Estou no celeiro, organizando algumas ferramentas. O cheiro de feno fresco invade minhas narinas, e sinto uma sensação de paz, algo que há muito tempo não experimentava. Desde que cheguei à fazenda, minha vida tem sido uma correria, porém, uma boa correria. Trabalhar aqui tem me ajudado a esquecer meu passado, mesmo que apenas temporariamente. Porém, hoje sinto uma inquietação diferente. Algo dentro de mim me diz que hoje será um dia diferente.
Enquanto ajeito uma enxada no canto, vejo Jonas se aproximar. Ele carrega uma caixa pesada de pregos e a coloca no chão ao meu lado. Seu rosto está coberto de suor, mas ele sorri, como sempre.
— Luana, precisamos consertar a cerca do pasto sul hoje. Está com um buraco grande e as vacas podem escapar.
— Claro, Jonas. Pegarei as ferramentas necessárias.
Trabalhamos juntos em silêncio por alguns minutos. A presença de Jonas é reconfortante, apesar de sua aparência rude. Ele tem sido mais que um patrão; tem sido um amigo, alguém em quem posso confiar. É difícil para mim confiar em alguém depois de tudo o que aconteceu, mas com ele é diferente.
Enquanto caminhamos em direção ao pasto sul, carregando ferramentas e madeira, o silêncio é quebrado por uma pergunta inesperada de Jonas.
— Luana, você já pensou em enfrentar seu passado?
A pergunta me pega desprevenida. Meu coração acelera, e minhas mãos começam a suar. Paro de andar e encaro o horizonte, tentando encontrar as palavras certas.
— Não é tão simples assim, Jonas. Há coisas que prefiro deixar enterradas.
Ele para ao meu lado e coloca a mão no meu ombro, num gesto de conforto.
— Eu entendo. Eu também tenho meus demônios. Mas às vezes, encará-los é o único jeito de seguir em frente.
Suspiro, sentindo uma mistura de alívio e medo. Sei que ele tem razão, mas a ideia de revisitar meu passado me apavora. Continuamos caminhando, e o silêncio se instala novamente, entretanto, desta vez, é um silêncio mais confortável.
Chegamos à cerca e começamos a trabalhar. Jonas martela os pregos na madeira com força e precisão, enquanto eu seguro as tábuas no lugar. É um trabalho árduo, mas a presença dele torna tudo mais suportável. Após um tempo, fazemos uma pausa para beber água. Sento-me na grama, e Jonas faz o mesmo.
— Sabe, Luana, eu também tenho coisas que me atormentam. Coisas que me arrependem e que não posso mudar.
Olho para ele, surpresa pela vulnerabilidade em sua voz. Nunca imaginei que Jonas, sempre tão forte e confiante, também tivesse suas cicatrizes.
— O que aconteceu?
Ele hesita por um momento, olhando para o horizonte, como se estivesse revivendo memórias antigas.
— Perdi minha esposa e meu filho num acidente de carro há cinco anos. Foi culpa minha. Estava dirigindo rápido demais. Desde então, venho tentando me redimir, de algum jeito.
Sinto um aperto no coração ao ouvir sua história. A dor em seus olhos é evidente, e pela primeira vez, vejo Jonas não apenas como um patrão e amigo, mas como alguém que carrega uma dor profunda, assim como eu.
— Sinto muito, Jonas. Não sabia.
— Não tem como saber, a menos que eu conte. E acho que é isso que estou tentando dizer. Às vezes, falar sobre nossas dores ajuda a aliviar o peso.
Ele tem razão. Talvez compartilhar minha história com ele possa ajudar, mas ainda sinto medo. No entanto, decido tentar.
— Eu... fugi de um relacionamento abusivo. Ele era manipulador e violento. Demorei anos para ter coragem de partir. E quando finalmente consegui, vim para cá, tentando recomeçar.
Jonas me olha com compreensão e tristeza.
