O vento cortava a floresta, uivando entre as árvores altas como se fosse uma criatura à procura de algo perdido. A pequena Isadora ainda não entendia o que estava acontecendo, mas o som da noite lhe parecia estranho, como se a própria terra estivesse respirando de maneira errada, inquieta. O medo se espalhou pelo ar, tocando cada folha, cada ramo, enquanto ela olhava para seus pais com os olhos arregalados. Seu pai, Alistair Vorn, o antigo líder do Clã Lunar, estava tenso, os ombros rígidos, seus olhos fixos no horizonte. A mãe de Isadora, Lira, estava mais calma, mas sua expressão era grave, o que só aumentava a inquietação da menina.
A pequena não compreendia completamente o peso das palavras que ecoavam pela casa de madeira onde viviam, isolados na floresta. Ela sabia, no entanto, que algo estava errado. Sentia, de alguma forma, que a noite estava mais escura e mais pesada do que o normal. A atmosfera era densa, como se o próprio céu estivesse conspirando contra eles. Havia algo de misterioso no ar, algo que ela não conseguia entender, mas que parecia envolver tudo ao seu redor em uma teia de incertezas e medos. — Eles nos encontrarão, Alistair — disse Lira, a voz baixa e preocupada. — Estamos em perigo. — Eu sei — respondeu o pai, com a expressão sombria de quem sabia que, em algum momento, isso aconteceria. Ele se virou para Isadora, cujos olhos azuis estavam fixos nele, esperando respostas. Ele se abaixou à sua altura, tocando seu rosto suavemente. — Izzy, você precisa ficar tranquila. Estamos fazendo o melhor para você. A Lua… ela está nos guiando. Isadora olhou para os pais, sem entender. Eles sempre diziam que ela era diferente, que tinha algo especial, mas nunca explicavam o quê. E naquela noite parecia ser a noite em que os segredos finalmente viriam à tona. O olhar de Alistair era grave, quase como se ele estivesse preparando a filha para algo muito maior do que ela poderia compreender. Mas ela não conseguia deixar de sentir um calafrio ao ver a tensão no rosto de sua mãe e a seriedade no olhar de seu pai. O medo estava no ar, palpável, e ela não sabia o que significava. Tudo que ela sabia era que algo aconteceria. Algo grande e irreversível. A escuridão da noite parecia engolir a luz, criando uma atmosfera onde o desconhecido tomava conta, deixando todos nervosos, preparados para o pior. Tudo aquilo tinha começado no dia que ela completou três anos, foi a primeira vez que sua loba, Freiren, se revelou. Era uma loba branca como a neve, com os olhos tão profundos quanto o inverno. Não era comum que os Lycan’s se conectassem tão cedo com seus lobos interiores, mas Isadora sempre soubera que ela era diferente. Sua conexão com Freiren foi intensa e pura, algo que transcendeu o natural. Os outros Lycan’s, incluindo os membros do Clã Lunar, consideravam esse tipo de transformação uma aberração, algo que não deveria acontecer. Mas com Isadora foi inevitável. Quando ela viu a loba pela primeira vez, soubera, sem sombra de dúvida, que sua vida estava prestes a mudar para sempre. O momento foi tão vívido que parecia ter acontecido ontem. A loba branca, silenciosa e mística, se aproximara dela como se estivesse aguardando o momento certo. O encontro foi um choque, mas também um alívio. De repente, Isadora entendeu uma parte de si mesma que até então era incompreensível. Mas essa revelação trouxe mais perguntas do que respostas. O que significava ter essa conexão tão profunda com a loba? E o que isso significava para seu destino? Sua mãe e seu pai, exilados da matilha devido àquela transformação, decidiram que a única maneira de a proteger seria mantê-la longe do Clã Lunar. Eles fugiram, mudando-se para uma cabana isolada na floresta, onde viveriam em segredo, longe da sociedade dos lobos. A vida que levavam, isolados, era marcada por uma tensão constante, pois os pais de Isadora sabiam que qualquer descuido poderia expô-los e colocar todos em perigo. A menina cresceu aprendendo a esconder sua loba, a ocultar a presença de Freiren, a não deixar que