A luz da manhã filtrava-se pelas cortinas pesadas, dançando suave sobre os lençóis amassados e meu corpo ainda aquecido pelo sono. Pisquei lentamente, sentindo o peso da noite anterior desfazer-se como névoa. Meus braços se esticaram até o lado vazio da cama, encontrando apenas o calor remanescente do corpo de Caelum. Ele não estava ali. Sentei-me devagar, o lençol deslizando pela minha pele, deixando à mostra a curva dos meus ombros nus. O silêncio na mansão era tranquilo, mas meu coração apertou com uma súbita necessidade. Eu precisava vê-lo. Tocá-lo. Tê-lo por perto. Levantei, vestindo apenas uma das camisas largas de Caelum, que caía solta pelo meu corpo como um manto de lembranças. Caminhei pelos corredores com os pés descalços, guiada pelo instinto e pelo fio invisível que sempre me levava até ele. Encontrei-o na sacada, de costas para mim, observando os jardins cobertos pelo orvalho. A luz do sol acariciava seus ombros largos, e seu cabelo preso de forma desalinhada denunc
Os ventos haviam mudado. O ar carregava um presságio. Algo ancestral e selvagem corria pelos campos, sussurrando nos ouvidos dos sensíveis, despertando em cada coração o instinto de luta. A guerra já não era apenas uma ameaça distante — ela se erguia sobre o horizonte, iminente e implacável. No coração da Floresta Norte, as bandeiras do Clã Eclipse tremulavam sob o céu de chumbo. A notícia do novo ataque e da tentativa de sequestro dos gêmeos reais espalhara-se como fogo em palha seca. Os mensageiros tinham partido em todas as direções, carregando o chamado de Caelum aos clãs aliados. E eles responderam. Ao leste, as águias do Clã Stormwing desceram dos céus, suas montarias aladas cortando o ar com gritos que pareciam trovões. Seus guerreiros, liderados por Elan, um alfa de olhos dourados e armadura reluzente, firmaram acampamento nos arredores do território do Eclipse. Foram os primeiros a chegar — antigos aliados do tempo em que o pai de Caelum ainda reinava. Ao sul, os Guerre
O som dos cascos ecoava pela terra úmida como um tambor de guerra que se aproximava mais a cada batida. A névoa matinal ainda rastejava sobre o chão, envolvendo as árvores em véus de silêncio. Mas não havia mais paz. Não havia mais tempo. Eu caminhava com os outros, sentindo o peso da armadura sobre meus ombros, ajustada ao meu corpo pela forja de Freiren e encantada com runas traçadas por Lis. Era negra como obsidiana, com detalhes prateados que cintilavam à luz mortiça. Nas costas, as duas espadas cruzadas pulsavam com a minha magia — lâminas que respondiam à fúria que eu carregava no peito. Ao meu lado, Lis caminhava em silêncio, a capa azul prateada esvoaçando atrás dela. Seu diadema com os símbolos da Lua brilhava sobre a testa, e seus olhos estavam tão atentos quanto os de um predador. Ela carregava seu bastão rúnico em uma das mãos e algumas poções presas ao cinto. Sua magia vibrava no ar, tão viva quanto o fogo de uma estrela. Caelum liderava a linha, imponente em sua arma
O primeiro clarão no céu não veio de raios naturais — mas de magia. Um estrondo ressoou como se o próprio firmamento estivesse rachando. Um feixe de energia púrpura e escarlate desceu da colina onde os inimigos estavam agrupados, cortando o ar como uma lâmina dos deuses. Era o primeiro ataque. E um aviso. — Escudos agora! — gritou Lis. As bruxas ao nosso lado — as aliadas que atenderam ao chamado de Lis — levantaram as mãos em uníssono. Círculos rúnicos surgiram no ar, formando camadas de luz dourada e prateada. Uma cúpula mágica envolveu a linha de frente do nosso exército momentos antes da explosão atingir. O impacto fez a terra tremer. Eu senti a vibração subir pelas minhas botas, ecoar nos ossos, sacudir os galhos ao nosso redor. Mas a barreira resistiu. As bruxas aliadas, lideradas por uma mulher de olhos de âmbar e cabelos trançados com penas lunares, mantinham as mãos erguidas, os olhos brilhando. Cânticos antigos saíam de suas bocas em uníssono, enquanto uma delas sangra
