Luana Dutra
O telefone da fazenda estava ali, antigo e robusto, pendurado na parede da cozinha. Era um desses aparelhos que quase não se vê mais, com disco giratório e um fio em espiral que parecia ter vivido décadas de histórias. Havia uma sensação de urgência no ar enquanto eu me aproximava. A saudade misturada com o medo fazia meu coração bater descompassado. Precisava falar com minha mãe, precisava ouvir sua voz, precisava que ela soubesse que eu estava bem, mesmo que não pudesse revelar onde estava.
Peguei o fone com mãos trêmulas e disquei os números com cuidado. Cada giro do disco parecia eternizar o momento, deixando meus nervos à flor da pele. Quando a chamada começou a conectar, senti um frio na espinha. O toque do outro lado parecia ecoar pelo tempo, e cada segundo parecia uma eternidade até que a voz conhecida e amada atendesse.
— Alô? — a voz da minha mãe soou como um bálsamo. Um turbilhão de emoções me envolveu. Era a primeira vez que eu ouvia sua voz desde que tinha fugido.
— Mãe, sou eu, Luana.
— Luana! Graças a Deus, você está bem? Onde você está, minha filha? — a preocupação na voz dela era evidente.
— Estou bem, mãe. Estou segura, mas não posso te dizer onde estou. É para minha segurança... e para a sua também. — minha voz saiu embargada, lutando contra as lágrimas que ameaçavam cair.
Houve um silêncio do outro lado da linha, mas eu podia quase ouvir os pensamentos da minha mãe rodopiando. Ela sempre foi uma mulher forte, mas eu sabia que minha situação estava corroendo sua alma.
— Eu entendo, minha filha. Sei que você tem medo de que Fernando te encontre... — ela não precisou terminar a frase. O nome de Fernando soava como um eco sombrio de um passado que eu estava desesperada para deixar para trás.
— Sim, mãe. Ele tentou me matar, e eu sei que não vai desistir até conseguir. — a dor e o medo na minha voz eram inconfundíveis. — Mas aqui estou segura. As pessoas aqui são boas. — olhei pela janela da cozinha, onde Jonas estava cuidando dos cavalos. A presença dele me dava um estranho sentimento de segurança.
— Fico feliz em saber que você está segura. Só queria poder te abraçar, saber que está mesmo bem. — a voz dela tremia, e eu sabia que estava chorando.
— Eu também queria isso, mãe. Mas preciso que confie em mim. Um dia, quando tudo isso acabar, eu volto para casa. Prometo.
— Eu confio, minha filha. Só quero que você se cuide. Não baixe a guarda, nunca. Fernando é perigoso. — a preocupação dela era quase palpável.
— Eu sei, mãe. Estou sendo cuidadosa. Jonas, o dono da fazenda onde estou, é uma pessoa boa. Ele me protege. — senti um calor invadir meu peito ao falar dele. Jonas tinha se tornado uma âncora em meio à tempestade que era minha vida.
— Ele parece ser um homem bom. Que Deus o abençoe por cuidar de você. — a voz dela era de gratidão.
— Ele realmente é, mãe. Ele tem seus próprios demônios para lidar, mas juntos estamos tentando superar nossas dores. — Eu queria contar mais, mas sabia que não podia me estender.
— Fico mais tranquila sabendo disso, Luana. Por favor, me ligue sempre que puder. Sua voz é tudo que tenho agora. — o desespero na voz dela era sufocante.
— Vou ligar, mãe. Sempre que puder. — olhei ao redor, sentindo uma pontada de culpa por não poder dizer mais. — Te amo, mãe. E diga ao papai que eu o amo também.
— Nós também te amamos, minha filha. Fique bem e não se esqueça que estamos aqui, esperando por você.
— Eu sei. Adeus, mãe. — com lágrimas nos olhos, desliguei o telefone. Ficar longe era uma das coisas mais difíceis que eu já tinha feito, mas era necessário. Eu sabia que era a única forma de proteger a mim mesma e a minha família.
