A manhã estava morna e sem pressa, o céu nublado prenunciava uma possível chuva. O aroma doce do café recém-passado se misturava ao som distante da rua e com o aroma de pão fresco no ar da panificadora Saborear. Serina sentou-se em uma mesa discreta, onde a luz natural filtrava-se com suavidade, projetando sombras em movimento sobre a madeira envernizada. Ela mexia distraidamente a colher na xícara, sem prestar atenção ao som ambiente ou às pessoas ao redor. A ansiedade vibrava sob a pele. Esperar por Carly nunca fora tão desconfortável, ainda mais depois do que recebeu dias antes.A irmã chegou alguns minutos depois do combinado, procurando por Serina entre os clientes. Ao ver a irmã, sorriu brevemente e seguiu em sua direção. A relação das duas estava em reconstrução. Ainda não era natural, mas também não era forçada. Era algo novo, frágil como porcelana. — Oi, mana! Acabei tendo um imprevisto, me desculpe — disse Carly, puxando a cadeira à frente.— Melhor esperar do que ser esper
O sol poente tingia de um laranja suave os vidros do hospital, como se também estivesse exausto das últimas horas. Carly saiu pelas escadas, evitando pegar o elevador para não passar pelo primeiro andar, onde Pedro poderia estar. Seus passos ecoavam no estacionamento enquanto ensaiava mentalmente o que diria:— Preciso fazer uma viagem para procurar Marta e chamei Monteiro, já que ele foi treinado para isso. Mas as palavras pareciam traiçoeiras. Toda vez que imaginava os olhos castanhos de Pedro, aquele olhar que sempre enxergava com uma sinceridade quase dolorosa, seu coração se contraía. Ele merecia a verdade, mas... E se ele quiser impedir? Se achar que estava cometendo um erro? Os questionamentos pairavam a sua mente. Pedro era sincero, íntegro e amável. E ela ainda era um mistério para si mesma. Um buzinão a fez pular. O motorista de aplicativo havia chegado. A realidade voltou como um sopro quente. Ela aproveitou aquele momento para perguntar quanto ele cobraria para ser o mot
O café estava quase vazio naquela manhã. O som leve de uma música instrumental preenchia o ambiente elegante, com o aroma de grãos recém-moídos e croissants recém-assados. Pedro já estava lá, sentado no canto mais afastado, com um cappuccino fumegante sobre a mesa de madeira rústica. Seus dedos tamborilavam nervosamente no celular, algo incomum para um homem tão controlado. — Desculpa o atraso, acordei atrasada. — Disse Carly, puxando a cadeira à frente dele. Pedro ficou por um momento em silêncio, com o olhar indecifrável. Trazia o mesmo charme discreto, mas algo parecia mais... contido. Menos entregue. Talvez mais distante.— Oi, bom dia! Finalmente conseguimos nos ver. Por que não atendeu as minhas ligações?Ela deu um sorriso, sem graça. — Eu... estava sem tempo. Sua mãe foi lá em casa e depois acabei caindo no sono.Ela mentiu, na verdade, passou a noite em claro ensaiando palavras que agora pareciam inúteis. — Na verdade, você parece cansada.— Ontem o dia foi puxado no hosp
O céu estava começando a escurecer quando Pedro deixou o hospital. O plantão havia sido longo, mas o cansaço em seu corpo não era nada comparado ao turbilhão emocional que o corroía por dentro. Ele dirigiu pelas ruas com os olhos pesados, a cabeça cheia de frases interrompidas, a dor latente de um rompimento que ele não conseguiu evitar. Carly havia dito que não sabia o que queria. Aquilo não havia sido apenas um adeus — foi um corte silencioso que sangrava por dentro.A sensação de ser deixado para trás enquanto ela escolhia outro caminho... outro homem... o dilacerava.Sem saber exatamente para onde ir, acabou parando em frente à casa de Felipe, na esperança de encontrar refúgio, na presença de um amigo. Talvez conversar, esquecer por alguns instantes que seu mundo parecia ter virado do avesso.Felipe estava no sofá da sala, com a televisão ligada em volume baixo, quando ouviu a campainha. Ao abrir, o encontrou com uma expressão cansada e os olhos visivelmente abatidos.— E aí, irmã
