Luana Dutra
A tarde estava quente, e eu mal tinha começado a segunda metade do meu dia de trabalho. Estava no celeiro, organizando algumas ferramentas, quando ouvi passos firmes se aproximando. Reconheci de imediato: era Helena, uma das trabalhadoras mais antigas da fazenda. Tinha algo no olhar dela que não me agradava.
— Luana — começou ela, sem rodeios —, podemos conversar?
Me endireitei, limpando as mãos na calça jeans. Helena não era de fazer cerimônia, mas o tom dela era diferente hoje, mais carregado.
— Claro, Helena. O que foi?
Ela cruzou os braços, olhos semicerrados.
— Tenho visto como você e Jonas têm estado próximos ultimamente.
Suspirei, tentando manter a calma. Já sabia onde isso ia parar.
— Jonas é meu patrão, Helena. Estamos apenas trabalhando juntos para manter a fazenda funcionando bem.
Ela deu um passo à frente, invadindo meu espaço pessoal.
— Não me venha com essa, Luana. Todo mundo aqui já percebeu que há algo mais entre vocês dois. Não finja que é só trabalho.
Me senti como se tivesse levado um soco no estômago. Eu e Jonas realmente tínhamos nos aproximado, mas não era nada do que Helena estava insinuando. Nossas conversas, os momentos que compartilhamos, eram de genuína amizade, de um apoio mútuo para superar nossos passados difíceis.
— Você está enganada! — respondi firme, mas minha voz tremeu um pouco. — Não há nada além de respeito e amizade entre mim e Jonas.
Helena riu, mas era um riso sem alegria, cheio de desprezo.
— Respeito? Amizade? Você acha que alguém vai acreditar nisso? Você, a novata que aparece do nada e logo se torna a queridinha do patrão? Desculpe, mas isso não cola.
Tentei respirar fundo, mas meu coração batia rápido. Antes que eu pudesse responder, Jonas apareceu na porta do celeiro, atraído pelos gritos. Seus olhos imediatamente focaram em Helena e depois em mim, percebendo a tensão no ar.
— O que está acontecendo aqui? — perguntou, a voz calma, mas com um toque de autoridade.
Ela se virou para ele, sem um pingo de hesitação.
— Estou tentando entender a relação entre o senhor e Luana, patrão. Parece que nossa nova colega aqui está recebendo tratamento especial.
Jonas franziu a testa, claramente irritado.
— Helena, você está ultrapassando os limites. Luana é uma funcionária dedicada, e qualquer relação que temos é puramente profissional.
Ela não recuou, e eu admirei a coragem dela, mesmo que estivesse direcionada contra mim.
— E você espera que todos nós acreditemos nisso? Olhe para ela, patrão. Todo mundo vê como vocês dois são próximos.
Eu sentia o calor subindo no meu rosto. Queria desaparecer, mas sabia que precisava enfrentar isso.
— Helena, eu sei que você tem suas suspeitas, mas eu nunca faria nada para comprometer meu trabalho aqui. Respeito todos vocês e, principalmente, Jonas.
Jonas deu um passo à frente, colocando-se entre mim e ela.
— Confio em Luana. Ela tem sido uma parte vital da equipe, e não admito que você ou qualquer outro a trate dessa forma. Se tiver algum problema com isso, podemos discutir de maneira civilizada, mas não assim.
Helena olhou para Jonas, depois para mim, e eu vi algo mudar em seu olhar. Talvez fosse o tom definitivo de Jonas, ou a minha sinceridade. De qualquer forma, ela deu um passo atrás, ainda relutante.
— Só estou preocupada com a fazenda. — disse ela, a voz menos agressiva. — Não quero que nada a prejudique.
Jonas assentiu, a tensão em seus ombros diminuindo um pouco.
— Todos estamos, Helena. Mas isso não justifica atacar Luana. Vamos trabalhar juntos, com respeito. É só isso que peço.
Helena olhou para mim uma última vez antes de sair do celeiro. Soltei um suspiro de alívio, minhas mãos ainda tremendo. Jonas se virou para mim, a preocupação evidente em seus olhos.
— Você está bem?
Assenti, ainda tentando recuperar o fôlego.
— Sim, só... não esperava isso.
Ele colocou uma mão reconfortante no meu ombro.
— Sinto muito que tenha passado por isso. Helena é leal, mas às vezes exagera.
— Eu entendo. Só quero fazer meu trabalho bem e ajudar na fazenda.
Jonas sorriu, um sorriso pequeno, mas sincero.
— E está fazendo. Não deixe que isso te desanime.
Eu sorri de volta, sentindo um pouco do peso sair dos meus ombros. As coisas não seriam fáceis, mas com o apoio de Jonas, eu sabia que podia enfrentar qualquer desafio.
Depois que ele saiu, fiquei um momento sozinha no celeiro, refletindo. Helena tinha razão em uma coisa: minha relação com Jonas era especial, mas não da forma que ela pensava. Era uma amizade construída em respeito e entendimento mútuo, algo que eu não estava disposta a deixar que mal-entendidos destruíssem.