Voltei para a cozinha, onde o cheiro de café fresco me acolheu. Jonas estava na porta, observando-me com aquele olhar que dizia muito mais do que palavras poderiam expressar. Ele não precisava perguntar; sabia que eu tinha falado com minha mãe.
— Tudo bem? — perguntou ele, com sua voz grave e reconfortante.
— Sim, falei com ela. Estão bem, mas preocupados, como sempre. — dei um sorriso fraco, tentando afastar a tristeza que ainda pesava no meu peito.
— Vai ficar tudo bem, Luana. Estamos fazendo o que podemos para te manter segura. — ele se aproximou e colocou a mão no meu ombro, oferecendo um conforto silencioso que eu tanto precisava.
Assenti, sentindo a gratidão encher meu coração. A vida na fazenda estava longe de ser fácil, mas era uma nova chance, um novo começo. E com Jonas ao meu lado, eu sentia que podia enfrentar qualquer coisa.
Os dias na fazenda eram cheios de trabalho duro, mas havia uma paz que eu não encontrava há tempos. Cada amanhecer trazia uma nova esperança, uma nova oportunidade de reconstruir minha vida. E cada noite, enquanto olhava para as estrelas, pensava na minha mãe e no quanto ela se sacrificava para me manter segura, mesmo à distância.
A conexão com Jonas também se fortalecia a cada dia. Descobríamos segredos sobre o passado de sua família através do antigo diário que eu encontrara. Cada página revelava mais sobre os segredos escondidos e as dores não ditas. E, de alguma forma, esses segredos nos aproximavam ainda mais, criando uma cumplicidade que nos ajudava a enfrentar nossos próprios medos e traumas.
Às vezes, sentávamos juntos à beira do rio, em silêncio, apenas apreciando a companhia um do outro. Havia uma serenidade nesses momentos que eu não trocaria por nada. Jonas era um homem complexo, cheio de cicatrizes, mas também de uma bondade rara. E essa bondade me dava forças para continuar, para acreditar que dias melhores viriam.
— Luana, você já pensou em contar onde você está para sua mãe? — perguntou ele uma noite, enquanto observávamos o pôr do sol.
— Já pensei, mas tenho medo do que isso pode causar. Ela já sofreu tanto por minha causa. Não quero que ela carregue mais esse peso. — respondi, olhando para o horizonte.
— Entendo. Mas saiba que você não está sozinha. Estou aqui para o que precisar. — ele sorriu, e aquele sorriso aquecia meu coração.
— Obrigada, Jonas. Você também não está sozinho. — respondi, sentindo uma conexão ainda mais forte com ele.
A vida na fazenda seguia, com suas rotinas e desafios, mas agora, com a certeza de que eu não estava mais sozinha. Cada ligação para minha mãe me dava forças para continuar, e cada dia ao lado de Jonas me fazia acreditar que, apesar de tudo, a vida ainda podia ser bela.
E assim, entre telefonemas, diários antigos e dias de trabalho árduo, fomos construindo uma nova história. Uma história de superação, de amizade e, quem sabe, de amor. Porque, no fim das contas, são esses momentos que nos definem e nos dão forças para seguir em frente, não importa o quão difícil a jornada possa ser.
A ligação para minha mãe foi um ponto de virada. Ela sabia dos riscos, entendia o perigo, mas também confiava que eu estava fazendo o melhor para me proteger. E essa confiança, esse amor incondicional, era o que me mantinha forte, mesmo nos dias mais difíceis.
