As perguntas ecoavam na mente de Carly enquanto encarava seu reflexo no espelho, com um penteado deslumbrante, um vestido de gala brilhante de cor pêssego, ressaltando sua silhueta esbelta, com um vislumbre do salto escarpin e a maquiagem impecável, que ressaltavam seus olhos azuis e traços de tons claros. Ela se perguntava: "será possível conseguir conquistar o que tanto desejo? E se eu falhar? Qual será o destino traçado para mim? Espero ter sorte." Faltavam poucas horas para a premiação do ano. Ela deveria estar contente. Já havia conquistado tanto, mas algo ainda parecia incompleto em sua jornada e isso a deixava pertubada. Ela encarava o silêncio de sentir-se só, mas fingia que estava tudo bem.
— Foco, você é incrível! Alguém que tem destaque, sucesso e muito profissionalismo. A carreira vem em primeiro lugar... Na verdade, é o que tenho de mais importante no momento. — murmurou para si mesma, tentando se encorajar e afastar a inquietação. Ela havia conseguido o que muitos almejavam: uma vaga de destaque no El Dourado, um dos hospitais mais prestigiados do país e o melhor da região metropolitana da cidade de Porto. Era uma honra, um sonho, um recomeço. Ainda assim, a aflição insistia em atormentá-la. Algo estava estranho, mas ela não sabia direito o que podia ser. Talvez a ansiedade de ir ao evento sozinha. Ela chamou um táxi e seguiu para confraternização da noite de premiações, ela sentiu um encômodo ao notar os colegas chegando acompanhados pelos seus familiares, prestigiando aquele momento tão aguardado. Ela se via envolta por estranhos à mesa, enquanto bebia uma taça de vinho tinto, na tentativa de embriagar os seus pensamentos e esquecer que sentia falta de ter uma família ao seu lado. Logo após receber o prêmio de fisioterapeuta do ano, ela pegou sua bolsa clutch e seguiu ao banheiro, evitando os olhares e as felicitações de seus amigos. Ela aproveitou o momento para chamar um carro, saindo direto dali para casa como tentativa de fulga, sem se despedir de ninguém. Apenas se isolar do mundo. Nos dias que sucederam, notou ao atravessar os corredores uma presença marcante, ao som de risadas que chamaram sua atenção. Curiosa, ela se aproximou e viu um homem de jaleco colorido com semblante leve, cabelos ondulados e estatura que lhe agradava, brincando com algumas crianças no setor da traumatologia. Seu sorriso era cativante, seu jeito espontâneo fazia os pequenos rirem sem reservas. Ele tinha uma presença marcante — atraente de um jeito difícil de explicar, foi o que Carly mencionou ao encontrar Deise. Ela ficou ali, observando de longe, sentindo uma estranha familiaridade naquela cena. Mas, logo afastou os pensamentos e seguiu para casa, tentando esquecer o que lhe atraiu, por alguma razão, ele ficou marcado em sua mente. Logo pela manhã, Carly recebe uma mensagem para se dirigir ao setor de oncologia pediátrica. Assim que entrou, seu olhar foi direto para ele. O mesmo homem da noite anterior. Seu coração acelerou. — Carly, você escutou o que eu disse? — a voz firme da Dra. Deise trouxe-a de volta à realidade. Deise, ortopedista com anos de experiência e subdiretora do setor. Ela tinha uma comunicação e simpatia destacável. Seus traços eram de uma morena, alta e empoderada. Ela era uns doze anos mais velha que Carly, mas se deram muito bem juntas e acabaram se tornando amigas. — Sim, desculpe, fiquei um pouco distraída. Pode repetir? Ela cruzou os braços, analisando-a com um olhar clínico e sarcástico. "O que foi que viu? Esquece, quero que acompanhe aquele Dr. Gato, ele vai te orientar com as crianças. Aliás - aqui entre nós - entendo a sua surpresa, não é todo dia que temos um cara bonitão e charmoso desses! Vamos lá, vou te apresentar para o novo pediatra e, se tudo correr bem, será parte oficial da nossa equipe. Mostre competência!" Elas seguiram tentando conter as risadas. Carly tentou conter as emoções. O nervosismo misturava-se à empolgação. Agora, mais do que nunca, precisava se concentrar para não parecer