O silêncio da casa de Helena era interrompido apenas pelo som distante do relógio de parede. O aroma suave de flores frescas espalhava-se pelo ambiente, misturando-se ao perfume de lavanda do desinfetante que passara ao limpar a casa. Foi então que a campainha tocou.
Helena ergueu os olhos do livro que lia e franziu o cenho. Quem poderia ser? Não estava esperando visitas. Ainda era cedo para os meninos chegarem da escola, e, de qualquer forma, eles tinham a própria chave. Pedro só voltaria para casa no dia seguinte, após o plantão. Curiosa, levantou-se do sofá e caminhou até a porta. Ao abri-la, deparou-se com um rosto que não esperava ver ali.— Carly?A jovem estava parada na calçada, parecendo um pouco incerta, como se tivesse hesitando sua entrada, antes de falar qualquer coisa.— Oi, Dona Helena. Eu… será que eu posso entrar?Helena piscou algumas vezes, surpresa. Não tinha muito contato com ela, pelo menos não em um nível tão íntimoO sol se despedia no horizonte quando o som da campainha ecoou pela casa novamente. Helena, ainda estava processando o encontro com Carly. — Quem será agora? Ao abrir, deparou-se com dois pares de olhos brilhantes: Priscila, sua filha mais velha, equilibrava duas malas e a pequena Luna, que estava a sua frente com uma mochila de pelúcia. Ela agarrou à perna da vó como um filhote de koala. — Mãe! — a voz de Priscila carregava o cansaço da viagem, mas também uma estranho alívio nos olhos. Helena quase deixou cair as chaves que segurava. — Minha filha! Minha neta! — abraçou as duas com força, sentindo o cheiro do shampoo de cereja que luna usava. — Por que não me avisou? Teria me preparado, feito um bolo de chocolate, um jantar especial... Priscila riu, afastando um cacho de cabelo do rosto. — Mas teremos tempo. Podemos cozinhar juntas, não? Lulu, já escapando do abraço da avó, correu para a sala em direção aos brinquedos que conhecia tão bem. Helena observou a filha enqu
O carro seguia pela estrada iluminada pelas luzes dos postes e dos faróis dos outros veículos. Serina dirigia em silêncio, o olhar fixo na pista, enquanto Carly observava a paisagem noturna pela janela. O caminho até a igreja não era longo, mas o silêncio entre as duas tornou-se perceptível.— Você está estranha hoje. – Carly quebrou o silêncio, lançando um olhar desconfiado para a irmã.Serina piscou algumas vezes, como se voltasse de um devaneio.— Nada de mais. Está tudo bem.Ela não acreditou completamente na irmã. Mas decidiu não insistir. A rua e o estacionamento da igreja estavam cheios. Então, Serina acabou estacionando o carro na esquina. Pegou sua bolsa e a Bíblia, que estava no banco de trás.— Vamos?Carly assentiu e as duas desceram. Ao entrarem no pátio do local, avistaram Giulia, que estava acenando com um largo sorriso, segurando nos braços uma garotinha pequena e animada.— Quem é essa criança? – Carly perguntou, curiosa.Serina sorriu, achando interessante a expressã
A manhã estava morna e sem pressa, o céu nublado prenunciava uma possível chuva. O aroma doce do café recém-passado se misturava ao som distante da rua e com o aroma de pão fresco no ar da panificadora Saborear. Serina sentou-se em uma mesa discreta, onde a luz natural filtrava-se com suavidade, projetando sombras em movimento sobre a madeira envernizada. Ela mexia distraidamente a colher na xícara, sem prestar atenção ao som ambiente ou às pessoas ao redor. A ansiedade vibrava sob a pele. Esperar por Carly nunca fora tão desconfortável, ainda mais depois do que recebeu dias antes.A irmã chegou alguns minutos depois do combinado, procurando por Serina entre os clientes. Ao ver a irmã, sorriu brevemente e seguiu em sua direção. A relação das duas estava em reconstrução. Ainda não era natural, mas também não era forçada. Era algo novo, frágil como porcelana. — Oi, mana! Acabei tendo um imprevisto, me desculpe — disse Carly, puxando a cadeira à frente.— Melhor esperar do que ser esper
