Depois do jantar, eu já estava na cama quando ouvi uma batida leve na porta e Theo entrando.- Posso... Dormir com você?Comecei a rir, não conseguindo me conter.- Do que está rindo?- Cheguei a ver você ainda criança... Com seu travesseiro nos braços...- Foram poucos anos que tive medo de dormir sozinho.- Quem em sã consciência prefere um sofá a uma cama quentinha e confortável?- Eu me sentia seguro ao seu lado, raio de sol. – Falou, se jogando com força na cama, ao meu lado, com um sorriso de orelha a orelha.- Temos tantas lembranças boas...- Que guardaremos para sempre.- Como está tudo com relação à Málica? – Eu quis saber, já que no dia anterior não havia perguntado.- Ela segue dizendo que não fará o exame.- Isso é muita loucura!- Sabe o que é mais estranho? Os pais dela não se manifestarem e agirem como se nada estivesse acontecendo. O mínimo que poderiam fazer era ligar e me chamar de qualquer coisa, menos de santo, por duvidar furtivamente que o filho é meu. No entant
- Pode falar... – Ele sentou-se na cama, me encarando.Contei-lhe toda a minha mentira sobre ter sido aceita para o MBA na Universidade de Stanford e que teria que ficar afastada. Ele só ouvia, sim dizer nada. Por fim, completei:- Mas... Me preocupa o fato de deixar papai com a responsabilidade da North B. sozinho, principalmente pela nova fase na qual ele entrará, que é a da hemodiálise.- De tudo que me contou, sua única preocupação é esta? E quanto a nós?- Eu... Já decidi, Theo. E não voltarei atrás.Aquilo me doía como se uma faca cravasse meu peito, mas não tinha outra opção. Era para protegê-lo, assim como toda nossa família.- São dois anos... Bastante tempo. – Ele observou, com a voz fraca, enquanto nos encarávamos, sentados no meio da cama, um de frente para o outro.- Talvez menos... – Mal ele sabia que não seria tudo isso de tempo, mas a mentira precisava ser crível.Ele não disse nada. Os olhos seguiam nos meus e eu conseguia sentir sua respiração ofegante enquanto o pei
O grande dia chegou. E não lembro de ter ficado tão nervosa na vida. Já havia deixado as malas prontas e me despedi dos meus pais na noite anterior. Quanto a Theo, deixá-lo dormindo na minha cama, sem ao menos ter podido transar com ele na noite anterior era o que mais me doía.Desde que perdemos o nosso filho, não houve uma noite sequer em que ele não tivesse passado junto de mim, fazendo-me cafuné e enxugando minhas lágrimas, sendo que também sofria a perda. Ficou ao meu lado em todos os momentos.Ele sabia que eu ia embora naquele dia, mas não esperava que fosse fugir dele, evitando ao máximo a despedida olho no olho, temendo não ter coragem.Justo naqueles dias que antecediam a partida, tínhamos vivido momentos perfeitos. E isso fazia doer ainda mais.Claro que depois eu ligaria e justificaria exatamente a verdade: não queria chorar na despedida e não quis que doesse tanto. Aquela seria a única verdade que eu lhe contaria.Tirei uma foto dele adormecido na minha cama, para usar no
- Porque eu não sou capaz de me despedir olhando nos olhos dele. Me faltaria coragem. Deixar Theo é a pior parte disto tudo. Vivemos dias inexplicáveis de tão bons depois da perda do bebê. Embora isto tenha nos quebrado emocionalmente, nos uniu. E estamos tentando, a cada dia, ser mais compreensivos, tolerantes e... Confiar um no outro.- Confiar... – ele olhou para Anon – Um exercício diário de acreditar no que o outro diz, sem ter certeza de que ele fala a verdade.- Ou mesmo dizer a verdade... Independente das consequências... Na certeza de que a outra parte crê em você. – Anon completou.- A vida dele poderia estar em risco se eu fizesse isso.- E já não está? – Ben me encarou – Ou o capotamento não faz parte disto tudo?Abaixei os olhos novamente, pela primeira vez chegando a conclusão de que talvez eu não estivesse agindo de maneira correta ao esconder de Theo.- Se pessoas correm risco e são as que você mais ama, precisa preveni-las, querida. Não é uma brincadeira de detetive e