deslumbrada. — Prazer, sou Pedro Castello. Mas dispense as formalidades. — ele disse, estendendo a mão com um sorriso amigável. — O prazer é meu, sou Carly Ramires. Mas, também sem formalidades. Ela deu um sorriso sutil, tentando disfarçar o olhar para a mão dele. Ela queria certificar-se que ele não era comprometido. O aperto de mão foi rápido, mas causou um efeito inesperado nela. Ele tinha olhos castanhos e Carly os olhou hipnotizada, sentindo aquele olhar fluir no seu subconsciente. Eles seguiram calados a voz da Dra. Deise. Ao longo dos dias, Carly o observava discretamente, enquanto trabalhavam juntos. Pedro era diferente, parecia saber equilibrar o profissionalismo com diversão. As crianças o amavam. Os pais confiavam nele. E, como se não bastasse, ele possuía um currículo impecável. Ao final do expediente, a curiosidade falou mais alto. Carly queria ter certeza se ele era solteiro e resolveu pesquisar suas redes sociais, mas eram privadas. Com as informações repassadas por Deise, descobriu que Pedro havia estudado em outros países, era fluente em três idiomas, tinha diversas publicações científicas e envolvimento em missões e projetos sociais. Ele era academicamente brilhante! Parecia inalcançável, "como conquistar um homem desses?" Retrucou ela. Mas, o que mais lhe intrigava era a postura reservada dele. Diferente dos outros, Pedro parecia imune aos olhares e insinuações alheias. Mesmo quando ela tentava puxar assunto para conversarem, ele a tratava com a mesma educação que qualquer outro colega. Ela queria ser mais que uma simples colega, queria poder se aproximar mais dele, quebrar as barreiras. Ela questionava, "Ele realmente não percebeu ou simplesmente se fez de desentendido?" A dúvida a consumia. E, quando percebeu que seus sentimentos estavam tomando um rumo perigoso, tomou uma decisão: afastar-se. Poucos dias depois, conseguiu uma troca de turnos. Evitaria Pedro a todo custo. Seis meses se passaram, ela permanecia distante, raramente cruzava com Pedro. Até que uma substituição inesperada a colocou novamente no caminho dele. Carly precisou cobrir o turno de uma colega na traumatologia que estava grávida, no entanto, para chegar ao local precisava atravessar o corredor da pediatria. Quando ela menos esperava, ouviu aquela voz familiar interrompendo sua fala. — Carly, quanto tempo! Estava se escondendo de mim? - Pedro perguntou em tom de brincadeira e deu um sorriso de descontração, enquanto voltava-se para as suas anotações no tablet. - Será que você poderia me ajudar por um instante aqui? As crianças vibraram ao ver o médico. — Ebá, Dr. Pe! — gritavam, animadas. Ela revirou os olhos. "Dr. Pe, só se for P de pedra, Fala sério!" Ela se incomodou, devolvendo o tablet e resmungando, tentando se acalmar. Minutos depois, Pedro surge no corredor risonho com a situação, se aproximando dela. — Senhorita, já pode voltar. Bela companheira você, hein? Disse Pedro, sussurrando ao seu ouvido. Carly se arrepiou, cruzando os braços, mordendo o lábio, irritada. — O que deu em você? Quem você pensa que é? Eu também tenho sentimentos, quer dizer, horários a cumprir! Pedro arqueou uma sobrancelha, sem se abalar. — Infelizmente, não tenho tempo para discutir, mas você está em dívida comigo, dá licença. - Ele retrucou, - Mulheres são complicadas! E saiu sem dar explicações. — Grosso! — murmurou, sentindo o sangue ferver. Mas, depois que a raiva passou, Carly se pegou refletindo ao caminho de sua casa. "Por qual motivo ele me incomoda tanto? Será que ele se chateou comigo, por isso resolveu implicar agora? Ele é muito ousado. O príncipe virou sapo, realmente imperfeito!" Ela se jogou na cama, olhando para o teto. Deduzindo que a verdade era que Pedro nunca demonstrou interesse, talvez tudo estivesse apenas em sua cabeça. Ela voltou com uma única certeza: Pedro continuava ocupando um espaço grande demais em seus pensamentos e talvez já fosse tarde demais para impedir isso. Para ela, o "homem da sua vida" parecia impossível. Mas, não iria desistir