A mansão estava silenciosa quando a noite finalmente caiu. As paredes, feitas de pedra fria, mantinham os ecos dos passos que, durante o dia, se haviam apressado pelas imponentes escadas e corredores. Agora, o único som era o vento que assobiava entre as frestas das janelas, como se a própria casa estivesse respirando. Eu estava sozinha em meu quarto.
O quarto. O único lugar no mundo onde eu realmente sentia que podia respirar. Mas, ao mesmo tempo, era o lugar que mais me lembrava de quem eu era — ou melhor, de quem eu não era.
A cama simples no chão, um colchão de palha velho que mal conseguia esconder as rachaduras do piso de madeira, era tudo o que eu tinha. Não havia luxo. Não havia conforto. Apenas a solidão e o vazio que eu carregava dentro de mim todos os dias.
Durante o dia, minha vida era uma rotina sem fim. Acordava antes do amanhecer para começar as tarefas na mansão. Limpava, cozinhava, fazia o que fosse necessário para manter as coisas em ordem, tudo sem ser notada. O trabalho era árduo, mas suportável. Ao menos, eu não tinha que pensar no que acontecia fora dos muros da mansão, nas coisas que eu não podia controlar.
Mas à noite, quando o silêncio tomava conta de tudo, o peso da verdade caía sobre mim com uma força esmagadora. Era no escuro que eu sentia, mais intensamente, o que eu tentava desesperadamente evitar durante o dia. A dor do vínculo. A dor de ser uma companheira rejeitada.
Fechei os olhos e, como sempre, ele veio a mim — Rafael. Eu sabia que ele estava com ela. Selene. A mulher que ele escolheu. A mulher com quem ele compartilhava a vida. Eu não podia escapar disso. Não podia fugir. Não havia como ignorar. O vínculo de companheiros, embora rejeitado por ele, ainda estava lá, intrínseco em meu ser. Cada vez que ele tocava Selene, cada vez que os corpos deles se uniam, eu sentia a dor. Uma dor tão profunda que parecia cortar meu peito, como se uma parte de mim estivesse sendo arrancada à força.
Era uma dor física, visceral, que me fazia contorcer no colchão de palha, meus dentes cerrados e as mãos apertando os lençóis. Eu não conseguia respirar direito. Era como se a essência do meu ser estivesse sendo consumida. Sentia o peso do desejo de ser amada, de ser vista, de ser aceita. Mas tudo o que eu tinha era essa dor — essa dor insuportável que me lembrava o quanto eu não importava.
O quarto estava quieto, mas em minha mente, os sons eram claros. Os gemidos abafados, os sussurros de Rafael e Selene, todos ressoavam dentro de mim, intensificando a agonia que já estava tão profundamente cravada em minha alma. Eu mordi o lábio até sentir o gosto do sangue, tentando silenciar o grito que ecoava em meu peito.
Era inútil. Eu não podia fugir de mim mesma, não podia fugir do que eu sentia.
A dor era pior do que qualquer ferida física. Era uma dor de perda, de abandono. Eu me perguntava como era possível amar alguém que sequer sabia da minha existência além do papel de empregada, alguém que já havia feito sua escolha, que estava comprometido com outra mulher. E eu? Eu estava presa em um vínculo que não desejava, uma verdade que me separava de qualquer esperança de felicidade. Como era possível, então, que eu sentisse isso tão intensamente?
Aquela noite foi especialmente cruel. Eu podia sentir cada movimento de Rafael como se fosse meu, cada suspiro de Selene como se fosse uma lâmina afiada cravada em minha carne. Eu me afastei do colchão de palha e me encolhi no canto escuro do quarto, abraçando os joelhos contra o peito, tentando me proteger da dor que consumia cada parte de mim.
Minhas mãos tremiam. Eu estava começando a perder o controle. Mas não podia fazer nada. Não havia nada que eu pudesse fazer. Nenhum remédio para essa dor. Nenhuma maneira de apagar a verdade que batia tão forte dentro de mim.