O relógio marcava quase meia-noite quando Carly saiu da sacada e voltou para o sofá. Ainda restava uma fatia de pizza, na caixa aberta sobre a mesinha de centro, a garrafa de refrigerante pela metade. Serina já havia recolhido os pratos e Letícia secava os olhos, com o rosto ainda corado da emoção.— Eu não sei nem o que dizer — murmurou Carly, quebrando o silêncio.— Não precisa dizer nada. — Letícia respondeu, com a voz baixa, mas firme.— Mas eu quero — Carly insistiu. — Quero dizer que... sinto muito. Por tudo o que você viveu. Pela forma como ele te tratou. Por eu ter me envolvido nessa história. E... obrigada por ter me contado.Letícia assentiu, mordendo o lábio inferior, como se ainda lutasse contra as palavras que restaram engasgadas. Serina voltou à sala com um cobertor leve sobre os ombros.— Acho que ninguém aqui vai dormir tão cedo — disse, com um sorriso cansado.Carly olhou para as duas.— Sabe o que me dói? Não é só saber que ele foi capaz de fazer isso. É saber que, e
A manhã começava arrastada para Carly. Ela voltou para casa bem cedo. O celular vibrava em cima da mesa, e o nome que apareceu na tela fez seu coração pular uma batida. Ela ficou surpresa.Helena: “Oi, querida. Vamos manter nossa lição de discipulado hoje?”Carly ficou olhando para a mensagem por um tempo. Seus dedos pairaram sobre o teclado. Não esperava aquilo. Depois do término com Pedro, acreditava que Helena tomaria partido do filho e a ignoraria — ou, pior, a rejeitaria.Mas ali estava ela. Com sua suavidade habitual. Como se nada tivesse mudado.Carly respondeu:“Sim, claro. Podemos sim.”E logo em seguida, teve uma ideia. Algo que poderia soar loucura... ou coragem. Então, decidida, pegou sua bolsa e saiu para o trabalho. No hospital, o ambiente era silencioso, exceto pelo murmúrio distante de conver
A noite descia como um véu sobre a cidade, encobrindo as ruas num silêncio morno. Carly ficou na porta, observando o carro de Helena desaparecer na esquina, até que o último feixe de luz dos faróis sumisse. Suspirou profundamente. O discipulado daquela noite tinha mexido com ela. Mas agora, outra visita era esperada. E não era nada espiritual.Pedro havia mandado uma mensagem rápida: “Como pediu, vou passar já aí.” Foi até o banheiro, onde a água quente caiu sobre os ombros como uma cascata de memórias. Lembrou-se de Letícia. Do rosto molhado de lágrimas, da dor escondida por trás da compostura. Ela precisava ouvir o que Pedro tinha para dizer. Precisava saber se ele era realmente quem dizia ser… ou quem queria que fosse. Ao sair do banho, colocou o roupão azul felpudo, secando ligeiramente os cabelos úmidos com a toalha. Sentiu-se estranhamente confortável com o contraste entre das pantufas laranjas e o toque do perfume que espalhou pelos pulsos e pescoço. Um detalhe bobo, talvez,
O silêncio que caiu entre eles era espesso, quase palpável. Apenas os dois, frente a frente, envoltos pelas palavras que haviam dito, pelo passado que haviam rasgado em voz alta. A lasanha esfriava, esquecida sobre a mesa, mas a verdade... essa fervia.Carly se inclinou ligeiramente. Seus olhos, cravados nos dele, tinha algo de incômodo e hipnótico ao mesmo tempo.— Pedro... — sua voz saiu baixa, mas firme. — Você realmente me ama?A pergunta pegou-o desprevenido. Ele assentiu sem pensar, instintivamente, mas ela não sorriu.— Você me ama... mesmo — ela se levantou com calma, aproximando-se. — Ou ama a ideia de me ter?Pedro mordeu o lábio inferior. Um gesto automático, denunciando a culpa que lhe pesava no peito. Seus passos eram leves, quase silenciosos. Ele a seguiu com o olhar, tenso, como se esperasse que ela se transformasse a qualquer instante. Havia algo diferente nela, algo que ele não conseguia decifrar. Então, num movimento quase imperceptível, ela inclinou-se e o beijou.