facilmente. Ela estava disposta a conquistar ele a qualquer custo.Pedro saiu da igreja sentindo-se leve. A comunhão de estar na igreja lhe trazia paz, mas, naquele dia, algo o inquietava. Enquanto caminhava até o estacionamento, seu olhar foi atraído para a lanchonete da esquina. Lá estava Carly, sozinha, distraída ao celular, tomando um milk shake. A lembrança de seu primeiro encontro com ela surgiu à mente. Aqueles olhos claros e expressivos, que no primeiro momento lhe pareceram assustados, os seus lábios delicados, uma postura que exalava confiança. Ele chegou a pensar que uma mulher daquelas fosse comprometida. Principalmente depois, que sem aviso, ela simplesmente se afastou. Pedro hesitou. Será que eu deveria ir até ela ou seria melhor ignorar? A dúvida pairou os seus pensamentos, enquanto ficava de um lado para o outro de frente ao seu carro. Ele não entendia por que Carly recusou continuar trabalhando com ele meses atrás. Para ele, estavam se dando bem, a parceria de trabalho era boa. Mas, de repente, ela pediu para mudar de setor, sem lhe
Para Pedro, o funeral do seu pai foi um dos momentos mais difíceis que ele enfrentou na vida. O homem que lhe ensinou tudo sobre fé, caráter e determinação, agora partia, deixando um vazio impossível de preencher. Durante a cerimônia, sua mãe estava inconsolável, e Pedro tentava ser forte por ela. Mas, no fundo, ele também estava destruído.Entre os rostos conhecidos que vieram prestar condolências, um, em especial, chamou sua atenção. Ele avistou de longe um homem alto, de terno impecável, óculos escuros e expressão séria que desceu de um carro preto e vinha caminhando na direção deles. Pedro não precisava de apresentações. Ele reconheceria seu irmão mais velho em qualquer lugar.— Gutto… — murmurou Pedro, engolindo a seco, surpreso.Gusttavo Filho, ou Gutto, como era chamado pelos mais íntimos e a família, ele morava em Nova York há anos. Advogado criminal, levava uma vida intensa e quase nunca vinha ao Brasil. Pedro mal se lembrava da última vez que o viu pessoalmente. O irmão reti
Pedro estava exausto. O luto pesava sobre seus ombros como uma corrente invisível que o arrastava para um vazio difícil de escapar. Desde o enterro do pai, sua mente não encontrava descanso. As lembranças vinham e iam, cada uma delas carregada de culpa e saudade. Carly percebeu isso. Então, assim que ela o viu entrar pelo elevador para ir embora de mais um expediente, ela correu para o acompanhar. Ele mal a cumprimentou. Seu olhar estava perdido, os olhos avermelhados denunciavam as noites sem sono. Sem pensar muito, ela o envolveu em um abraço firme, como se quisesse segurá-lo no presente, impedindo que ele se perdesse em sua própria dor.Erguendo o olhar para o teto, ela murmurou suavemente:— Vamos sair daqui? Ir para algum lugar? O que acha?Pedro hesitou, sem entender, piscando algumas vezes antes de responder.— Como assim? Você não está com pressa para ir para casa?Ela sorriu de leve.— Agora, meu compromisso é com você! Serei sua terapeuta hoje. Acredito que você precisa de a
O vento frio soprava pela fresta da porta entreaberta, carregando consigo um som inquietante e dramático, "Moonlight Sonata - Beethoven." Carly, ainda criança, espiava o quarto dos pais, segurando a respiração, sentindo seu coração bater acelerado no peito. Na sacada, sua mãe estava parada, com os cabelos bagunçados pelo vento noturno, segurando Serina, ainda bebê nos braços. Seu olhar parecia distante, perdido em um ponto além da escuridão. Algo na cena fazia Carly estremecer. De repente, a porta do quarto se abriu com força, e seu pai surgiu apressado.— O que você pensa que está fazendo?! — a voz dele soou como um trovão na noite.Ele avançou rapidamente, segurando o braço da esposa com firmeza e arrancando Serina de seus braços. Carly viu quando sua mãe desabou na cama, chorando de forma desesperada, como se sua alma estivesse em pedaços.— Você enlouqueceu? — o pai gritou, a voz carregada de medo e desespero.A mãe apenas soluçava, escondendo o rosto entre as mãos, incapaz de re