— Sinto muito que tenha passado por isso, Luana. Ninguém merece sofrer assim.
— Obrigada. É difícil, mas estar aqui tem me ajudado. Trabalhar na fazenda, ter você como amigo... tem feito uma grande diferença.
Ele sorri, e sinto um calor no peito. É bom sentir que não estou sozinha. Continuamos a trabalhar na cerca, e a conversa flui mais naturalmente agora. Falamos sobre nossas vidas, nossos medos e sonhos. A cada palavra trocada, sinto que estamos construindo algo mais que apenas uma cerca.
Quando terminamos, o sol já está se pondo. O céu está tingido de laranja e rosa, criando um espetáculo de cores. Sentamos na grama novamente, admirando a vista.
— Luana, obrigado por confiar em mim. Sei que não é fácil.
— Obrigada por me ouvir, Jonas. E por compartilhar sua história comigo.
Ele sorri, e por um momento, tudo parece em paz. Talvez esse seja o começo de algo novo, algo bom. À medida que a noite cai, voltamos para a casa, lado a lado, sabendo que, apesar dos nossos passados sombrios, temos um ao outro para seguir em frente.
Nos dias que se seguem, nossa conexão continua a se fortalecer. Trabalhamos juntos, compartilhamos risadas e até lágrimas. Jonas me ensina mais sobre a fazenda, e eu o ajudo a organizar seus papéis e a planejar as colheitas. Cada dia que passa, sinto que estou me curando, pouco a pouco.
Certa noite, enquanto estamos na varanda, olhando as estrelas, Jonas se vira para mim e diz:
— Luana, estou pensando em expandir a fazenda. Plantar novas culturas, talvez até abrir uma pequena loja para vender nossos produtos. O que acha?
Fico animada com a ideia. Sinto que é uma oportunidade para crescer, tanto profissionalmente quanto pessoalmente.
— Acho uma excelente ideia! Posso ajudar a planejar e organizar tudo.
Ele sorri, e mais uma vez, sinto aquele calor no peito. Trabalhar com Jonas e compartilhar esses momentos tem sido uma bênção. Não sei o que o futuro nos reserva, mas sei que, juntos, podemos enfrentar qualquer coisa.
Em uma tarde, enquanto estávamos cuidando dos animais, Jonas segurou minha mão e olhou nos meus olhos.
— Luana, você trouxe luz para a minha vida. Não sei como seria sem você aqui.
Meu coração disparou, e senti as lágrimas se acumulando nos meus olhos. Eu não sabia bem o porquê daquela minha reação, porém, significava muito aquelas palavras.
— Jonas, você também trouxe luz para a minha. Não poderia ter pedido por um amigo melhor.
Ele se aproximou e me abraçou inesperadamente. Senti meu rosto queimar, contudo, retribui aquele abraço sincero.
Aquela fazenda, que antes era apenas um refúgio, se tornou um lar onde encontrei a minha paz e felicidade. Encarar o passado nunca é fácil e eu sentia que Jonas e eu poderíamos continuar nos ajudando e fortalecendo nossa amizade.
