Um Convite para o Amanhã

Pedro estava exausto. O luto pesava sobre seus ombros como uma corrente invisível que o arrastava para um vazio difícil de escapar. Desde o enterro do pai, sua mente não encontrava descanso. As lembranças vinham e iam, cada uma delas carregada de culpa e saudade. Carly percebeu isso. Então, assim que ela o viu entrar pelo elevador para ir embora de mais um expediente, ela correu para o acompanhar. Ele mal a cumprimentou. Seu olhar estava perdido, os olhos avermelhados denunciavam as noites sem sono. Sem pensar muito, ela o envolveu em um abraço firme, como se quisesse segurá-lo no presente, impedindo que ele se perdesse em sua própria dor.

Erguendo o olhar para o teto, ela murmurou suavemente:

— Vamos sair daqui? Ir para algum lugar? O que acha?

Pedro hesitou, sem entender, piscando algumas vezes antes de responder.

— Como assim? Você não está com pressa para ir para casa?

Ela sorriu de leve.

— Agora, meu compromisso é com você! Serei sua terapeuta hoje. Acredito que você precisa de alguém para conversar. E eu estou disponível.

Ele arqueou uma sobrancelha, tentando imaginar onde aquilo o levaria.

— Sério? Então me diga… quanto vai me cobrar por essa consulta?

— Talvez o preço seja alto… Mas, por enquanto, precisamos de um carro. No caminho te explico para onde vamos.

Pedro riu, apreciando a leveza que Carly trazia para um momento tão pesado.

Sem questionar mais, pegou as chaves e dirigiu, enquanto ela lhe dava as direções. O caminho os levou até uma praia mais isolada, um lugar calmo e quase deserto, onde apenas o som dos pássaros e das ondas quebrando na areia preenchia o silêncio. Ele estacionou, observando ao redor com certa curiosidade.

— O que exatamente estamos fazendo aqui?

Carly saiu do carro e esticou os braços, sentindo a brisa tocar seu rosto.

— Ver o pôr do sol, não é uma paisagem encantadora...? Mas, também quero que você relaxe e consiga colocar para fora tudo o que está sentindo nesse momento. Sem filtros, não vou julgar.

Pedro riu nervoso, cruzando os braços.

— Não… Isso é estranho. Melhor irmos embora.

Ela se virou para ele, determinada.

— Por quê? Você prefere continuar assim , guardando tudo para si, fingindo que está tudo bem? Você não é mais o Pedro cheio de virtudes. Espero que não se restrinja só por querer dar uma de machão... Cadê a sua convicção agora? Você não acredita que seu pai está em um lugar melhor? Cadê aquele homem que acredita em Deus, que segue princípios que estão escritos numa bíblia? Só achei que você deveria estar ciente e preparado para momentos como esses, são inevitáveis. É importante saber aproveitar ao máximo cada dia com quem amamos, enquanto eles ainda estão entre nós. Também é importante ter a noção de que um dia seremos atingidos por essas ondas que nos abalará com mais força. Mas, resistir é necessário. Não podemos nos entregar às circunstâncias que vem atormentando, temos que reagir. Às lembranças que você deve guardar são as boas, de afeto e amor.

Algo dentro dele estalou. Sem conseguir mais conter, em suspiros de dor, ele soltou as palavras com força.

— Ahh, chega! Você está me perturbando ainda mais. Está querendo me deixar mais para baixo? Se quer saber o que estou sentindo é raiva! Muita raiva! Raiva do que aconteceu, raiva porque não posso mudar nada, estou arrasado porque perdi alguém que era uma base para mim! Você não entende, Carly. É fácil falar quando não é você na situação!

A voz dele se quebrou no final. Sentindo as lágrimas queimarem sua pele, Pedro sentou-se na areia com as mãos sobre os olhos, sem forças.

Carly respirou fundo antes de se ajoelhar ao lado dele.

— Quer saber? Você está muito enganado. Eu sei exatamente o que você sente.

Ele a olhou, confuso.

