O frio da manhã beirava o gélido, mesmo com o céu limpo e o sol já subindo preguiçosamente no horizonte. Eu estava na varanda da mansão, envolta em um manto grosso, com as mãos pousadas sobre meu ventre arredondado, sentindo os primeiros raios de luz aquecerem minha pele. A gravidez já avançava o suficiente para que os movimentos do bebê fossem constantes, e às vezes, imprevisíveis.Mas hoje... havia algo diferente no ar.Freiren se revirava inquieta dentro de mim, os sentidos aguçados, como se uma presença invisível se arrastasse pelas sombras da floresta. Ela ainda não dizia nada — não com palavras — mas havia uma tensão no modo como rosnava em silêncio, como se esperasse algo surgir do nada.“Fique alerta”, ela murmurou por fim. “A magia se mexe em lugares que não vemos.”Respirei fundo, tentando me concentrar, mas algo em mim se agitou. Não era exatamente medo. Era uma sensação antiga, instintiva, que crescia com o mesmo ritmo que minha ligação com a terra, com a magia, e com o fi
O tempo passou com a leveza de um sopro e o peso de uma tempestade. Cada dia que nascia trazia novas descobertas, não apenas sobre a magia que fluía em mim, mas sobre o corpo que mudava a cada fase da lua. Já não era apenas eu. Nunca mais seria. A vida dentro de mim crescia com uma força ancestral, preenchendo todos os espaços da minha alma — e também exigindo de mim uma coragem que eu nunca soube que tinha. Lis foi incansável. Mesmo com minha barriga avançada e as costas reclamando a cada passo, ela me treinava com firmeza, como se soubesse que o tempo estava contra nós. E talvez estivesse. O feiticeiro ainda espreitava nas sombras. Sentíamos sua presença, mesmo quando os ataques cessavam, como se ele apenas aguardasse o momento certo para se erguer com fúria renovada. Mas ao lado de Lis, e com Caelum sempre próximo, eu aprendi a usar a magia não apenas como defesa — mas como extensão de quem eu era. — Concentre sua energia aqui, Izzy — disse Lis, tocando meu peito suavemente. —
O vento cortava a floresta, uivando entre as árvores altas como se fosse uma criatura à procura de algo perdido. A pequena Isadora ainda não entendia o que estava acontecendo, mas o som da noite lhe parecia estranho, como se a própria terra estivesse respirando de maneira errada, inquieta. O medo se espalhou pelo ar, tocando cada folha, cada ramo, enquanto ela olhava para seus pais com os olhos arregalados. Seu pai, Alistair Vorn, o antigo líder do Clã Lunar, estava tenso, os ombros rígidos, seus olhos fixos no horizonte. A mãe de Isadora, Lira, estava mais calma, mas sua expressão era grave, o que só aumentava a inquietação da menina. A pequena não compreendia completamente o peso das palavras que ecoavam pela casa de madeira onde viviam, isolados na floresta. Ela sabia, no entanto, que algo estava errado. Sentia, de alguma forma, que a noite estava mais escura e mais pesada do que o normal. A atmosfera era densa, como se o próprio céu estivesse conspirando contra eles. Havia algo de
Dez anos. Dez longos anos desde que a floresta foi manchada pelo sangue de meus pais. Dez anos de sombras e incertezas, onde a solidão foi minha única amiga e a culpa, meu constante inimigo. Não havia mais a magia do mistério que envolvia minha infância. O mundo se tornara um lugar sombrio, e meu corpo, agora uma mulher feita, carregava o peso de um destino que eu não escolhera.Eu estava tão acostumada à vida que levava agora que a simples ideia de mudança parecia impossível. O papel de empregada na casa do Líder dos Clãs, uma mansão imponente nas bordas da floresta, era meu refúgio e minha prisão. A cada dia, me movia pela casa de pedra e madeira, varrendo, limpando, servindo, mantendo-me invisível, esperando que a Lua me chamasse. Mas ela nunca parecia fazê-lo. Não mais. A Lua me vigiava em silêncio, como se soubesse que eu ainda não estava pronta para enfrentar o que viria.Eu vivia entre os membros do Clã, mas era tratada como uma sombra, uma lembrança de algo distante. Ninguém s
