O café estava quase vazio naquela manhã. O som leve de uma música instrumental preenchia o ambiente elegante, com o aroma de grãos recém-moídos e croissants recém-assados. Pedro já estava lá, sentado no canto mais afastado, com um cappuccino fumegante sobre a mesa de madeira rústica. Seus dedos tamborilavam nervosamente no celular, algo incomum para um homem tão controlado. — Desculpa o atraso, acordei atrasada. — Disse Carly, puxando a cadeira à frente dele. Pedro ficou por um momento em silêncio, com o olhar indecifrável. Trazia o mesmo charme discreto, mas algo parecia mais... contido. Menos entregue. Talvez mais distante.— Oi, bom dia! Finalmente conseguimos nos ver. Por que não atendeu as minhas ligações?Ela deu um sorriso, sem graça. — Eu... estava sem tempo. Sua mãe foi lá em casa e depois acabei caindo no sono.Ela mentiu, na verdade, passou a noite em claro ensaiando palavras que agora pareciam inúteis. — Na verdade, você parece cansada.— Ontem o dia foi puxado no hosp
O céu estava começando a escurecer quando Pedro deixou o hospital. O plantão havia sido longo, mas o cansaço em seu corpo não era nada comparado ao turbilhão emocional que o corroía por dentro. Ele dirigiu pelas ruas com os olhos pesados, a cabeça cheia de frases interrompidas, a dor latente de um rompimento que ele não conseguiu evitar. Carly havia dito que não sabia o que queria. Aquilo não havia sido apenas um adeus — foi um corte silencioso que sangrava por dentro.A sensação de ser deixado para trás enquanto ela escolhia outro caminho... outro homem... o dilacerava.Sem saber exatamente para onde ir, acabou parando em frente à casa de Felipe, na esperança de encontrar refúgio, na presença de um amigo. Talvez conversar, esquecer por alguns instantes que seu mundo parecia ter virado do avesso.Felipe estava no sofá da sala, com a televisão ligada em volume baixo, quando ouviu a campainha. Ao abrir, o encontrou com uma expressão cansada e os olhos visivelmente abatidos.— E aí, irmã
A noite começava a ganhar vida no salão principal do El Dourado, cenário da tradicional cerimônia anual do hospital. Era o ápice do ano para os profissionais da saúde, um momento de reconhecimento pelas batalhas diárias e pelas vidas transformadas ao longo do caminho. Luzes sofisticadas refletiam nos lustres de cristal, enquanto uma música suave preenchia o ambiente.Os convidados trocavam sorrisos, brindes e abraços calorosos, celebrando com entusiasmo. E ali, em meio ao brilho da festa, estava a deslumbrante fisioterapeuta Carly Ramires. Seu nome ecoou pelos alto-falantes, chamando-a ao palco.Ela caminhou sob os holofotes com um sorriso mecânico, recebendo o prêmio de excelência profissional. O troféu nas mãos não suavizava o incômodo em seu peito. "O que eu estou comemorando, afinal?", pensou. Enquanto descia os degraus, os cumprimentos pareciam distantes.— Parabéns, Carly. Você merece! — diziam os colegas.Mas por dentro, ela sabia: aquele reconhecimento não era suficiente.À mar
Pedro saiu da igreja sentindo-se leve. A comunhão de estar naquele lugar lhe trazia paz, mas, seus dias não tinham sido fáceis, algo o inquietava. Enquanto caminhava até o estacionamento, seu olhar foi atraído para a lanchonete da esquina. Lá estava Carly, sozinha, distraída ao celular, tomando um milkshake. A lembrança de seu primeiro encontro com ela surgiu à mente. Aqueles olhos claros e expressivos, que no primeiro momento lhe pareceram assustados, os seus lábios delicados, uma postura que exalava confiança. Ele chegou a pensar que uma mulher daquelas fosse comprometida. Principalmente depois, que sem aviso, ela simplesmente se afastou. Pedro hesitou. Será que eu deveria ir até ela ou seria melhor ignorar? A dúvida pairou os seus pensamentos, enquanto ficava de um lado para o outro de frente ao seu carro. Ele não entendia por que Carly recusou continuar trabalhando com ele meses atrás. Para ele, estavam se dando bem, a parceria de trabalho era boa. Mas, de repente, ela pediu para