ninguém soubesse do que se passava dentro de si. Seus pais lhe ensinaram a manter o controle, a controlar sua essência, a esconder a verdade sob uma máscara de normalidade. Durante anos, Isadora tentou entender o que havia de errado com ela, mas não tinha respostas. Seus pais lhe davam conselhos, mas sempre evitavam tocar nas questões mais profundas. Eles sabiam que o futuro dela estava marcado, mas não sabiam como enfrentá-lo. Aos oito anos, Isadora já sentia o peso das mentiras que a cercavam. Ela sabia que a realidade da floresta era diferente de tudo o que lhe fora ensinado. Seus pais estavam sempre vigilantes, sempre alertas. Quando a Lua cheia se aproximava, o medo parecia se intensificar. Era como se a natureza ao redor deles tivesse vida própria, como se algo estivesse aguardando o momento certo para se revelar. E esse momento chegou naquela noite. Os primeiros rugidos, distantes, ainda eram como ecos. Mas logo, eles se aproximaram, reverberando pelas árvores. Isadora sentiu seu corpo se tensionar, o instinto de sua loba despertando. Ela olhou para os pais, vendo-os rapidamente se prepararem para o que estava por vir. O terror era visível nos olhos de Lira, enquanto Alistair se mantinha firme, mas com uma expressão de desespero. Ele sabia que o que estava por vir não seria facilmente superado. — Eles estão aqui — sussurrou Alistair, a voz quebrada. Ele olhou para a filha com um olhar profundo, cheio de uma tristeza impossível de esconder. — Isadora, você precisa correr. Agora. Não olhe para trás. Vá. Os olhos de Isadora se encheram de lágrimas enquanto ela se afastava, sentindo o vento frio da noite lamber seu rosto. Ela queria gritar, mas o medo a paralisava. Ela queria abraçar seus pais, mas a voz de seu pai ecoou em sua mente: ”Corra!” Ela viu os rostos distorcidos dos lobos surgirem entre as árvores, os olhos dourados e vermelhos reluzindo na escuridão. Não havia tempo. Seus pais estavam lutando, defendendo-a com todas as suas forças. Mas o Clã Selvagem era implacável, e a batalha estava perdida. Quando os lobos os alcançaram, a cena se transformou em um pesadelo de sangue e fúria. Os sons da luta eram insuportáveis, uma mistura de rugidos e gritos, de forças incontroláveis colidindo. E então, o silêncio. Um silêncio mortal, como se tudo tivesse sido consumido por uma escuridão profunda. Isadora, com o coração partido e os pés movendo-se mecanicamente, correu o mais rápido que pôde, sentindo os olhos dos lobos atrás dela, ouvindo os gritos de sua mãe e o rugido de seu pai. O mundo parecia girar em câmera lenta enquanto ela corria, fugindo para a escuridão, para o desconhecido. Ela não sabia para onde ia, não sabia o que o futuro lhe reservava, mas sentia que não tinha escolha. A fuga era sua única opção. Quando ela chegou a um riacho, sem fôlego e com as pernas tremendo, ela caiu de joelhos. As lágrimas rolavam em seu rosto, mas ela não sabia se as lágrimas eram por seus pais ou pela dor de perder tudo o que conhecia. Ela não queria acreditar no que acontecia. Mas o que ela não sabia era que aquele seria o começo de sua verdadeira jornada. Ela foi encontrada horas depois, caída à beira da floresta, quase inconsciente, quando o Clã Lunar chegou. Eles a encontraram e a levaram de volta, sem saber o que a menina realmente era, sem saber a profundidade de seu vínculo com a loba branca. Mas o destino tinha outros planos para ela, e o Clã Lunar a acolheu de volta, sem perceber que ela carregava dentro de si o maior segredo de todos. Isadora nunca poderia imaginar o que viria depois. Ela cresceu sob a proteção do Clã Lunar, mas o peso da perda de seus pais e o vínculo inquebrável com Freiren continuaram a assombrá-la. Ela se tornaria uma loba que desafiaria os destinos, que se rebelaria contra as regras estabelecidas, que buscaria a liberdade a qualquer custo. Mas o preço seria alto. E o que ela não sabia era que, em breve, o destino de sua vida a levaria de volta ao lugar onde tudo começara. A Lua, no fundo, sempre soubera. E ela estava apenas