Jonas OliveiraA noite estava fria na fazenda. O céu, limpo, exibindo um mar de estrelas que parecia se estender até o infinito. Decidi acender uma fogueira perto do galpão, algo que sempre fiz para aquecer o corpo e acalmar a mente. Estava sentado num tronco velho, tomando uma cerveja, quando vi Luana passar. Seu cabelo balançava ao vento e, por um momento, ela pareceu hesitar.— Ei, Luana! — chamei, erguendo a garrafa. — Quer se juntar a mim?Ela olhou para mim, surpresa, mas depois sorriu e caminhou até a fogueira. Ela se sentou ao meu lado, seus olhos refletindo o brilho das chamas. Abri outra cerveja e entreguei a ela. Ela aceitou com um agradecimento silencioso, e nós ficamos ali, apenas curtindo a companhia um do outro e a serenidade da noite.— Faz tempo que não vejo uma noite tão clara. — disse Luana, quebrando o silêncio.— É, acho que a natureza resolveu nos dar um presente hoje. — respondi, sorrindo. — Às vezes, a vida na fazenda pode ser bem recompensadora.Conversa vai,
Luana DutraEstava na varanda da casa grande, observando o pôr do sol, quando ouvi os passos de Jonas se aproximando. O coração acelerou ao lembrar do beijo que ele me deu. Desde aquele dia, não conseguia parar de pensar nele, mas o medo de me envolver emocionalmente outra vez era maior. Já tinha sofrido demais no passado e não queria arriscar novamente.Jonas parou ao meu lado, os olhos fixos no horizonte. Ficamos em silêncio por alguns minutos, cada um perdido em seus próprios pensamentos.— Luana, precisamos conversar. — ele disse, a voz baixa, quase um sussurro.Respirei fundo, tentando reunir coragem para o que estava por vir. Ele não conseguia mesmo ficar sem falar comigo? Era hora de encarar ele outra vez.— Eu sei, Jonas. — respondi, minha voz soando mais firme do que eu me sentia por dentro.Ele se virou para me olhar, seus olhos brilhando com uma intensidade que me fez estremecer. Havia algo de vulnerável nele naquele momento, algo que nunca tinha visto antes.— Você pode vo
A luz da manhã entrava pela janela da cozinha, desenhando padrões de sombra no chão de madeira. Jonas estava encostado no balcão, com uma xícara de café na mão. Seus olhos, normalmente tão determinados, hoje pareciam carregar um peso diferente. Eu estava sentada à mesa, distraída com o barulho dos pássaros lá fora. Sentia que algo importante estava prestes a acontecer, mas não conseguia adivinhar o quê.— Luana, precisamos conversar. — começou ele, sua voz grave interrompendo meus pensamentos.Olhei para ele, curiosa e um pouco apreensiva. Jonas raramente era tão sério. Geralmente, ele era direto e objetivo, sempre com um plano em mente. Mas hoje, havia algo mais.— Claro, Jonas. Sobre o que é? — perguntei, tentando esconder minha ansiedade.Ele deu um gole no café, como se estivesse ganhando tempo para organizar seus pensamentos. Então, finalmente, falou:— Tenho observado seu trabalho aqui na fazenda. Você tem um talento natural, uma sensibilidade que poucos têm. Isso me fez pensar
Numa noite de folga, eu e a Rosana, uma das empregadas da fazenda, decidimos ir para a cidade e nos divertir. A rotina na fazenda, por mais gratificante que fosse, podia ser exaustiva. Precisávamos de uma pausa. Então, pegamos a caminhonete velha do Jonas e seguimos pela estrada de terra, com as luzes dos faróis iluminando nosso caminho.— Faz tempo que não saio. — comentei, tentando disfarçar a excitação na minha voz.Rosana riu, ajustando o volume do rádio que tocava uma música animada de sertanejo.— Nem me fale. A última vez que fui ao bar da cidade foi antes de você chegar. Precisamos disso, Luana.A cidade estava relativamente calma quando chegamos. As luzes dos postes lançavam um brilho amarelo nas ruas, e as vitrines das lojas ainda exibiam suas mercadorias. Estacionamos a caminhonete e saímos em direção ao bar que Rosana tanto falava. Ele ficava em uma esquina movimentada, com uma fachada simples, mas acolhedora. O som de risadas e música nos recebeu antes mesmo de cruzarmos