Para Pedro, o funeral do seu pai foi um dos momentos mais difíceis que ele enfrentou na vida. O homem que lhe ensinou tudo sobre fé, caráter e determinação, agora partia, deixando um vazio impossível de preencher. Durante a cerimônia, sua mãe estava inconsolável, e Pedro tentava ser forte por ela. Mas, no fundo, ele também estava destruído.Entre os rostos conhecidos que vieram prestar condolências, um, em especial, chamou sua atenção. Ele avistou de longe um homem alto, de terno impecável, óculos escuros e expressão séria que desceu de um carro preto e vinha caminhando na direção deles. Pedro não precisava de apresentações. Ele reconheceria seu irmão mais velho em qualquer lugar.— Gutto… — murmurou Pedro, engolindo a seco, surpreso.Gusttavo Filho, ou Gutto, como era chamado pelos mais íntimos e a família, ele morava em Nova York há anos. Advogado criminal, levava uma vida intensa e quase nunca vinha ao Brasil. Pedro mal se lembrava da última vez que o viu pessoalmente. O irmão reti
Pedro estava exausto. O luto pesava sobre seus ombros como uma corrente invisível que o arrastava para um vazio difícil de escapar. Desde o enterro do pai, sua mente não encontrava descanso. As lembranças vinham e iam, cada uma delas carregada de culpa e saudade. Carly percebeu isso. Então, assim que ela o viu entrar pelo elevador para ir embora de mais um expediente, ela correu para o acompanhar. Ele mal a cumprimentou. Seu olhar estava perdido, os olhos avermelhados denunciavam as noites sem sono. Sem pensar muito, ela o envolveu em um abraço firme, como se quisesse segurá-lo no presente, impedindo que ele se perdesse em sua própria dor.Erguendo o olhar para o teto, ela murmurou suavemente:— Vamos sair daqui? Ir para algum lugar? O que acha?Pedro hesitou, sem entender, piscando algumas vezes antes de responder.— Como assim? Você não está com pressa para ir para casa?Ela sorriu de leve.— Agora, meu compromisso é com você! Serei sua terapeuta hoje. Acredito que você precisa de a
O vento frio soprava pela fresta da porta entreaberta, carregando consigo um som inquietante e dramático, "Moonlight Sonata - Beethoven." Carly, ainda criança, espiava o quarto dos pais, segurando a respiração, sentindo seu coração bater acelerado no peito. Na sacada, sua mãe estava parada, com os cabelos bagunçados pelo vento noturno, segurando Serina, ainda bebê nos braços. Seu olhar parecia distante, perdido em um ponto além da escuridão. Algo na cena fazia Carly estremecer. De repente, a porta do quarto se abriu com força, e seu pai surgiu apressado.— O que você pensa que está fazendo?! — a voz dele soou como um trovão na noite.Ele avançou rapidamente, segurando o braço da esposa com firmeza e arrancando Serina de seus braços. Carly viu quando sua mãe desabou na cama, chorando de forma desesperada, como se sua alma estivesse em pedaços.— Você enlouqueceu? — o pai gritou, a voz carregada de medo e desespero.A mãe apenas soluçava, escondendo o rosto entre as mãos, incapaz de re
Pedro não conseguia raciocinar muito bem naquela noite. Depois do pedido e do beijo que deu em Carly, sua mente estava um verdadeiro caos. Se antes já se preocupava com seus sentimentos, agora precisava lidar com as consequências de suas atitudes. Ao chegar em casa, percebeu que sua mãe ainda estava acordada. A luz do quarto dela permanecia acesa, e, assim que ele passou pelo corredor, Helena chamou seu nome.— Pedro, aconteceu alguma coisa? Você parece assustado.Ele hesitou por um momento, evitando encará-la diretamente.— Não, está tudo bem, mãe. Só estou meio cansado.Helena o observou por alguns instantes da porta, como se tentasse decifrá-lo.— Tem certeza? Você está com uma cara de culpado… Sei quando algo está te incomodando.Pedro respirou fundo, mantendo a postura firme.— Só um dia longo, mãe! Vou tomar um banho e descansar. Sem dar espaço para mais perguntas, seguiu para o quarto dele. Helena não insistiu, mas também não parecia convencida. Ela tinha até "nome" para quem