Jonas OliveiraEncontrei com o Gustavo na cidade. Fazia tempo que não nos víamos, mas a amizade continuava a mesma. Depois de resolver umas coisas no mercado, ele sugeriu que fôssemos até o bar do Pedro. Não queria parecer mal-educado, então concordei.Entramos no bar, e o cheiro de cerveja e amendoim torrado me trouxe lembranças antigas. Gustavo pediu duas cervejas e sentamos num canto mais afastado. Não demorou muito para ele tocar no assunto que eu sempre evito.— Jonas, faz quanto tempo mesmo? — ele perguntou, quebrando o silêncio.Fiquei um tempo olhando para a cerveja, girando o copo na mesa. Sabia do que ele estava falando, porém, não estava pronto para responder. No entanto, não poderia evitar para sempre.— Faz cinco anos — respondi, tentando manter a voz firme.Ele assentiu, parecendo escolher as próximas palavras com cuidado. Eu sabia que a preocupação dele era genuína, mas não estava preparado para o que viria a seguir.— E até quando você vai ficar de luto? — a pergunta s
Luana DutraA tarde estava quente, e eu mal tinha começado a segunda metade do meu dia de trabalho. Estava no celeiro, organizando algumas ferramentas, quando ouvi passos firmes se aproximando. Reconheci de imediato: era Helena, uma das trabalhadoras mais antigas da fazenda. Tinha algo no olhar dela que não me agradava.— Luana — começou ela, sem rodeios —, podemos conversar?Me endireitei, limpando as mãos na calça jeans. Helena não era de fazer cerimônia, mas o tom dela era diferente hoje, mais carregado.— Claro, Helena. O que foi?Ela cruzou os braços, olhos semicerrados.— Tenho visto como você e Jonas têm estado próximos ultimamente.Suspirei, tentando manter a calma. Já sabia onde isso ia parar.— Jonas é meu patrão, Helena. Estamos apenas trabalhando juntos para manter a fazenda funcionando bem.Ela deu um passo à frente, invadindo meu espaço pessoal.— Não me venha com essa, Luana. Todo mundo aqui já percebeu que há algo mais entre vocês dois. Não finja que é só trabalho.Me
Jonas OliveiraA manhã na fazenda estava fresca, e o sol refletia nas águas do rio, criando um espetáculo de brilhos e sombras. Decidi caminhar até a margem, buscando um momento de paz antes de enfrentar o trabalho do dia. Foi então que ouvi uma melodia suave, quase como um sussurro carregado pelo vento. Segui o som, curioso.Ao me aproximar, a visão de Luana apareceu. Ela estava sentada em uma pedra, cantando com os olhos fechados, totalmente alheia à minha presença. Sua voz, doce e serena, se misturava com o murmúrio do rio, criando uma harmonia que parecia mágica. Não consegui evitar; fiquei parado, apenas observando.Luana, tão envolvida em sua canção, não percebeu quando pisei em um galho seco, que estalou alto. Seus olhos se abriram de repente, arregalados de surpresa. Em um reflexo desajeitado, ela tentou se levantar rapidamente, mas acabou escorregando na pedra molhada, caindo de bunda no chão com um baque surdo.Corri até ela, preocupado.— Está tudo bem, Luana? — perguntei,
Luana DutraO telefone da fazenda estava ali, antigo e robusto, pendurado na parede da cozinha. Era um desses aparelhos que quase não se vê mais, com disco giratório e um fio em espiral que parecia ter vivido décadas de histórias. Havia uma sensação de urgência no ar enquanto eu me aproximava. A saudade misturada com o medo fazia meu coração bater descompassado. Precisava falar com minha mãe, precisava ouvir sua voz, precisava que ela soubesse que eu estava bem, mesmo que não pudesse revelar onde estava.Peguei o fone com mãos trêmulas e disquei os números com cuidado. Cada giro do disco parecia eternizar o momento, deixando meus nervos à flor da pele. Quando a chamada começou a conectar, senti um frio na espinha. O toque do outro lado parecia ecoar pelo tempo, e cada segundo parecia uma eternidade até que a voz conhecida e amada atendesse.— Alô? — a voz da minha mãe soou como um bálsamo. Um turbilhão de emoções me envolveu. Era a primeira vez que eu ouvia sua voz desde que tinha fug
