Jonas Oliveira
A manhã na fazenda estava fresca, e o sol refletia nas águas do rio, criando um espetáculo de brilhos e sombras. Decidi caminhar até a margem, buscando um momento de paz antes de enfrentar o trabalho do dia. Foi então que ouvi uma melodia suave, quase como um sussurro carregado pelo vento. Segui o som, curioso.
Ao me aproximar, a visão de Luana apareceu. Ela estava sentada em uma pedra, cantando com os olhos fechados, totalmente alheia à minha presença. Sua voz, doce e serena, se misturava com o murmúrio do rio, criando uma harmonia que parecia mágica. Não consegui evitar; fiquei parado, apenas observando.
Luana, tão envolvida em sua canção, não percebeu quando pisei em um galho seco, que estalou alto. Seus olhos se abriram de repente, arregalados de surpresa. Em um reflexo desajeitado, ela tentou se levantar rapidamente, mas acabou escorregando na pedra molhada, caindo de bunda no chão com um baque surdo.
Corri até ela, preocupado.
— Está tudo bem, Luana? — perguntei, estendendo a mão para ajudá-la a levantar.
Ela aceitou minha mão, as bochechas tingidas de um vermelho intenso. Quando nossos olhares se encontraram, senti uma corrente elétrica passar entre nós. Por um momento, ficamos ali, imóveis, as mãos entrelaçadas, como se o tempo tivesse parado.
— Sim, estou bem — respondeu ela, desviando o olhar rapidamente, tentando esconder o constrangimento.
— Me desculpe, eu não queria te assustar. — soltei sua mão, mas aquele breve contato deixou uma sensação estranha, um calor que não parecia querer ir embora.
Luana se levantou, ajeitando as roupas e tentando recuperar a compostura. Eu me abaixei para pegar o chapéu que ela deixara cair, entregando-o a ela com um sorriso.
— Você canta muito bem, sabia? — comentei, tentando aliviar a tensão no ar.
— Obrigada. É só um hobby — disse ela, enfiando o chapéu na cabeça e puxando a aba para esconder o rosto.
Nós dois ficamos em silêncio por alguns instantes, o som do rio preenchendo o espaço entre nós. Eu não conseguia tirar os olhos dela, e parecia que havia algo não dito, algo pairando no ar.
— Gosto de vir aqui para pensar — confessei, tentando continuar a conversa. — É um bom lugar para clarear a mente.
Luana assentiu, ainda evitando meu olhar.
— Eu também. Gosto da tranquilidade daqui.
Enquanto falávamos, percebi que havia algo diferente em Luana. Não era só a surpresa do momento, mas uma espécie de vulnerabilidade que eu não notara antes. Queria perguntar mais, entender melhor o que se passava na mente dela, mas não sabia como sem parecer intrusivo.
— Luana... — comecei, mas fui interrompido pelo som de risadas vindo da direção da fazenda. — Acho que o pessoal já começou a trabalhar.
Ela olhou para mim, e por um breve segundo, vi um sorriso tímido se formar.
— Sim, é melhor voltarmos. — concordou ela, virando-se para começar a caminhar de volta.
Seguimos lado a lado, o silêncio entre nos agora parecia mais confortável, como se aquele momento perto do rio tivesse criado uma nova conexão. Meus pensamentos estavam a mil, tentando processar o que havia acabado de acontecer. Algo mudara, mas eu ainda não conseguia entender exatamente o quê.
Quando chegamos à fazenda, Luana se afastou rapidamente, voltando às suas tarefas como se nada tivesse acontecido. Eu, por outro lado, não conseguia parar de pensar naqueles minutos à beira do rio. Sentia que havia mais ali, algo que precisava ser explorado, mas não sabia como ou quando.
Passei o resto do dia distraído, minha mente voltando repetidamente àquela cena. O jeito como ela cantava, a surpresa em seus olhos, a sensação de nossas mãos entrelaçadas... tudo isso formava um mosaico de emoções que eu não conseguia ignorar.
À noite, depois de um dia de trabalho duro, fui até a varanda da casa principal, olhando para o céu estrelado. O silêncio da noite era reconfortante, mas minha mente continuava agitada. O que estava acontecendo comigo?
No dia seguinte, decidi que não podia deixar as coisas como estavam. Precisava falar com Luana, mesmo sem saber ao certo o que queria dizer. Esperei até encontrar uma oportunidade, quando ela estava sozinha no estábulo, cuidando dos cavalos.
— Luana, podemos conversar? — perguntei, entrando devagar para não assustá-la.
Ela se virou, parecendo surpresa, mas não assustada desta vez.
— Claro, Jonas. O que foi? — perguntou, continuando a escovar um dos cavalos.
— Sobre ontem, lá no rio... — comecei, procurando as palavras certas, no entanto, meu nervosismo me fez travar.
Ela parou o que estava fazendo e olhou para mim, seus olhos refletindo a luz suave do estábulo.
— Sim? O que quer falar sobre ontem? Prefiro esquecer aquela situação embaraçosa. — disse ela, com honestidade.