Eu respirei fundo, tentando controlar os pensamentos, tentando, ao menos, recuperar um pouco de sanidade. Mas isso era mais fácil de dizer do que fazer. A dor não desapareceria, não importava o quanto eu tentasse. Era algo que estava em minha essência, que havia se cravado tão profundamente em mim quanto o próprio sangue. E o mais cruel de tudo era saber que, mesmo que eu quisesse fugir, não havia para onde ir.
Minhas lágrimas escorriam silenciosas pela minha face enquanto eu ficava ali, imóvel, aguardando o fim daquela tormenta interna. Sabia que a dor só diminuiria quando o vínculo de Rafael e Selene chegasse ao fim. Mas isso nunca aconteceria. Eu sabia disso. Eles estavam juntos. E eu… eu estava apenas aqui, tentando sobreviver à dor que não podia ser apagada.
Era uma noite como qualquer outra. O vento continuava a assobiar pelas frestas das janelas, e a mansão permanecia silenciosa. Mas, no silêncio do meu quarto, algo dentro de mim se partia, quebrando a cada suspiro, a cada batida de meu coração, a cada lembrança do vínculo que me condenava.
Eu olhei para o teto, o olhar perdido nas sombras. Talvez, em algum lugar, lá fora, sob a mesma lua que iluminava os corpos de Rafael e Selene, eu pudesse encontrar a força para mudar meu destino. Mas até lá, eu teria que viver com a dor. Com a dor e o vazio. Até que a lua me chamasse.
O som do vento não cessava, mas, de alguma forma, ele se tornava menos presente à medida que a noite avançava. No fundo do meu ser, uma sensação de frieza, mais intensa que o vento cortante que passava pelas frestas da janela, parecia me envolver. Era uma solidão que parecia congelar o ar ao meu redor. Eu não era só uma espectadora da dor; eu era a própria dor.
Mas, apesar da dor que me consumia, havia algo dentro de mim que se recusava a ceder. Algo que ainda se negava a ser completamente engolido pela escuridão. O vínculo me esmagava, e eu sabia que o tempo me empurrava para um caminho sem volta, mas a pequena chama de resistência dentro de mim nunca desapareceu completamente.
A noite seguinte não seria diferente. Eu sabia disso. Cada noite era uma repetição da anterior, mas, talvez, alguma parte de mim ainda esperava algo. Não sabia o que, mas esperava. Talvez, em algum momento, eu pudesse encontrar um alívio para essa dor, ou talvez fosse o simples desejo de não ser invisível para o mundo. Um desejo de ser alguém que tivesse um papel mais do que o de uma sombra silenciosa nas paredes de uma mansão solitária.
Mas naquele momento, à medida que as horas passavam, eu sentia que nada poderia mudar. Eu estava presa em um ciclo de sofrimento que se repetia a cada respiração, a cada batida do meu coração, cada vez que o vínculo me lembrava de sua presença indesejada.
O que eu sentia por Rafael era inegável, mas também era irrelevante. Ele não sabia, ou talvez não se importasse. Eu era invisível para ele, uma presença distante que ele ignorava em favor da mulher que ele escolheu. E enquanto eu me afundava cada vez mais na dor de ser ignorada, uma pergunta me atormentava.
“Como alguém poderia suportar tanto?”
Mas a resposta, eu sabia, estava longe de ser simples. Não era sobre suportar. Não era sobre esperar um fim. Era sobre aprender a viver com a dor, como uma sombra que nunca desaparece, que apenas se estende, silenciosa, nos cantos mais sombrios da alma.
Naquela noite, enquanto os ventos cortavam a escuridão lá fora, eu simplesmente fiquei. Eu fiquei e esperei, mais uma vez, que algo mudasse. Ou que, pelo menos, o grito silencioso dentro de mim fosse ouvido. Mesmo que fosse apenas pela lua.
