Capítulo 2 Curando Feridas

Estou no celeiro, organizando algumas ferramentas. O cheiro de feno fresco invade minhas narinas, e sinto uma sensação de paz, algo que há muito tempo não experimentava. Desde que cheguei à fazenda, minha vida tem sido uma correria, porém, uma boa correria. Trabalhar aqui tem me ajudado a esquecer meu passado, mesmo que apenas temporariamente. Porém, hoje sinto uma inquietação diferente. Algo dentro de mim me diz que hoje será um dia diferente.

Enquanto ajeito uma enxada no canto, vejo Jonas se aproximar. Ele carrega uma caixa pesada de pregos e a coloca no chão ao meu lado. Seu rosto está coberto de suor, mas ele sorri, como sempre.

— Luana, precisamos consertar a cerca do pasto sul hoje. Está com um buraco grande e as vacas podem escapar.

— Claro, Jonas. Pegarei as ferramentas necessárias.

Trabalhamos juntos em silêncio por alguns minutos. A presença de Jonas é reconfortante, apesar de sua aparência rude. Ele tem sido mais que um patrão; tem sido um amigo, alguém em quem posso confiar. É difícil para mim confiar em alguém depois de tudo o que aconteceu, mas com ele é diferente.

Enquanto caminhamos em direção ao pasto sul, carregando ferramentas e madeira, o silêncio é quebrado por uma pergunta inesperada de Jonas.

— Luana, você já pensou em enfrentar seu passado?

A pergunta me pega desprevenida. Meu coração acelera, e minhas mãos começam a suar. Paro de andar e encaro o horizonte, tentando encontrar as palavras certas.

— Não é tão simples assim, Jonas. Há coisas que prefiro deixar enterradas.

Ele para ao meu lado e coloca a mão no meu ombro, num gesto de conforto.

— Eu entendo. Eu também tenho meus demônios. Mas às vezes, encará-los é o único jeito de seguir em frente.

Suspiro, sentindo uma mistura de alívio e medo. Sei que ele tem razão, mas a ideia de revisitar meu passado me apavora. Continuamos caminhando, e o silêncio se instala novamente, entretanto, desta vez, é um silêncio mais confortável.

Chegamos à cerca e começamos a trabalhar. Jonas martela os pregos na madeira com força e precisão, enquanto eu seguro as tábuas no lugar. É um trabalho árduo, mas a presença dele torna tudo mais suportável. Após um tempo, fazemos uma pausa para beber água. Sento-me na grama, e Jonas faz o mesmo.

— Sabe, Luana, eu também tenho coisas que me atormentam. Coisas que me arrependem e que não posso mudar.

Olho para ele, surpresa pela vulnerabilidade em sua voz. Nunca imaginei que Jonas, sempre tão forte e confiante, também tivesse suas cicatrizes.

— O que aconteceu?

Ele hesita por um momento, olhando para o horizonte, como se estivesse revivendo memórias antigas.

— Perdi minha esposa e meu filho num acidente de carro há cinco anos. Foi culpa minha. Estava dirigindo rápido demais. Desde então, venho tentando me redimir, de algum jeito.

Sinto um aperto no coração ao ouvir sua história. A dor em seus olhos é evidente, e pela primeira vez, vejo Jonas não apenas como um patrão e amigo, mas como alguém que carrega uma dor profunda, assim como eu.

— Sinto muito, Jonas. Não sabia.

— Não tem como saber, a menos que eu conte. E acho que é isso que estou tentando dizer. Às vezes, falar sobre nossas dores ajuda a aliviar o peso.

Ele tem razão. Talvez compartilhar minha história com ele possa ajudar, mas ainda sinto medo. No entanto, decido tentar.

— Eu... fugi de um relacionamento abusivo. Ele era manipulador e violento. Demorei anos para ter coragem de partir. E quando finalmente consegui, vim para cá, tentando recomeçar.

Jonas me olha com compreensão e tristeza.

— Sinto muito que tenha passado por isso, Luana. Ninguém merece sofrer assim.

— Obrigada. É difícil, mas estar aqui tem me ajudado. Trabalhar na fazenda, ter você como amigo... tem feito uma grande diferença.

Ele sorri, e sinto um calor no peito. É bom sentir que não estou sozinha. Continuamos a trabalhar na cerca, e a conversa flui mais naturalmente agora. Falamos sobre nossas vidas, nossos medos e sonhos. A cada palavra trocada, sinto que estamos construindo algo mais que apenas uma cerca.

Quando terminamos, o sol já está se pondo. O céu está tingido de laranja e rosa, criando um espetáculo de cores. Sentamos na grama novamente, admirando a vista.

— Luana, obrigado por confiar em mim. Sei que não é fácil.

— Obrigada por me ouvir, Jonas. E por compartilhar sua história comigo.

Ele sorri, e por um momento, tudo parece em paz. Talvez esse seja o começo de algo novo, algo bom. À medida que a noite cai, voltamos para a casa, lado a lado, sabendo que, apesar dos nossos passados sombrios, temos um ao outro para seguir em frente.

Nos dias que se seguem, nossa conexão continua a se fortalecer. Trabalhamos juntos, compartilhamos risadas e até lágrimas. Jonas me ensina mais sobre a fazenda, e eu o ajudo a organizar seus papéis e a planejar as colheitas. Cada dia que passa, sinto que estou me curando, pouco a pouco.

Certa noite, enquanto estamos na varanda, olhando as estrelas, Jonas se vira para mim e diz:

— Luana, estou pensando em expandir a fazenda. Plantar novas culturas, talvez até abrir uma pequena loja para vender nossos produtos. O que acha?

Fico animada com a ideia. Sinto que é uma oportunidade para crescer, tanto profissionalmente quanto pessoalmente.

— Acho uma excelente ideia! Posso ajudar a planejar e organizar tudo.

Ele sorri, e mais uma vez, sinto aquele calor no peito. Trabalhar com Jonas e compartilhar esses momentos tem sido uma bênção. Não sei o que o futuro nos reserva, mas sei que, juntos, podemos enfrentar qualquer coisa.

Em uma tarde, enquanto estávamos cuidando dos animais, Jonas segurou minha mão e olhou nos meus olhos.

— Luana, você trouxe luz para a minha vida. Não sei como seria sem você aqui.

Meu coração disparou, e senti as lágrimas se acumulando nos meus olhos. Eu não sabia bem o porquê daquela minha reação, porém, significava muito aquelas palavras.

— Jonas, você também trouxe luz para a minha. Não poderia ter pedido por um amigo melhor.

Ele se aproximou e me abraçou inesperadamente. Senti meu rosto queimar, contudo, retribui aquele abraço sincero.

Aquela fazenda, que antes era apenas um refúgio, se tornou um lar onde encontrei a minha paz e felicidade. Encarar o passado nunca é fácil e eu sentia que Jonas e eu poderíamos continuar nos ajudando e fortalecendo nossa amizade.

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