— Não era nada em especial. Quero pedir que tenha mais cuidado, você poderia ter se machucado ontem. — disse, dando um passo em sua direção.
Ela suspirou, colocando a escova de lado e se aproximando.
— Jonas, não precisa se preocupar. Eu sou forte, veja bem. — disse de maneira divertida, mostrando seus pequenos músculos dos braços.
— Eu sei, Luana. Apenas quero que saiba que me preocupo com você, por favor, seja mais cuidadosa, está bem? — toquei seu braço levemente, sentindo aquele mesmo calor de antes.
Ela assentiu, afastando-se e sorrindo constrangida.
— Terei cuidado. E eu preciso continuar o meu trabalho agora.
Acabei dando uma gargalhada. Luana ficara nitidamente envergonhada. Ora, ora, ela estava me expulsando? Sim, era isso!
— Me quer tão longe assim? Devo me sentir ofendido? — questionei mirando em seus olhos.
— Eu? Que isso! Somos amigos, patrão e funcionária. Estou aqui para trabalhar, então preciso trabalhar e conversar em outro momento. É apenas isso. — disse ela de forma nervosa.
— Vou te poupar desta vez!
Ali no estábulo, com os cavalos como testemunhas silenciosas, saí com um sorriso no rosto e um sentimento diferente e perigoso. Luana me lembrou que eu ainda era um homem e ela uma mulher, algo que há anos não sentia após a perda da minha esposa.
Eu sabia que precisava ser cauteloso para não deixar que aquele sentimento novo estragasse a amizade que construímos. Tudo que menos queria era magoá-la, sabendo do seu passado com um relacionamento abusivo.
Luana DutraO telefone da fazenda estava ali, antigo e robusto, pendurado na parede da cozinha. Era um desses aparelhos que quase não se vê mais, com disco giratório e um fio em espiral que parecia ter vivido décadas de histórias. Havia uma sensação de urgência no ar enquanto eu me aproximava. A saudade misturada com o medo fazia meu coração bater descompassado. Precisava falar com minha mãe, precisava ouvir sua voz, precisava que ela soubesse que eu estava bem, mesmo que não pudesse revelar onde estava.Peguei o fone com mãos trêmulas e disquei os números com cuidado. Cada giro do disco parecia eternizar o momento, deixando meus nervos à flor da pele. Quando a chamada começou a conectar, senti um frio na espinha. O toque do outro lado parecia ecoar pelo tempo, e cada segundo parecia uma eternidade até que a voz conhecida e amada atendesse.— Alô? — a voz da minha mãe soou como um bálsamo. Um turbilhão de emoções me envolveu. Era a primeira vez que eu ouvia sua voz desde que tinha fug
Jonas OliveiraA noite estava fria na fazenda. O céu, limpo, exibindo um mar de estrelas que parecia se estender até o infinito. Decidi acender uma fogueira perto do galpão, algo que sempre fiz para aquecer o corpo e acalmar a mente. Estava sentado num tronco velho, tomando uma cerveja, quando vi Luana passar. Seu cabelo balançava ao vento e, por um momento, ela pareceu hesitar.— Ei, Luana! — chamei, erguendo a garrafa. — Quer se juntar a mim?Ela olhou para mim, surpresa, mas depois sorriu e caminhou até a fogueira. Ela se sentou ao meu lado, seus olhos refletindo o brilho das chamas. Abri outra cerveja e entreguei a ela. Ela aceitou com um agradecimento silencioso, e nós ficamos ali, apenas curtindo a companhia um do outro e a serenidade da noite.— Faz tempo que não vejo uma noite tão clara. — disse Luana, quebrando o silêncio.— É, acho que a natureza resolveu nos dar um presente hoje. — respondi, sorrindo. — Às vezes, a vida na fazenda pode ser bem recompensadora.Conversa vai,
Luana DutraEstava na varanda da casa grande, observando o pôr do sol, quando ouvi os passos de Jonas se aproximando. O coração acelerou ao lembrar do beijo que ele me deu. Desde aquele dia, não conseguia parar de pensar nele, mas o medo de me envolver emocionalmente outra vez era maior. Já tinha sofrido demais no passado e não queria arriscar novamente.Jonas parou ao meu lado, os olhos fixos no horizonte. Ficamos em silêncio por alguns minutos, cada um perdido em seus próprios pensamentos.— Luana, precisamos conversar. — ele disse, a voz baixa, quase um sussurro.Respirei fundo, tentando reunir coragem para o que estava por vir. Ele não conseguia mesmo ficar sem falar comigo? Era hora de encarar ele outra vez.— Eu sei, Jonas. — respondi, minha voz soando mais firme do que eu me sentia por dentro.Ele se virou para me olhar, seus olhos brilhando com uma intensidade que me fez estremecer. Havia algo de vulnerável nele naquele momento, algo que nunca tinha visto antes.— Você pode vo