— Perdi minha mãe... com 15 anos. Eu não entendia nada do que estava acontecendo. Tudo aconteceu tão rápido…

Pedro ficou em silêncio, absorvendo aquela revelação.

— Me desculpe…  — murmurou, limpando as lágrimas com as costas da mão. — Olha só para mim… Um homem chorando… Que cena lamentável.

Carly sorriu de leve.

— Quem te disse isso?

Ele franziu o cenho.

— O quê?

— Que homem não pode chorar. Quem inventou essa regra? Você só está colocando para fora o que sente. Isso não é fraqueza, Pedro. É humildade de um ser homem!

Ele suspirou, dando uma risada em seguida, deixando a cabeça pender para trás, encarando o céu estrelado.

— Eu não consegui ficar lá, Carly. No hospital. Quando tudo aconteceu, eu simplesmente… me escondi, sem reação. Achei que voltar ao trabalho me ajudaria, mas me senti mais covarde ainda. Como, se todos sentissem pena. Deveria ter ficado ao lado da minha família. Mas, meu irmão...

— Você se sente mal por não ser o porto seguro que a sua mãe precisa nesse momento e que seu irmão tem te atrapalhado?

Ele assentiu, fechando os olhos.

— Sim… — sua voz saiu baixa. — Apesar de ser o filho do meio de cinco irmãos. Agora, sou praticamente o líder da família. O Gutto é divorciado, mas não quer nem saber de voltar e estou com raiva dele. Minha irmã já tem suas responsabilidades. Os gêmeos, ainda são de menor... Mas, eu não estava preparado para isso. Minha vida nunca foi essa.

Carmen manteve o olhar suave sobre ele.

— Você voltou para casa por causa do seu pai, não foi?

— Sim. Quando soube que ele estava doente, não hesitei. Minha mãe e meus irmãos precisavam de mim.

Ela ficou em silêncio por um momento, absorvendo suas palavras.

— E seus irmãos? Todos vivem por aqui?

— Não… Gutto, mora em Nova York. Ele tem uma carreira como advogado criminal. A Pri mora em outra cidade, é casada, tem uma filha pequena e um trabalho exigente. No fim, a responsabilidade caiu sobre mim, cuidar da mamãe, do Gui e da Gi, que são os mais afetados nessa situação.

— Você fez tudo o que pôde, lembre-se disso. Existem coisas que, infelizmente, não estão sob o nosso controle.

Pedro riu sem humor.

— Mas não foi o suficiente.

Carly estendeu a mão e segurou a dele por um breve momento, olhando no fundo dos seus olhos.

— Você, melhor do que ninguém sabe que não temos controle sobre a vida. Você disse que é cristão, Pedro. Precisa acreditar que, mesmo diante da dor, há um propósito. Você vai superar isso.

Ele a olhou, absorvendo aquelas palavras.

— Obrigado por tudo… você até podia ser uma terapeuta!

— Imagina, o que anos de terapia não faz!

Eles continuaram ali por mais um tempo, em meio a conversas e risos, deixando a brisa e o som das ondas levarem parte das tristezas que carregavam.

Quando Pedro desceu para deixá-la na porta de casa, deu um sorriso sincero com um aperto na mão dela, como um convite amigável de gratidão por ela o ter socorrido.

— Te vejo amanhã?

Carly ergueu uma sobrancelha.

— Claro, mas você não vai trabalhar?

— Só à noite, durante o dia estou livre. Então, te envio uma mensagem para acertarmos os detalhes.

Ela riu, cruzando os braços.

— Pedro, não sei do que você está falando...

— Então, virá comigo por livre e espontânea pressão?

Ela fingiu pensar, tentando manter a compostura.

— Se isso for um convite, espero ansiosamente pelos detalhes.

— Até amanhã, Carly. — Ele se despediu com um sorriso largo no rosto.

Depois, foi embora sentindo brotar algo novo dentro de si. Seu coração batia em um ritmo mais acelerado, suas mãos suavam frio e a sensação de borboletas no estômago fluíam, despertando um sentimento inusitado naquele momento.

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