O som dos passos apressados ecoava pelos corredores da mansão, mas eu não me movi. Estava parada na janela de meu quarto, olhando para o luar, perdida em meus próprios pensamentos. Lá fora, a floresta parecia tranquila, mas dentro de mim tudo estava em ruínas. O vínculo, a dor, o sofrimento que me consumiam — parecia que a lua havia se afastado de mim, deixando-me à deriva em um mar de desesperança.Eu sabia que algo estava por vir. Não sabia exatamente o quê, mas o clima dentro da mansão havia mudado. Havia uma tensão no ar, algo pesado, como se a própria terra estivesse se preparando para um grande acontecimento.Então, ouvi os passos dele. Rafael. Como se o som de seus pés no piso de madeira soubesse exatamente quando ele me encontraria. Seu cheiro invadiu meus sentidos antes mesmo que ele chegasse à porta. Eu não me virei para olhá-lo, não queria enfrentar os olhos dele, aqueles olhos que, apesar de me rejeitarem, continuavam a me consumir com um poder que eu não conseguia ignorar
Eu não sabia o que esperar da cerimônia. Sabia apenas que seria um marco na minha vida, e não um marco qualquer. Era o tipo de evento que mudaria tudo. Ou, pelo menos, era o que o Clã esperava. O casamento de Rafael e Selene não seria apenas uma celebração de união. Seria uma afirmação do poder, da hierarquia, da separação entre os que pertencem e os que estão destinados a viver à margem.Minha mente estava um turbilhão de pensamentos enquanto eu me preparava, ou melhor, enquanto tentava me preparar para o que estava por vir. O vestido que me deram era simples, sem brilho, sem luxo. Nada mais do que um reflexo de minha posição dentro daquele mundo. Eu não era importante o suficiente para merecer algo especial.Naquela manhã, antes de sair para me juntar ao Clã, o silêncio no meu interior foi quebrado de maneira inesperada. Freiren, minha loba, a presença que eu sempre mantive escondida, que raramente falava comigo, apareceu em minha mente com uma clareza que me assustou. Sua voz era s
A cerimônia era tudo o que eu esperava e temia. A mansão do clã estava tomada por uma vibração frenética, lobos de todas as idades reunidos em celebração, aguardando o momento em que Rafael e Selene fariam seus votos sob a luz da lua. Eu os observei de longe, fingindo que estava ali apenas para cumprir o meu papel de empregada, mas o peso no meu peito era quase insuportável.Rafael estava deslumbrante em sua postura de líder, o Alfa que todos respeitavam. Ele falava com autoridade e charme, sorrindo para Selene como se ela fosse a única coisa que importava. Enquanto isso, eu era apenas uma sombra, um eco na periferia daquele mundo brilhante.Mas esta noite seria diferente.Essa noite eu seria finalmente livre.Freiren estava comigo, como sempre. Mas, ao contrário do habitual, sua presença não era silenciosa. Ela pulsava dentro de mim, ansiosa e determinada, como uma fera que esperou muito tempo para ser libertada. Suas palavras ecoavam em minha mente desde a manhã, me guiando, me prep
A floresta era um labirinto de sons e sombras, uma tapeçaria intricada tecida com o sussurro das folhas, o canto dos pássaros e o crepitar de galhos sob o vento. Mas, para Freiren, não era apenas um labirinto; era um lar. Cada galho quebrado sob suas patas, cada folha farfalhando ao toque do vento, cada aroma terroso que dançava no ar, tudo fazia parte de uma sinfonia complexa e harmoniosa que apenas ela entendia. Após anos aprisionada, escondida dentro de mim como uma chama adormecida, Freiren estava finalmente livre. A escuridão que a sufocava havia se dissipado, revelando uma força e uma determinação que eu mal podia imaginar.E ela corria. Corria com a força de mil tempestades, como se tentasse compensar todo o tempo perdido. Cada passo era uma declaração de independência, uma rejeição das correntes invisíveis que a prendiam. Todo o tempo em que passou aprisionada, observando o mundo através de uma janela embaçada, agora se transformava em pura energia, impulsionando-a para frente