A luz da manhã entrava pela janela da cozinha, desenhando padrões de sombra no chão de madeira. Jonas estava encostado no balcão, com uma xícara de café na mão. Seus olhos, normalmente tão determinados, hoje pareciam carregar um peso diferente. Eu estava sentada à mesa, distraída com o barulho dos pássaros lá fora. Sentia que algo importante estava prestes a acontecer, mas não conseguia adivinhar o quê.— Luana, precisamos conversar. — começou ele, sua voz grave interrompendo meus pensamentos.Olhei para ele, curiosa e um pouco apreensiva. Jonas raramente era tão sério. Geralmente, ele era direto e objetivo, sempre com um plano em mente. Mas hoje, havia algo mais.— Claro, Jonas. Sobre o que é? — perguntei, tentando esconder minha ansiedade.Ele deu um gole no café, como se estivesse ganhando tempo para organizar seus pensamentos. Então, finalmente, falou:— Tenho observado seu trabalho aqui na fazenda. Você tem um talento natural, uma sensibilidade que poucos têm. Isso me fez pensar
Numa noite de folga, eu e a Rosana, uma das empregadas da fazenda, decidimos ir para a cidade e nos divertir. A rotina na fazenda, por mais gratificante que fosse, podia ser exaustiva. Precisávamos de uma pausa. Então, pegamos a caminhonete velha do Jonas e seguimos pela estrada de terra, com as luzes dos faróis iluminando nosso caminho.— Faz tempo que não saio. — comentei, tentando disfarçar a excitação na minha voz.Rosana riu, ajustando o volume do rádio que tocava uma música animada de sertanejo.— Nem me fale. A última vez que fui ao bar da cidade foi antes de você chegar. Precisamos disso, Luana.A cidade estava relativamente calma quando chegamos. As luzes dos postes lançavam um brilho amarelo nas ruas, e as vitrines das lojas ainda exibiam suas mercadorias. Estacionamos a caminhonete e saímos em direção ao bar que Rosana tanto falava. Ele ficava em uma esquina movimentada, com uma fachada simples, mas acolhedora. O som de risadas e música nos recebeu antes mesmo de cruzarmos
Estava na cidade, tentando me acostumar com a rotina de comprar mantimentos para a fazenda. Cada ida ao mercado era um lembrete da minha nova vida, distante de tudo que conhecia. Enquanto pegava algumas maçãs, senti um arrepio. Olhei ao redor e vi pessoas comuns, cuidando de suas próprias vidas. Mas algo não estava certo. Havia aquela sensação incômoda, uma impressão de que alguém me observava.Passei para a seção dos vegetais, tentando ignorar o desconforto, mas ele só aumentava. Meu coração começou a bater mais rápido. Tentei me concentrar nos produtos à minha frente, mas não conseguia afastar a sensação de ser vigiada. "Fernando?" O pensamento me gelou. E se ele tivesse me encontrado?Agarrei uma cabeça de alface e me virei rapidamente, tentando identificar o observador. Não vi ninguém conhecido, mas a paranoia não desaparecia. Acelerei o passo, indo em direção ao caixa. Precisava sair dali. Minha respiração estava rápida e superficial, e meu corpo começou a tremer.Enquanto pagava
Jonas OliveiraLá estava eu, sentado na varanda da fazenda, olhando o horizonte tingido pelo pôr do sol. A vida havia sido um turbilhão de emoções e dificuldades, mas ali, naquele momento, senti uma estranha sensação de paz. Era como se o universo estivesse me dando uma trégua. Luana saiu da casa com duas xícaras de chá. Seus passos eram leves, quase silenciosos, mas eu conseguia sentir sua presença antes mesmo de vê-la.— Trouxe um chá pra gente, Jonas. — disse ela, com um sorriso suave nos lábios.Aceitei a xícara, deixando o calor do chá aquecer minhas mãos. Ficamos em silêncio por um momento, apenas apreciando a companhia um do outro. O silêncio entre nós não era desconfortável; era uma trégua bem-vinda, um espaço para respirar.— Sabe, Luana — comecei, depois de um gole do chá —, tem sido difícil encontrar motivos para seguir em frente, mas desde que você chegou, sinto que algo mudou.Ela me olhou, seus olhos castanhos refletindo a luz dourada do sol poente. Havia uma profundidad
Luana DutraAcordei cedo naquela manhã, antes mesmo do sol começar a despontar no horizonte. O ar fresco da madrugada me despertava, e eu sabia que precisava aproveitar ao máximo aquelas horas de tranquilidade antes que a rotina da fazenda começasse. Vesti minhas roupas de trabalho, calcei minhas botas e saí silenciosamente, tentando não fazer barulho ao fechar a porta.Caminhei até o estábulo, sentindo o orvalho nas folhas de grama roçar meus tornozelos. O som suave dos animais acordando me fez sorrir. A vida na fazenda tinha um ritmo próprio, um compasso tranquilo que me dava paz. Porém, nos últimos dias, algo parecia fora de sintonia. Pequenos incidentes estavam ocorrendo, e eu não podia ignorar a sensação de que alguém estava sabotando nossos esforços.Enquanto cuidava dos cavalos, ouvi passos atrás de mim. Virei-me e vi Jonas se aproximando, com a expressão séria.— Bom dia, Luana. — disse ele, tentando esconder a preocupação na voz.— Bom dia, Jonas. Está tudo bem?Ele suspirou,