Jonas OliveiraA noite estava fria na fazenda. O céu, limpo, exibindo um mar de estrelas que parecia se estender até o infinito. Decidi acender uma fogueira perto do galpão, algo que sempre fiz para aquecer o corpo e acalmar a mente. Estava sentado num tronco velho, tomando uma cerveja, quando vi Luana passar. Seu cabelo balançava ao vento e, por um momento, ela pareceu hesitar.— Ei, Luana! — chamei, erguendo a garrafa. — Quer se juntar a mim?Ela olhou para mim, surpresa, mas depois sorriu e caminhou até a fogueira. Ela se sentou ao meu lado, seus olhos refletindo o brilho das chamas. Abri outra cerveja e entreguei a ela. Ela aceitou com um agradecimento silencioso, e nós ficamos ali, apenas curtindo a companhia um do outro e a serenidade da noite.— Faz tempo que não vejo uma noite tão clara. — disse Luana, quebrando o silêncio.— É, acho que a natureza resolveu nos dar um presente hoje. — respondi, sorrindo. — Às vezes, a vida na fazenda pode ser bem recompensadora.Conversa vai,
Luana DutraEstava na varanda da casa grande, observando o pôr do sol, quando ouvi os passos de Jonas se aproximando. O coração acelerou ao lembrar do beijo que ele me deu. Desde aquele dia, não conseguia parar de pensar nele, mas o medo de me envolver emocionalmente outra vez era maior. Já tinha sofrido demais no passado e não queria arriscar novamente.Jonas parou ao meu lado, os olhos fixos no horizonte. Ficamos em silêncio por alguns minutos, cada um perdido em seus próprios pensamentos.— Luana, precisamos conversar. — ele disse, a voz baixa, quase um sussurro.Respirei fundo, tentando reunir coragem para o que estava por vir. Ele não conseguia mesmo ficar sem falar comigo? Era hora de encarar ele outra vez.— Eu sei, Jonas. — respondi, minha voz soando mais firme do que eu me sentia por dentro.Ele se virou para me olhar, seus olhos brilhando com uma intensidade que me fez estremecer. Havia algo de vulnerável nele naquele momento, algo que nunca tinha visto antes.— Você pode vo
A luz da manhã entrava pela janela da cozinha, desenhando padrões de sombra no chão de madeira. Jonas estava encostado no balcão, com uma xícara de café na mão. Seus olhos, normalmente tão determinados, hoje pareciam carregar um peso diferente. Eu estava sentada à mesa, distraída com o barulho dos pássaros lá fora. Sentia que algo importante estava prestes a acontecer, mas não conseguia adivinhar o quê.— Luana, precisamos conversar. — começou ele, sua voz grave interrompendo meus pensamentos.Olhei para ele, curiosa e um pouco apreensiva. Jonas raramente era tão sério. Geralmente, ele era direto e objetivo, sempre com um plano em mente. Mas hoje, havia algo mais.— Claro, Jonas. Sobre o que é? — perguntei, tentando esconder minha ansiedade.Ele deu um gole no café, como se estivesse ganhando tempo para organizar seus pensamentos. Então, finalmente, falou:— Tenho observado seu trabalho aqui na fazenda. Você tem um talento natural, uma sensibilidade que poucos têm. Isso me fez pensar
Numa noite de folga, eu e a Rosana, uma das empregadas da fazenda, decidimos ir para a cidade e nos divertir. A rotina na fazenda, por mais gratificante que fosse, podia ser exaustiva. Precisávamos de uma pausa. Então, pegamos a caminhonete velha do Jonas e seguimos pela estrada de terra, com as luzes dos faróis iluminando nosso caminho.— Faz tempo que não saio. — comentei, tentando disfarçar a excitação na minha voz.Rosana riu, ajustando o volume do rádio que tocava uma música animada de sertanejo.— Nem me fale. A última vez que fui ao bar da cidade foi antes de você chegar. Precisamos disso, Luana.A cidade estava relativamente calma quando chegamos. As luzes dos postes lançavam um brilho amarelo nas ruas, e as vitrines das lojas ainda exibiam suas mercadorias. Estacionamos a caminhonete e saímos em direção ao bar que Rosana tanto falava. Ele ficava em uma esquina movimentada, com uma fachada simples, mas acolhedora. O som de risadas e música nos recebeu antes mesmo de cruzarmos