Continuei meu trabalho, mais determinada do que nunca a provar meu valor e a ganhar o respeito de todos na fazenda. A tarde passou devagar, mas a brisa suave e o som dos animais ao redor me ajudaram a encontrar paz novamente. Eu sabia que mais desafios viriam, mas também sabia que tinha força para enfrentá-los.
O sol já começava a se pôr quando terminei minhas tarefas. Caminhei em direção à casa principal, as palavras de Helena ainda ecoando na minha mente. Sabia que não seria fácil mudar a opinião dela e de outros, mas estava disposta a tentar. Afinal, a fazenda era mais do que um lugar de trabalho para mim; era um refúgio, um novo começo. E eu faria o possível para mantê-la assim.
Chegando à casa, encontrei Jonas no alpendre, olhando para o horizonte. Ele se virou ao ouvir meus passos, e eu vi uma preocupação genuína em seus olhos.
— Quer conversar? — perguntou ele, sua voz suave.
Assenti, sentando ao lado dele. Às vezes, as palavras não eram necessárias. A companhia silenciosa era suficiente para lembrar que, apesar dos desafios, eu não estava sozinha.
Enquanto o céu mudava de cor, percebi que a fazenda era mais do que um trabalho; era uma família. E, como em qualquer família, haveria desentendimentos e conflitos. Porém, com compreensão e respeito, poderíamos superar qualquer coisa juntos.
A noite caiu, e com ela, uma nova determinação cresceu dentro de mim. Eu não deixaria que mal-entendidos ou preconceitos definissem meu lugar ali. Eu era forte, e com o apoio de Jonas e a vontade de provar meu valor, enfrentaria qualquer desafio de cabeça erguida.
Jonas OliveiraA manhã na fazenda estava fresca, e o sol refletia nas águas do rio, criando um espetáculo de brilhos e sombras. Decidi caminhar até a margem, buscando um momento de paz antes de enfrentar o trabalho do dia. Foi então que ouvi uma melodia suave, quase como um sussurro carregado pelo vento. Segui o som, curioso.Ao me aproximar, a visão de Luana apareceu. Ela estava sentada em uma pedra, cantando com os olhos fechados, totalmente alheia à minha presença. Sua voz, doce e serena, se misturava com o murmúrio do rio, criando uma harmonia que parecia mágica. Não consegui evitar; fiquei parado, apenas observando.Luana, tão envolvida em sua canção, não percebeu quando pisei em um galho seco, que estalou alto. Seus olhos se abriram de repente, arregalados de surpresa. Em um reflexo desajeitado, ela tentou se levantar rapidamente, mas acabou escorregando na pedra molhada, caindo de bunda no chão com um baque surdo.Corri até ela, preocupado.— Está tudo bem, Luana? — perguntei,
Luana DutraO telefone da fazenda estava ali, antigo e robusto, pendurado na parede da cozinha. Era um desses aparelhos que quase não se vê mais, com disco giratório e um fio em espiral que parecia ter vivido décadas de histórias. Havia uma sensação de urgência no ar enquanto eu me aproximava. A saudade misturada com o medo fazia meu coração bater descompassado. Precisava falar com minha mãe, precisava ouvir sua voz, precisava que ela soubesse que eu estava bem, mesmo que não pudesse revelar onde estava.Peguei o fone com mãos trêmulas e disquei os números com cuidado. Cada giro do disco parecia eternizar o momento, deixando meus nervos à flor da pele. Quando a chamada começou a conectar, senti um frio na espinha. O toque do outro lado parecia ecoar pelo tempo, e cada segundo parecia uma eternidade até que a voz conhecida e amada atendesse.— Alô? — a voz da minha mãe soou como um bálsamo. Um turbilhão de emoções me envolveu. Era a primeira vez que eu ouvia sua voz desde que tinha fug
Jonas OliveiraA noite estava fria na fazenda. O céu, limpo, exibindo um mar de estrelas que parecia se estender até o infinito. Decidi acender uma fogueira perto do galpão, algo que sempre fiz para aquecer o corpo e acalmar a mente. Estava sentado num tronco velho, tomando uma cerveja, quando vi Luana passar. Seu cabelo balançava ao vento e, por um momento, ela pareceu hesitar.— Ei, Luana! — chamei, erguendo a garrafa. — Quer se juntar a mim?Ela olhou para mim, surpresa, mas depois sorriu e caminhou até a fogueira. Ela se sentou ao meu lado, seus olhos refletindo o brilho das chamas. Abri outra cerveja e entreguei a ela. Ela aceitou com um agradecimento silencioso, e nós ficamos ali, apenas curtindo a companhia um do outro e a serenidade da noite.— Faz tempo que não vejo uma noite tão clara. — disse Luana, quebrando o silêncio.— É, acho que a natureza resolveu nos dar um presente hoje. — respondi, sorrindo. — Às vezes, a vida na fazenda pode ser bem recompensadora.Conversa vai,