Pedro não conseguia raciocinar muito bem naquela noite. Depois do pedido e do beijo que deu em Carly, sua mente estava um verdadeiro caos. Se antes já se preocupava com seus sentimentos, agora precisava lidar com as consequências de suas atitudes. Ao chegar em casa, percebeu que sua mãe ainda estava acordada. A luz do quarto dela permanecia acesa, e, assim que ele passou pelo corredor, Helena chamou seu nome.— Pedro, aconteceu alguma coisa? Você parece assustado.Ele hesitou por um momento, evitando encará-la diretamente.— Não, está tudo bem, mãe. Só estou meio cansado.Helena o observou por alguns instantes da porta, como se tentasse decifrá-lo.— Tem certeza? Você está com uma cara de culpado… Sei quando algo está te incomodando.Pedro respirou fundo, mantendo a postura firme.— Só um dia longo, mãe! Vou tomar um banho e descansar. Sem dar espaço para mais perguntas, seguiu para o quarto dele. Helena não insistiu, mas também não parecia convencida. Ela tinha até "nome" para quem
O hospital estava em seu ritmo acelerado quando Carly recebeu um chamado para a ala de reabilitação. Como fisioterapeuta especializada em traumatologia, era comum que fosse requisitada para casos de recuperação de traumas mais complexos. Mas, a maneira como tudo foi informado a deixou intrigada.— Dra. Carly, você foi requisitada para um caso de reabilitação na área VIP. — avisou a secretária do setor.Ela parou de revisar os prontuários e franziu o cenho.— O que aconteceu?— Ainda não temos detalhes. A informação que circula é que o paciente sofreu uma queda de cavalo. Teve múltiplas fraturas nas costelas e uma contusão severa na perna direita. Parece um caso sério.Carly assentiu, processando a informação.— Quem solicitou minha presença para o caso? A secretária hesitou.— O pedido veio diretamente do Dr. Alberto.A menção ao nome dele a fez se retesar, com um nó no estômago. Carly não gostava dele. E tinha as suas razões.Dr. Alberto Farias não era apenas o diretor do setor de
O corredor da Ala VIP parecia ainda mais silencioso do que o normal. O ambiente requintado, com suas luzes suaves e móveis sofisticados, contrastava com a atmosfera impessoal das outras alas do hospital. A tranquilidade e a sofisticação artificial daquele espaço não conseguia aliviar a tensão que Carly sentia. Parada diante da porta, ela segurava o cartão de acesso com dedos trêmulos. Respirou fundo antes de deslizá-lo na fechadura eletrônica. A luz verde piscou e a porta se abriu com um leve clique. Ela entrou vagarosamente. O ambiente era mais luxuoso do que um quarto de hotel, espaçoso, bem iluminado pelo entardecer que filtrava pelas cortinas semiabertas. O cheiro sutil de desinfetante misturava-se ao perfume do ambiente climatizado. Mas nada disso importava. Seus olhos foram direto para a cama. Ali, ele estava deitado. O homem que um dia lhe deu a vida. Ele dormia profundamente, o peito subindo e descendo de forma ritmada. Mas, o curativo em sua lateral denunciava a fratura nas
O silêncio no quarto foi quebrado apenas pelo som baixo da televisão. A tela exibia uma reportagem, e a voz do jornalista preenchia o ambiente com um tom formal e sério:"Joseph Padro, governador e empresário, sofreu um acidente enquanto cavalgava em sua fazenda particular, em Monte Frontal. O incidente resultou em múltiplas fraturas nas costelas e uma contusão severa na perna direita. O empresário, que é sócio de diversas empresas no país, foi transferido para um hospital de alto padrão, em Porto, onde segue em recuperação. Nossa equipe segue acompanhando as atualizações sobre o estado de saúde do governador."Serina, sentada na cama, ao lado do pai, observava a notícia com os braços cruzados, a expressão indecifrável.Joseph, mesmo debilitado, mantinha um olhar fixo na tela, sua postura carregada de um peso invisível. Foi nesse momento que a porta do quarto se abriu lentamente.Carly entrou vagarosamente.Joseph desviou o olhar da TV imediatamente para ela. Um silêncio tenso se inst