O sol poente tingia de um laranja suave os vidros do hospital, como se também estivesse exausto das últimas horas. Carly saiu pelas escadas, evitando pegar o elevador para não passar pelo primeiro andar, onde Pedro poderia estar. Seus passos ecoavam no estacionamento enquanto ensaiava mentalmente o que diria:— Preciso fazer uma viagem para procurar Marta e chamei Monteiro, já que ele foi treinado para isso. Mas as palavras pareciam traiçoeiras. Toda vez que imaginava os olhos castanhos de Pedro, aquele olhar que sempre enxergava com uma sinceridade quase dolorosa, seu coração se contraía. Ele merecia a verdade, mas... E se ele quiser impedir? Se achar que estava cometendo um erro? Os questionamentos pairavam a sua mente. Pedro era sincero, íntegro e amável. E ela ainda era um mistério para si mesma. Um buzinão a fez pular. O motorista de aplicativo havia chegado. A realidade voltou como um sopro quente. Ela aproveitou aquele momento para perguntar quanto ele cobraria para ser o mot
O café estava quase vazio naquela manhã. O som leve de uma música instrumental preenchia o ambiente elegante, com o aroma de grãos recém-moídos e croissants recém-assados. Pedro já estava lá, sentado no canto mais afastado, com um cappuccino fumegante sobre a mesa de madeira rústica. Seus dedos tamborilavam nervosamente no celular, algo incomum para um homem tão controlado. — Desculpa o atraso, acordei atrasada. — Disse Carly, puxando a cadeira à frente dele. Pedro ficou por um momento em silêncio, com o olhar indecifrável. Trazia o mesmo charme discreto, mas algo parecia mais... contido. Menos entregue. Talvez mais distante.— Oi, bom dia! Finalmente conseguimos nos ver. Por que não atendeu as minhas ligações?Ela deu um sorriso, sem graça. — Eu... estava sem tempo. Sua mãe foi lá em casa e depois acabei caindo no sono.Ela mentiu, na verdade, passou a noite em claro ensaiando palavras que agora pareciam inúteis. — Na verdade, você parece cansada.— Ontem o dia foi puxado no hosp
O céu estava começando a escurecer quando Pedro deixou o hospital. O plantão havia sido longo, mas o cansaço em seu corpo não era nada comparado ao turbilhão emocional que o corroía por dentro. Ele dirigiu pelas ruas com os olhos pesados, a cabeça cheia de frases interrompidas, a dor latente de um rompimento que ele não conseguiu evitar. Carly havia dito que não sabia o que queria. Aquilo não havia sido apenas um adeus — foi um corte silencioso que sangrava por dentro.A sensação de ser deixado para trás enquanto ela escolhia outro caminho... outro homem... o dilacerava.Sem saber exatamente para onde ir, acabou parando em frente à casa de Felipe, na esperança de encontrar refúgio, na presença de um amigo. Talvez conversar, esquecer por alguns instantes que seu mundo parecia ter virado do avesso.Felipe estava no sofá da sala, com a televisão ligada em volume baixo, quando ouviu a campainha. Ao abrir, o encontrou com uma expressão cansada e os olhos visivelmente abatidos.— E aí, irmã
O relógio marcava quase meia-noite quando Carly saiu da sacada e voltou para o sofá. Ainda restava uma fatia de pizza, na caixa aberta sobre a mesinha de centro, a garrafa de refrigerante pela metade. Serina já havia recolhido os pratos e Letícia secava os olhos, com o rosto ainda corado da emoção.— Eu não sei nem o que dizer — murmurou Carly, quebrando o silêncio.— Não precisa dizer nada. — Letícia respondeu, com a voz baixa, mas firme.— Mas eu quero — Carly insistiu. — Quero dizer que... sinto muito. Por tudo o que você viveu. Pela forma como ele te tratou. Por eu ter me envolvido nessa história. E... obrigada por ter me contado.Letícia assentiu, mordendo o lábio inferior, como se ainda lutasse contra as palavras que restaram engasgadas. Serina voltou à sala com um cobertor leve sobre os ombros.— Acho que ninguém aqui vai dormir tão cedo — disse, com um sorriso cansado.Carly olhou para as duas.— Sabe o que me dói? Não é só saber que ele foi capaz de fazer isso. É saber que, e
A manhã começava arrastada para Carly. Ela voltou para casa bem cedo. O celular vibrava em cima da mesa, e o nome que apareceu na tela fez seu coração pular uma batida. Ela ficou surpresa.Helena: “Oi, querida. Vamos manter nossa lição de discipulado hoje?”Carly ficou olhando para a mensagem por um tempo. Seus dedos pairaram sobre o teclado. Não esperava aquilo. Depois do término com Pedro, acreditava que Helena tomaria partido do filho e a ignoraria — ou, pior, a rejeitaria.Mas ali estava ela. Com sua suavidade habitual. Como se nada tivesse mudado.Carly respondeu:“Sim, claro. Podemos sim.”E logo em seguida, teve uma ideia. Algo que poderia soar loucura... ou coragem. Então, decidida, pegou sua bolsa e saiu para o trabalho. No hospital, o ambiente era silencioso, exceto pelo murmúrio distante de conver