aguardando o momento certo para mostrar seu verdadeiro poder.Dez anos. Dez longos anos desde que a floresta foi manchada pelo sangue de meus pais. Dez anos de sombras e incertezas, onde a solidão foi minha única amiga e a culpa, meu constante inimigo. Não havia mais a magia do mistério que envolvia minha infância. O mundo se tornara um lugar sombrio, e meu corpo, agora uma mulher feita, carregava o peso de um destino que eu não escolhera.Eu estava tão acostumada à vida que levava agora que a simples ideia de mudança parecia impossível. O papel de empregada na casa do Líder dos Clãs, uma mansão imponente nas bordas da floresta, era meu refúgio e minha prisão. A cada dia, me movia pela casa de pedra e madeira, varrendo, limpando, servindo, mantendo-me invisível, esperando que a Lua me chamasse. Mas ela nunca parecia fazê-lo. Não mais. A Lua me vigiava em silêncio, como se soubesse que eu ainda não estava pronta para enfrentar o que viria.Eu vivia entre os membros do Clã, mas era tratada como uma sombra, uma lembrança de algo distante. Ninguém s
A mansão estava silenciosa quando a noite finalmente caiu. As paredes, feitas de pedra fria, mantinham os ecos dos passos que, durante o dia, se haviam apressado pelas imponentes escadas e corredores. Agora, o único som era o vento que assobiava entre as frestas das janelas, como se a própria casa estivesse respirando. Eu estava sozinha em meu quarto.O quarto. O único lugar no mundo onde eu realmente sentia que podia respirar. Mas, ao mesmo tempo, era o lugar que mais me lembrava de quem eu era — ou melhor, de quem eu não era.A cama simples no chão, um colchão de palha velho que mal conseguia esconder as rachaduras do piso de madeira, era tudo o que eu tinha. Não havia luxo. Não havia conforto. Apenas a solidão e o vazio que eu carregava dentro de mim todos os dias.Durante o dia, minha vida era uma rotina sem fim. Acordava antes do amanhecer para começar as tarefas na mansão. Limpava, cozinhava, fazia o que fosse necessário para manter as coisas em ordem, tudo sem ser notada. O tra
O som dos passos apressados ecoava pelos corredores da mansão, mas eu não me movi. Estava parada na janela de meu quarto, olhando para o luar, perdida em meus próprios pensamentos. Lá fora, a floresta parecia tranquila, mas dentro de mim tudo estava em ruínas. O vínculo, a dor, o sofrimento que me consumiam — parecia que a lua havia se afastado de mim, deixando-me à deriva em um mar de desesperança.Eu sabia que algo estava por vir. Não sabia exatamente o quê, mas o clima dentro da mansão havia mudado. Havia uma tensão no ar, algo pesado, como se a própria terra estivesse se preparando para um grande acontecimento.Então, ouvi os passos dele. Rafael. Como se o som de seus pés no piso de madeira soubesse exatamente quando ele me encontraria. Seu cheiro invadiu meus sentidos antes mesmo que ele chegasse à porta. Eu não me virei para olhá-lo, não queria enfrentar os olhos dele, aqueles olhos que, apesar de me rejeitarem, continuavam a me consumir com um poder que eu não conseguia ignorar
Eu não sabia o que esperar da cerimônia. Sabia apenas que seria um marco na minha vida, e não um marco qualquer. Era o tipo de evento que mudaria tudo. Ou, pelo menos, era o que o Clã esperava. O casamento de Rafael e Selene não seria apenas uma celebração de união. Seria uma afirmação do poder, da hierarquia, da separação entre os que pertencem e os que estão destinados a viver à margem.Minha mente estava um turbilhão de pensamentos enquanto eu me preparava, ou melhor, enquanto tentava me preparar para o que estava por vir. O vestido que me deram era simples, sem brilho, sem luxo. Nada mais do que um reflexo de minha posição dentro daquele mundo. Eu não era importante o suficiente para merecer algo especial.Naquela manhã, antes de sair para me juntar ao Clã, o silêncio no meu interior foi quebrado de maneira inesperada. Freiren, minha loba, a presença que eu sempre mantive escondida, que raramente falava comigo, apareceu em minha mente com uma clareza que me assustou. Sua voz era s