- Morar aqui? – Anya me olhou da cabeça aos pés – Você só pode estar brincando!- Tio Daltro! – Gritei, pondo a cabeça entre a porta.- Ele... Não mora aqui, garota!- Tio Daltro! – insisti – Preciso que retire as minhas malas do carro.- Só pode... Estar louca! – Ela continuou, confusa.Empurrei-a e entrei, sem ser convidada. Gatão me acompanhou e assim que viu um cachorro no corredor, saiu correndo atrás do pequeno, carregando a guia pelo chão, que enganchou na mesinha próxima da parede, virando-a com tudo que tinha sobre ela: porcarias. Escutei os objetos caindo pela casa, sem me importar.Sentei-me e cruzei os braços, descansando a cabeça no encosto do sofá, suspirando:- Este lugar é sempre quente assim? Onde está o condicionador de ar para eu ligar?- Não temos estas porcarias. Iremos comprar com o dinheiro que nos dará.- Hum... Sobre isso, poderia ligar para “titio Daltro”? – debochei – Quero lhes entregar um presente. Mas precisa estar os dois juntos – sorri.As meninas me ol
- Eu... Assinei um documento, abrindo mão de tudo que é meu por direito. Não receberei nada dos Casanova.- Heitor não lhe deixaria fazer isso. – Ele riu.- Heitor Casanova me deserdou.Daltro arregalou os olhos, confuso:- Como assim?- Eu trouxe todos os documentos que comprovam que não tenho direito à herança. Meu pai descobriu que menti sobre vocês... E a tentativa de chantagem. E... Não sei se não me perdoou por não ter contado a verdade... Ou realmente tinha intenção de me deixar sem nada desde sempre.- Deve ter feito para protegê-la. – Anya arriscou – Claro que fez isso para que ela não tenha mais acesso ao dinheiro, desta forma não correndo risco de que nos dê.- Desgraçado! Vou acabar com a vida dele. – Gritou, com algumas gotículas de saliva expelidas na minha direção.- A vida de Heitor já está destruída. Ele não conseguiu um doador. E eu não pude ser doadora também, pois acabei de ter um aborto.- Como assim um aborto?- Tive um filho... E não era de Theo. – Abaixei a cab
- Não tem lugar para você nesta casa. – Anya me olhou com desdém.- Ela pode dormir conosco. – Monique sugeriu.- Na minha cama. – Kimberly sorriu e pegou a minha mão, feliz.As meninas eram queridas. E era visível que gostavam da minha presença na casa.- Posso dormir no sofá – sugeri – Melhor que dormir na rua. – Dei de ombros.- Peça dinheiro para Theo. – Anya sugeriu.- Ela está puto comigo, já que tive um filho de outro homem.- Como pôde fazer isso? – Daltro me olhou – Como conseguiu ser tão burra?- Deve ser os genes dos Hernandez. – Falei.- Sua desgraçada – ele aumentou o tom de voz e apontou o dedo na minha direção, furioso – Exijo que dê um jeito nesta situação a faça as pazes com os Casanova. Isso não vai ficar assim, sua vadiazinha inútil.- Família é família... Precisamos cuidar uns dos outros. – Ironizei, mesmo amedrontada.Sandro Hernandez gargalhou, sentando-se confortavelmente no sofá:- Eu concordo com a filha de Salma. Família é família... Vamos viver esta porra de
Engoli em seco, sentindo meu coração acelerar. Ele me olhou:- Eu não me arrependo. Acabar com alguém que você odeia é a melhor coisa que pode fazer na vida. Cumpri minha pena sorrindo, acredite.- Está querendo dizer que a prisão pode ser um lugar legal? – Fiquei surpresa.- Era melhor do que morar com esta família.- Salma... Morava aqui?- Não. Morávamos em outra casa e em outro bairro quando ela partiu. Senti muita falta dela. Minha irmã foi uma guerreira... E forte.- Você... Chegou a conhecer Babi?- Não! Eu era pequeno na época em que Salma ainda morava conosco. Mas já ouvi falar de Babi, sua amiga inseparável. – Ele sorriu.- Posso considerar que... Mesmo tendo matado Breno... Você é um dos irmãos do bem?Ele gargalhou e tragou profundamente o cigarro, batendo na minha perna:- Ninguém é totalmente do bem, nem totalmente do mau, querida sobrinha. Nem sempre é preciso escolher um lado. – Levantou-se e espreguiçou-se, retirando em seguida a jaqueta, deixando os braços completame