O cheiro de magia corrompida enchia o ar. Denso. Podre. Uma neblina púrpura rastejava pelo campo de batalha como uma serpente viva. Eu a sentia tentar se enroscar nas raízes da minha alma, mas a empurrei de volta com um rugido vindo do meu centro. Meu olhar atravessou o caos até encontrá-lo. Ele. O homem que um dia partilhou comigo o ventre. O mesmo rosto, os mesmos olhos. Mas tão diferentes agora. Eu era lobo. Ele era sombra. Ele me viu também. E sorriu. Aquela curva fria dos lábios, que nunca pertenceu a mim. O sorriso que um irmão não deveria dar ao outro. Ele caminhou entre os corpos, abrindo espaço como se o próprio campo de batalha o temesse. — Caelum. — Sua voz era baixa, mas ressoava nos ossos. — Eu sabia que nos encontraríamos aqui. Parei à sua frente, firme. Os sons da guerra sumiram. Como se o mundo prendesse o fôlego. — Sempre soube que terminaria assim entre nós, irmão. — Ah, você sempre foi bom em prever tragédias, não é? — Ele deu um passo adiante. — Mas nunca
A terra parecia pulsar sob meus pés. O cheiro de magia corrompida se espalhava como veneno, encharcando o ar, pressionando contra minha pele como um peso invisível. Eu sentia Freiren se agitar sob minha carne, inquieta, pronta. Meus dedos apertavam com firmeza os cabos das espadas gêmeas, cada uma pulsando com minha energia, respondendo ao chamado do sangue. À minha frente, o campo se abria em um círculo silencioso. Os sons da guerra haviam se distanciado, como se o mundo entendesse que aquele instante exigia respeito. E ali, no centro de tudo, ele me esperava. O feiticeiro. Alto, magro como um galho seco, com olhos tão negros que pareciam fendas no tecido do mundo. Seu manto esvoaçava sem vento. A presença dele curvava o ar ao redor. Havia algo de impossível em sua forma — como se ele pertencesse a outro tempo, ou a nenhum. — Finalmente — ele disse, a voz ressoando como um sussurro dentro do meu crânio. — A herdeira do sangue antigo. A mãe das luas renascidas. Dei um passo
O silêncio depois da batalha era mais ensurdecedor que o próprio caos da guerra. Meus passos eram lentos enquanto caminhava de volta pela trilha marcada por magia queimada e terra revirada. O cheiro de sangue ainda pairava no ar, misturado ao aroma mais sutil das ervas que Lis deixara atrás de si — sinais da proteção mágica que ela conjurara para manter o campo seguro. Atrás de mim, cambaleante, o feiticeiro seguia preso por correntes encantadas. As runas brilhavam num tom prateado-violeta, selos ancestrais trançados por minha magia com a força de gerações. Ele não dizia uma palavra. O olhar vazio, como se finalmente compreendesse o peso de sua derrota. Ao longe, ouvi os primeiros sons do nosso acampamento. Vozes. Risos abafados. O choro de um bebê que provavelmente havia sido retirado às pressas durante o ataque. O som da vida persistindo, mesmo diante da morte. Respirei fundo. Atravessamos o último trecho de floresta até emergir na clareira onde nossos aliados estavam reuni
Dez anos depois O vento sopra suave no alto das colinas, trazendo consigo o perfume das flores silvestres que cobrem o campo. O céu está limpo, azul como as águas sagradas do lago da Lua, e o sol brilha com generosidade. As crianças correm entre as árvores, gargalhando, e seus risos se misturam ao som distante de tambores em celebração. Hoje é um dia de festa. Hoje celebramos paz. Estou de pé na varanda da mansão, observando os pequenos pés descalços cortarem a relva. Meus filhos, agora com dez anos, crescem com a força da linhagem que carregam no sangue e o brilho da magia ancestral nos olhos. Aurora tem o olhar de Caelum — firme, profundo — mas a sensibilidade da minha linhagem, capaz de sentir a energia do mundo como se fosse um segundo coração. Ela ainda prefere as flores às armas, mas Lis já a treina com feitiços antigos. Sua conexão com a Lua é intensa. Quando ela dança sob o luar, até os espíritos silenciam para assistir. Já Auren... ele é pura chama. Um guerreiro em cada