Luana DutraEstava na varanda da casa grande, observando o pôr do sol, quando ouvi os passos de Jonas se aproximando. O coração acelerou ao lembrar do beijo que ele me deu. Desde aquele dia, não conseguia parar de pensar nele, mas o medo de me envolver emocionalmente outra vez era maior. Já tinha sofrido demais no passado e não queria arriscar novamente.Jonas parou ao meu lado, os olhos fixos no horizonte. Ficamos em silêncio por alguns minutos, cada um perdido em seus próprios pensamentos.— Luana, precisamos conversar. — ele disse, a voz baixa, quase um sussurro.Respirei fundo, tentando reunir coragem para o que estava por vir. Ele não conseguia mesmo ficar sem falar comigo? Era hora de encarar ele outra vez.— Eu sei, Jonas. — respondi, minha voz soando mais firme do que eu me sentia por dentro.Ele se virou para me olhar, seus olhos brilhando com uma intensidade que me fez estremecer. Havia algo de vulnerável nele naquele momento, algo que nunca tinha visto antes.— Você pode vo
A luz da manhã entrava pela janela da cozinha, desenhando padrões de sombra no chão de madeira. Jonas estava encostado no balcão, com uma xícara de café na mão. Seus olhos, normalmente tão determinados, hoje pareciam carregar um peso diferente. Eu estava sentada à mesa, distraída com o barulho dos pássaros lá fora. Sentia que algo importante estava prestes a acontecer, mas não conseguia adivinhar o quê.— Luana, precisamos conversar. — começou ele, sua voz grave interrompendo meus pensamentos.Olhei para ele, curiosa e um pouco apreensiva. Jonas raramente era tão sério. Geralmente, ele era direto e objetivo, sempre com um plano em mente. Mas hoje, havia algo mais.— Claro, Jonas. Sobre o que é? — perguntei, tentando esconder minha ansiedade.Ele deu um gole no café, como se estivesse ganhando tempo para organizar seus pensamentos. Então, finalmente, falou:— Tenho observado seu trabalho aqui na fazenda. Você tem um talento natural, uma sensibilidade que poucos têm. Isso me fez pensar
Numa noite de folga, eu e a Rosana, uma das empregadas da fazenda, decidimos ir para a cidade e nos divertir. A rotina na fazenda, por mais gratificante que fosse, podia ser exaustiva. Precisávamos de uma pausa. Então, pegamos a caminhonete velha do Jonas e seguimos pela estrada de terra, com as luzes dos faróis iluminando nosso caminho.— Faz tempo que não saio. — comentei, tentando disfarçar a excitação na minha voz.Rosana riu, ajustando o volume do rádio que tocava uma música animada de sertanejo.— Nem me fale. A última vez que fui ao bar da cidade foi antes de você chegar. Precisamos disso, Luana.A cidade estava relativamente calma quando chegamos. As luzes dos postes lançavam um brilho amarelo nas ruas, e as vitrines das lojas ainda exibiam suas mercadorias. Estacionamos a caminhonete e saímos em direção ao bar que Rosana tanto falava. Ele ficava em uma esquina movimentada, com uma fachada simples, mas acolhedora. O som de risadas e música nos recebeu antes mesmo de cruzarmos
Estava na cidade, tentando me acostumar com a rotina de comprar mantimentos para a fazenda. Cada ida ao mercado era um lembrete da minha nova vida, distante de tudo que conhecia. Enquanto pegava algumas maçãs, senti um arrepio. Olhei ao redor e vi pessoas comuns, cuidando de suas próprias vidas. Mas algo não estava certo. Havia aquela sensação incômoda, uma impressão de que alguém me observava.Passei para a seção dos vegetais, tentando ignorar o desconforto, mas ele só aumentava. Meu coração começou a bater mais rápido. Tentei me concentrar nos produtos à minha frente, mas não conseguia afastar a sensação de ser vigiada. "Fernando?" O pensamento me gelou. E se ele tivesse me encontrado?Agarrei uma cabeça de alface e me virei rapidamente, tentando identificar o observador. Não vi ninguém conhecido, mas a paranoia não desaparecia. Acelerei o passo, indo em direção ao caixa. Precisava sair dali. Minha respiração estava rápida e superficial, e meu corpo começou a tremer.Enquanto pagava
Jonas OliveiraLá estava eu, sentado na varanda da fazenda, olhando o horizonte tingido pelo pôr do sol. A vida havia sido um turbilhão de emoções e dificuldades, mas ali, naquele momento, senti uma estranha sensação de paz. Era como se o universo estivesse me dando uma trégua. Luana saiu da casa com duas xícaras de chá. Seus passos eram leves, quase silenciosos, mas eu conseguia sentir sua presença antes mesmo de vê-la.— Trouxe um chá pra gente, Jonas. — disse ela, com um sorriso suave nos lábios.Aceitei a xícara, deixando o calor do chá aquecer minhas mãos. Ficamos em silêncio por um momento, apenas apreciando a companhia um do outro. O silêncio entre nós não era desconfortável; era uma trégua bem-vinda, um espaço para respirar.— Sabe, Luana — comecei, depois de um gole do chá —, tem sido difícil encontrar motivos para seguir em frente, mas desde que você chegou, sinto que algo mudou.Ela me olhou, seus olhos castanhos refletindo a luz dourada do sol poente. Havia uma profundidad