luana DutraO telefone da fazenda estava ali, antigo e robusto, pendurado na parede da cozinha. Era um desses aparelhos que quase não se vê mais, com disco giratório e um fio em espiral que parecia ter vivido décadas de histórias. Havia uma sensação de urgência no ar enquanto eu me aproximava. A saudade misturada com o medo fazia meu coração bater descompassado. Precisava falar com minha mãe, precisava ouvir sua voz, precisava que ela soubesse que eu estava bem, mesmo que não pudesse revelar onde estava.Peguei o fone com mãos trêmulas e disquei os números com cuidado. Cada giro do disco parecia eternizar o momento, deixando meus nervos à flor da pele. Quando a chamada começou a conectar, senti um frio na espinha. O toque do outro lado parecia ecoar pelo tempo, e cada segundo parecia uma eternidade até que a voz conhecida e amada atendesse.— Alô? — a voz da minha mãe soou como um bálsamo. Um turbilhão de emoções me envolveu. Era a primeira vez que eu ouvia sua voz desde que tinha fug
Jonas OliveiraA noite estava fria na fazenda. O céu, limpo, exibindo um mar de estrelas que parecia se estender até o infinito. Decidi acender uma fogueira perto do galpão, algo que sempre fiz para aquecer o corpo e acalmar a mente. Estava sentado num tronco velho, tomando uma cerveja, quando vi Luana passar. Seu cabelo balançava ao vento e, por um momento, ela pareceu hesitar.— Ei, Luana! — chamei, erguendo a garrafa. — Quer se juntar a mim?Ela olhou para mim, surpresa, mas depois sorriu e caminhou até a fogueira. Ela se sentou ao meu lado, seus olhos refletindo o brilho das chamas. Abri outra cerveja e entreguei a ela. Ela aceitou com um agradecimento silencioso, e nós ficamos ali, apenas curtindo a companhia um do outro e a serenidade da noite.— Faz tempo que não vejo uma noite tão clara. — disse Luana, quebrando o silêncio.— É, acho que a natureza resolveu nos dar um presente hoje. — respondi, sorrindo. — Às vezes, a vida na fazenda pode ser bem recompensadora.Conversa vai,
Luana DutraEstava na varanda da casa grande, observando o pôr do sol, quando ouvi os passos de Jonas se aproximando. O coração acelerou ao lembrar do beijo que ele me deu. Desde aquele dia, não conseguia parar de pensar nele, mas o medo de me envolver emocionalmente outra vez era maior. Já tinha sofrido demais no passado e não queria arriscar novamente.Jonas parou ao meu lado, os olhos fixos no horizonte. Ficamos em silêncio por alguns minutos, cada um perdido em seus próprios pensamentos.— Luana, precisamos conversar. — ele disse, a voz baixa, quase um sussurro.Respirei fundo, tentando reunir coragem para o que estava por vir. Ele não conseguia mesmo ficar sem falar comigo? Era hora de encarar ele outra vez.— Eu sei, Jonas. — respondi, minha voz soando mais firme do que eu me sentia por dentro.Ele se virou para me olhar, seus olhos brilhando com uma intensidade que me fez estremecer. Havia algo de vulnerável nele naquele momento, algo que nunca tinha visto antes.— Você pode vo
A luz da manhã entrava pela janela da cozinha, desenhando padrões de sombra no chão de madeira. Jonas estava encostado no balcão, com uma xícara de café na mão. Seus olhos, normalmente tão determinados, hoje pareciam carregar um peso diferente. Eu estava sentada à mesa, distraída com o barulho dos pássaros lá fora. Sentia que algo importante estava prestes a acontecer, mas não conseguia adivinhar o quê.— Luana, precisamos conversar. — começou ele, sua voz grave interrompendo meus pensamentos.Olhei para ele, curiosa e um pouco apreensiva. Jonas raramente era tão sério. Geralmente, ele era direto e objetivo, sempre com um plano em mente. Mas hoje, havia algo mais.— Claro, Jonas. Sobre o que é? — perguntei, tentando esconder minha ansiedade.Ele deu um gole no café, como se estivesse ganhando tempo para organizar seus pensamentos. Então, finalmente, falou:— Tenho observado seu trabalho aqui na fazenda. Você tem um talento natural, uma sensibilidade que poucos têm. Isso me fez pensar
Numa noite de folga, eu e a Rosana, uma das empregadas da fazenda, decidimos ir para a cidade e nos divertir. A rotina na fazenda, por mais gratificante que fosse, podia ser exaustiva. Precisávamos de uma pausa. Então, pegamos a caminhonete velha do Jonas e seguimos pela estrada de terra, com as luzes dos faróis iluminando nosso caminho.— Faz tempo que não saio. — comentei, tentando disfarçar a excitação na minha voz.Rosana riu, ajustando o volume do rádio que tocava uma música animada de sertanejo.— Nem me fale. A última vez que fui ao bar da cidade foi antes de você chegar. Precisamos disso, Luana.A cidade estava relativamente calma quando chegamos. As luzes dos postes lançavam um brilho amarelo nas ruas, e as vitrines das lojas ainda exibiam suas mercadorias. Estacionamos a caminhonete e saímos em direção ao bar que Rosana tanto falava. Ele ficava em uma esquina movimentada, com uma fachada simples, mas acolhedora. O som de risadas e música nos recebeu antes mesmo de cruzarmos
Estava na cidade, tentando me acostumar com a rotina de comprar mantimentos para a fazenda. Cada ida ao mercado era um lembrete da minha nova vida, distante de tudo que conhecia. Enquanto pegava algumas maçãs, senti um arrepio. Olhei ao redor e vi pessoas comuns, cuidando de suas próprias vidas. Mas algo não estava certo. Havia aquela sensação incômoda, uma impressão de que alguém me observava.Passei para a seção dos vegetais, tentando ignorar o desconforto, mas ele só aumentava. Meu coração começou a bater mais rápido. Tentei me concentrar nos produtos à minha frente, mas não conseguia afastar a sensação de ser vigiada. "Fernando?" O pensamento me gelou. E se ele tivesse me encontrado?Agarrei uma cabeça de alface e me virei rapidamente, tentando identificar o observador. Não vi ninguém conhecido, mas a paranoia não desaparecia. Acelerei o passo, indo em direção ao caixa. Precisava sair dali. Minha respiração estava rápida e superficial, e meu corpo começou a tremer.Enquanto pagava