Estava na cidade, tentando me acostumar com a rotina de comprar mantimentos para a fazenda. Cada ida ao mercado era um lembrete da minha nova vida, distante de tudo que conhecia. Enquanto pegava algumas maçãs, senti um arrepio. Olhei ao redor e vi pessoas comuns, cuidando de suas próprias vidas. Mas algo não estava certo. Havia aquela sensação incômoda, uma impressão de que alguém me observava.Passei para a seção dos vegetais, tentando ignorar o desconforto, mas ele só aumentava. Meu coração começou a bater mais rápido. Tentei me concentrar nos produtos à minha frente, mas não conseguia afastar a sensação de ser vigiada. "Fernando?" O pensamento me gelou. E se ele tivesse me encontrado?Agarrei uma cabeça de alface e me virei rapidamente, tentando identificar o observador. Não vi ninguém conhecido, mas a paranoia não desaparecia. Acelerei o passo, indo em direção ao caixa. Precisava sair dali. Minha respiração estava rápida e superficial, e meu corpo começou a tremer.Enquanto pagava
Jonas OliveiraLá estava eu, sentado na varanda da fazenda, olhando o horizonte tingido pelo pôr do sol. A vida havia sido um turbilhão de emoções e dificuldades, mas ali, naquele momento, senti uma estranha sensação de paz. Era como se o universo estivesse me dando uma trégua. Luana saiu da casa com duas xícaras de chá. Seus passos eram leves, quase silenciosos, mas eu conseguia sentir sua presença antes mesmo de vê-la.— Trouxe um chá pra gente, Jonas. — disse ela, com um sorriso suave nos lábios.Aceitei a xícara, deixando o calor do chá aquecer minhas mãos. Ficamos em silêncio por um momento, apenas apreciando a companhia um do outro. O silêncio entre nós não era desconfortável; era uma trégua bem-vinda, um espaço para respirar.— Sabe, Luana — comecei, depois de um gole do chá —, tem sido difícil encontrar motivos para seguir em frente, mas desde que você chegou, sinto que algo mudou.Ela me olhou, seus olhos castanhos refletindo a luz dourada do sol poente. Havia uma profundidad
Luana DutraAcordei cedo naquela manhã, antes mesmo do sol começar a despontar no horizonte. O ar fresco da madrugada me despertava, e eu sabia que precisava aproveitar ao máximo aquelas horas de tranquilidade antes que a rotina da fazenda começasse. Vesti minhas roupas de trabalho, calcei minhas botas e saí silenciosamente, tentando não fazer barulho ao fechar a porta.Caminhei até o estábulo, sentindo o orvalho nas folhas de grama roçar meus tornozelos. O som suave dos animais acordando me fez sorrir. A vida na fazenda tinha um ritmo próprio, um compasso tranquilo que me dava paz. Porém, nos últimos dias, algo parecia fora de sintonia. Pequenos incidentes estavam ocorrendo, e eu não podia ignorar a sensação de que alguém estava sabotando nossos esforços.Enquanto cuidava dos cavalos, ouvi passos atrás de mim. Virei-me e vi Jonas se aproximando, com a expressão séria.— Bom dia, Luana. — disse ele, tentando esconder a preocupação na voz.— Bom dia, Jonas. Está tudo bem?Ele suspirou,
Jonas OliveiraAcordei com o canto dos galos, o sol ainda tímido no horizonte. Hoje era o grande dia, o festival de colheita. Fazia anos que a comunidade não se reunia para celebrar algo em grande estilo. Sentia um frio na barriga, uma mistura de ansiedade e expectativa. Vesti minha camisa xadrez, calcei as botas e desci as escadas da casa grande.A cozinha já estava em alvoroço. Dona Lourdes, a cozinheira, estava a mil com as panelas, assando bolos e preparando quitutes. Luana estava ao lado dela, ajudando com as tortas de maçã. Ela parecia tão concentrada e serena, o que sempre trazia um ar de paz para o ambiente.— Luana, tudo pronto por aqui? — perguntei, tentando disfarçar a apreensão.— Quase tudo, Jonas. Dona Lourdes é uma mestre, em breve estará tudo no ponto. — respondeu ela com um sorriso que sempre me acalmava.Fui até o celeiro, onde os outros empregados da fazenda já estavam cuidando dos últimos detalhes. As mesas foram montadas, as cadeiras arrumadas em volta do palco im