A mansão estava silenciosa quando a noite finalmente caiu. As paredes, feitas de pedra fria, mantinham os ecos dos passos que, durante o dia, se haviam apressado pelas imponentes escadas e corredores. Agora, o único som era o vento que assobiava entre as frestas das janelas, como se a própria casa estivesse respirando. Eu estava sozinha em meu quarto.O quarto. O único lugar no mundo onde eu realmente sentia que podia respirar. Mas, ao mesmo tempo, era o lugar que mais me lembrava de quem eu era — ou melhor, de quem eu não era.A cama simples no chão, um colchão de palha velho que mal conseguia esconder as rachaduras do piso de madeira, era tudo o que eu tinha. Não havia luxo. Não havia conforto. Apenas a solidão e o vazio que eu carregava dentro de mim todos os dias.Durante o dia, minha vida era uma rotina sem fim. Acordava antes do amanhecer para começar as tarefas na mansão. Limpava, cozinhava, fazia o que fosse necessário para manter as coisas em ordem, tudo sem ser notada. O tra
O som dos passos apressados ecoava pelos corredores da mansão, mas eu não me movi. Estava parada na janela de meu quarto, olhando para o luar, perdida em meus próprios pensamentos. Lá fora, a floresta parecia tranquila, mas dentro de mim tudo estava em ruínas. O vínculo, a dor, o sofrimento que me consumiam — parecia que a lua havia se afastado de mim, deixando-me à deriva em um mar de desesperança.Eu sabia que algo estava por vir. Não sabia exatamente o quê, mas o clima dentro da mansão havia mudado. Havia uma tensão no ar, algo pesado, como se a própria terra estivesse se preparando para um grande acontecimento.Então, ouvi os passos dele. Rafael. Como se o som de seus pés no piso de madeira soubesse exatamente quando ele me encontraria. Seu cheiro invadiu meus sentidos antes mesmo que ele chegasse à porta. Eu não me virei para olhá-lo, não queria enfrentar os olhos dele, aqueles olhos que, apesar de me rejeitarem, continuavam a me consumir com um poder que eu não conseguia ignorar
Eu não sabia o que esperar da cerimônia. Sabia apenas que seria um marco na minha vida, e não um marco qualquer. Era o tipo de evento que mudaria tudo. Ou, pelo menos, era o que o Clã esperava. O casamento de Rafael e Selene não seria apenas uma celebração de união. Seria uma afirmação do poder, da hierarquia, da separação entre os que pertencem e os que estão destinados a viver à margem.Minha mente estava um turbilhão de pensamentos enquanto eu me preparava, ou melhor, enquanto tentava me preparar para o que estava por vir. O vestido que me deram era simples, sem brilho, sem luxo. Nada mais do que um reflexo de minha posição dentro daquele mundo. Eu não era importante o suficiente para merecer algo especial.Naquela manhã, antes de sair para me juntar ao Clã, o silêncio no meu interior foi quebrado de maneira inesperada. Freiren, minha loba, a presença que eu sempre mantive escondida, que raramente falava comigo, apareceu em minha mente com uma clareza que me assustou. Sua voz era s
A cerimônia era tudo o que eu esperava e temia. A mansão do clã estava tomada por uma vibração frenética, lobos de todas as idades reunidos em celebração, aguardando o momento em que Rafael e Selene fariam seus votos sob a luz da lua. Eu os observei de longe, fingindo que estava ali apenas para cumprir o meu papel de empregada, mas o peso no meu peito era quase insuportável.Rafael estava deslumbrante em sua postura de líder, o Alfa que todos respeitavam. Ele falava com autoridade e charme, sorrindo para Selene como se ela fosse a única coisa que importava. Enquanto isso, eu era apenas uma sombra, um eco na periferia daquele mundo brilhante.Mas esta noite seria diferente.Essa noite eu seria finalmente livre.Freiren estava comigo, como sempre. Mas, ao contrário do habitual, sua presença não era silenciosa. Ela pulsava dentro de mim, ansiosa e determinada, como uma fera que esperou muito tempo para ser libertada. Suas palavras ecoavam em minha mente desde a manhã, me guiando, me prep