A lua estava alta no céu, sua luz prateada banhando a floresta com um brilho etéreo. A escuridão ao meu redor parecia infinita, como se a noite nunca fosse chegar ao fim. Meu corpo, em forma lupina, se movia rápido, quase sem pensar. As folhas secas estalavam sob minhas patas, e o vento gelado cortava meu pelo negro como a noite. Há dias eu não descansava, mas sabia que não poderia parar. Não até encontrar as respostas que buscava. Não enquanto aquele fardo, aquela questão, ainda pairasse sobre mim como uma tempestade iminente.“Encontre sua Luna ou escolha uma loba do clã.”As palavras do conselho ecoavam em minha mente, sem cessar. A pressão que sentia aumentava a cada dia. Meus próprios guerreiros, aqueles que sempre me seguiram sem questionar, agora me olhavam com uma preocupação disfarçada, sussurrando entre si. Ser um Alfa sem uma Luna era um tabu para muitos. Não porque eu não fosse forte o suficiente ou incapaz de liderar. Não era isso. Mas matilha acreditava que a verdadeir
A chuva caía em torrentes, uma cortina incessante que envolvia a floresta. O som do impacto das gotas sobre as folhas e o solo parecia um tambor que batia furiosamente, refletindo o tumulto interno que tomava conta de mim. Cada gota era uma lembrança constante da nossa vulnerabilidade, um lembrete implacável de que estávamos sendo caçadas. O chão se transformava rapidamente em um emaranhado escorregadio de lama e folhas mortas. A cada passo, sentia a terra ceder sob minhas patas, dificultando ainda mais nossa fuga. Estávamos nos afundando no terreno traiçoeiro, mas não havia escolha. A perseguição estava mais próxima do que nunca, e a única chance de sobrevivermos era se conseguíssemos despistar os Rogue's que nos seguiam implacavelmente.A exaustão pesava sobre mim como uma mortalha. Cada músculo doía, cada respiração era um esforço. As batalhas recentes haviam nos cobrado um preço alto, deixando-nos à beira do colapso. Mas eu sabia que não podia ceder. Não podia permitir que o cansa
As paredes frias, úmidas, exalavam o cheiro de mofo e ferrugem. A cela em que me colocaram era pequena, com grades grossas e uma única lamparina fraca iluminando o corredor de pedra. Meu corpo ainda tremia, não apenas pelo frio, mas também pela exaustão. A dor nos músculos parecia ser constante, como um lembrete do ataque dos Rogue ‘s e da minha fuga desesperada.Eles haviam me jogado ali sem qualquer explicação, suas expressões severas deixando claro que eu não era bem-vinda naquele território. Freiren ainda estava silenciosa, provavelmente pela ação do sedativo que me separava dela. Era como se um pedaço de mim tivesse sido arrancado, deixando-me vazia e indefesa.Pouco tempo depois, passos ecoaram no corredor. Levantei a cabeça lentamente, meus olhos encontrando os de um homem alto e robusto. Seu cheiro carregava a força característica de um lobo Beta. Ele trazia um prato de comida simples e algo dobrado embaixo do braço. Enquanto seus homens traziam o que parecia ser um balde de á
O cheiro de pedra úmida e metal enferrujado invadiu minhas narinas enquanto eu descia as escadas estreitas e irregulares que levavam às masmorras. Cada degrau rangia sob o peso das minhas botas, um som monótono que ecoava no corredor silencioso. A umidade impregnava o ar, colando-se à minha pele como um véu invisível. O frio era cortante, penetrando nas camadas de tecido e atingindo meus ossos. Cada respiração era uma névoa branca que se dissipava rapidamente na escuridão. Ao meu lado, Damon Cross, meu Beta, mantinha-se um passo atrás, sua presença constante e confiável como uma sombra leal. Seus sentidos aguçados varriam as paredes de pedra, atento a qualquer sinal de perigo nas sombras frias que nos cercavam. — O que temos aqui, Damon? — perguntei, sem desviar os olhos do caminho à frente. Minha voz, embora baixa, carregava o peso da autoridade, um reflexo dos anos que passei liderando nosso clã. Ele cruzou os braços enquanto caminhava, sua expressão tão controlada quanto sua pos