A cerimônia era tudo o que eu esperava e temia. A mansão do clã estava tomada por uma vibração frenética, lobos de todas as idades reunidos em celebração, aguardando o momento em que Rafael e Selene fariam seus votos sob a luz da lua. Eu os observei de longe, fingindo que estava ali apenas para cumprir o meu papel de empregada, mas o peso no meu peito era quase insuportável.Rafael estava deslumbrante em sua postura de líder, o Alfa que todos respeitavam. Ele falava com autoridade e charme, sorrindo para Selene como se ela fosse a única coisa que importava. Enquanto isso, eu era apenas uma sombra, um eco na periferia daquele mundo brilhante.Mas esta noite seria diferente.Essa noite eu seria finalmente livre.Freiren estava comigo, como sempre. Mas, ao contrário do habitual, sua presença não era silenciosa. Ela pulsava dentro de mim, ansiosa e determinada, como uma fera que esperou muito tempo para ser libertada. Suas palavras ecoavam em minha mente desde a manhã, me guiando, me prep
A floresta era um labirinto de sons e sombras, uma tapeçaria intricada tecida com o sussurro das folhas, o canto dos pássaros e o crepitar de galhos sob o vento. Mas, para Freiren, não era apenas um labirinto; era um lar. Cada galho quebrado sob suas patas, cada folha farfalhando ao toque do vento, cada aroma terroso que dançava no ar, tudo fazia parte de uma sinfonia complexa e harmoniosa que apenas ela entendia. Após anos aprisionada, escondida dentro de mim como uma chama adormecida, Freiren estava finalmente livre. A escuridão que a sufocava havia se dissipado, revelando uma força e uma determinação que eu mal podia imaginar.E ela corria. Corria com a força de mil tempestades, como se tentasse compensar todo o tempo perdido. Cada passo era uma declaração de independência, uma rejeição das correntes invisíveis que a prendiam. Todo o tempo em que passou aprisionada, observando o mundo através de uma janela embaçada, agora se transformava em pura energia, impulsionando-a para frente
A lua estava alta no céu, sua luz prateada banhando a floresta com um brilho etéreo. A escuridão ao meu redor parecia infinita, como se a noite nunca fosse chegar ao fim. Meu corpo, em forma lupina, se movia rápido, quase sem pensar. As folhas secas estalavam sob minhas patas, e o vento gelado cortava meu pelo negro como a noite. Há dias eu não descansava, mas sabia que não poderia parar. Não até encontrar as respostas que buscava. Não enquanto aquele fardo, aquela questão, ainda pairasse sobre mim como uma tempestade iminente.“Encontre sua Luna ou escolha uma loba do clã.”As palavras do conselho ecoavam em minha mente, sem cessar. A pressão que sentia aumentava a cada dia. Meus próprios guerreiros, aqueles que sempre me seguiram sem questionar, agora me olhavam com uma preocupação disfarçada, sussurrando entre si. Ser um Alfa sem uma Luna era um tabu para muitos. Não porque eu não fosse forte o suficiente ou incapaz de liderar. Não era isso. Mas matilha acreditava que a verdadeir
A chuva caía em torrentes, uma cortina incessante que envolvia a floresta. O som do impacto das gotas sobre as folhas e o solo parecia um tambor que batia furiosamente, refletindo o tumulto interno que tomava conta de mim. Cada gota era uma lembrança constante da nossa vulnerabilidade, um lembrete implacável de que estávamos sendo caçadas. O chão se transformava rapidamente em um emaranhado escorregadio de lama e folhas mortas. A cada passo, sentia a terra ceder sob minhas patas, dificultando ainda mais nossa fuga. Estávamos nos afundando no terreno traiçoeiro, mas não havia escolha. A perseguição estava mais próxima do que nunca, e a única chance de sobrevivermos era se conseguíssemos despistar os Rogue's que nos seguiam implacavelmente.A exaustão pesava sobre mim como uma mortalha. Cada músculo doía, cada respiração era um esforço. As batalhas recentes haviam nos cobrado um preço alto, deixando-nos à beira do colapso. Mas eu sabia que não podia ceder. Não podia permitir que o cansa