O hospital estava em seu ritmo habitual quando Carly chegou. Enfermeiros apressavam-se pelos corredores, médicos discutiam diagnósticos entre uma sala e outra, pacientes e acompanhantes preenchiam a recepção. Para muitos, era apenas mais um dia. Para Carly, era um teste de sobrevivência. Ela ajustou a alça da bolsa no ombro e caminhou direto para a sala de fisioterapia. Ela apertou o jaleco contra o corpo, sentindo o peso do dia antes mesmo de começar. E para conseguir lidar com o passado, precisava se ancorar no presente. Respirando fundo, seguiu direto para sua primeira sessão do dia. Carly manteve-se ocupada. Atendeu seus pacientes que tinha pela manhã com precisão e dedicação. Primeiro paciente: um senhor de sessenta e cinco anos, recuperando-se de um AVC. Movimentos leves, repetitivos. Estímulo gradual. Incentivo e paciência. — Você está indo bem, Seu Agenor. Mais uma vez, vamos lá. Amanhã vamos fazer exercícios em grupo na piscina, o que acha? Segundo paciente: uma bai
A lanchonete do hospital estava tranquila naquele fim de expediente. Carly, Gael e Deise estavam reunidos e conversavam animadamente, enquanto terminavam suas bebidas. O ambiente, iluminado de forma aconchegante, era um espaço de tranquilidade antes que cada um seguisse para suas rotinas. Pedro entrou pelo local, ainda vestindo o avental e segurando um copo de café recém-pego na entrada. Ele parou ao lado da mesa e, com as sobrancelhas erguidas, lançou a pergunta como se fosse um grande furo de reportagem: — Vocês sabiam que o governador está internado aqui? Os três se entreolharam, como se estivessem decidindo silenciosamente quem deveria responder primeiro. Gael, sempre o mais direto, bufou teatralmente e cruzou os braços. — Pedro, você está atrasado. Precisamos te atualizar urgentemente, irmão! Pedro franziu o cenho. — Como assim? Todo mundo já sabia? Gael sorriu, inclinando-se na cadeira. — Claro! Quem entra aqui que eu não saiba? Aliás, ele tentou dar o golpe, mas
O dia começava com a cidade ainda despertando lentamente. O ar fresco da manhã misturava-se ao cheiro de pão recém-saído do forno que escapava da pequena padaria da esquina. Serina estava ali, sentada próxima à entrada, mexendo distraidamente no celular enquanto bebia um cappuccino. Seu olhar pairava sobre a tela, mas sua mente vagava longe. Havia muita coisa acontecendo ao mesmo tempo e, por mais que tentasse organizar os pensamentos, as coisas pareciam confusas. O sino da porta tocou e um sopro de ar fresco entrou junto com Carly, que parecia apressada e carregada pela cobrança da rotina. Ela estava no balcão pedindo um café com leite e pão na chapa, pegou o pedido e caminhou até a mesa de Serina. O silêncio inicial revelava o peso daquele momento. Por mais que compartilhassem o mesmo sangue, se tornaram como estranhas depois de tantos anos afastadas. — Bom dia! Indo trabalhar? — Perguntou Serina. — Bom dia! Isso mesmo. Então, quais são as novidades? — Carly perguntou, jogando
A chuva ameaçava cair a qualquer momento. O céu, coberto por nuvens cinzentas, tornava a visão ainda mais sombria. Carly apoiou a testa contra o vidro frio da janela, observando a paisagem do lado de fora, sem realmente enxergá-la. Sua mente estava presa em um passado distante, numa memória que nunca a abandonou. Lembrava-se daquela noite como se fosse ontem.Sua mãe, com os olhos brilhantes e um sorriso doce, entrou em seu quarto com uma caixinha aveludada azul nas mãos. Carly, adolescente, não conteve a curiosidade. — O que é isso, mãe? — perguntou animada, estendendo as mãos para pegar o presente. A mãe sentou ao lado da filha na cama, segurando suas mãos antes de entregá-lo. — Quero que guarde isso com muito amor. Quero que através desse presente se lembre do quanto eu te amo. Com empolgação, Carly pegou a caixinha e abriu, revelando uma pulseira delicada, feita exclusivamente para ela. Tinha dois pingentes: uma borboleta e uma estrelinha de ouro. — Uau, que lindo. Amei! — ex
Carly caminhava pelos corredores do hospital sentindo um alívio inesperado. Finalmente, aquele dia havia chegado. Seu pai receberia alta e sairia de sua vida mais uma vez. Depois de dias suportando sua presença, cumprindo seu papel profissional por obrigação, ela poderia voltar à sua rotina sem se preocupar com ele. Ao entrar na sala de fisioterapia, encontrou Joseph sentado em uma das cadeiras acolchoadas, aguardando pacientemente. Seu semblante era tranquilo, mas seu olhar afiado a acompanhou desde o momento em que a porta se abriu. Ao lado dele, estava seu mordomo, pronto para auxiliá-lo assim que a sessão terminasse. — Bom dia, pai. Quer dizer, senhor Joseph. — Carly disse formalmente, ajustando os equipamentos para iniciar a última sessão no hospital. — Bom dia, doutora Carline. Que milagre você lembrar que sou seu pai. — Ele respondeu, com um tom carregado de ironia. Ela o ignorou. A relação deles se resumia àquilo: distanciamento e formalidade. Começou os exercícios com a m
Pedro dirigia pelas ruas tranquilas da cidade, sentindo-se aliviado por finalmente ter um momento para respirar. A última semana tinha sido um turbilhão de acontecimentos. Desde sua conversa com o pastor Samuel até o inesperado encontro com Serina, sem falar nas constantes dúvidas sobre seu relacionamento com Carly.Ele estacionou em frente à casa de Felipe e tocou a campainha. O amigo não demorou a atender, abrindo a porta com um sorriso acolhedor.— Finalmente apareceu, hein? Já estava achando que tinha sumido do mapa.Pedro riu, entrando.— Quase isso. Tenho andado com a cabeça cheia ultimamente.Felipe fechou a porta e o conduziu até a sala, onde o sofá de couro e os quadros nas paredes davam ao ambiente um ar aconchegante. Era um lar acolhedor, refletindo não só a fé de Felipe e Sofia, mas o amor que os unia.— Senta aí e me conta tudo. O que anda acontecendo? — Felipe sentou no sofá, desligando a tv.Pedro soltou um suspiro, passando a mão pelos cabelos.— Muita coisa. Mas a mai
As perguntas ecoavam na mente de Carly enquanto encarava seu reflexo no espelho, com um penteado deslumbrante, um vestido de gala brilhante de cor pêssego, ressaltando sua silhueta esbelta, com um vislumbre do salto escarpin e a maquiagem impecável, que ressaltavam seus olhos azuis e traços de tons claros. Ela se perguntava: "será possível conseguir conquistar o que tanto desejo? E se eu falhar? Qual será o destino traçado para mim? Espero ter sorte." Faltavam poucas horas para a premiação do ano. Ela deveria estar contente. Já havia conquistado tanto, mas algo ainda parecia incompleto em sua jornada e isso a deixava pertubada. Ela encarava o silêncio de sentir-se só, mas fingia que estava tudo bem. — Foco, você é incrível! Alguém que tem destaque, sucesso e muito profissionalismo. A carreira vem em primeiro lugar... Na verdade, é o que tenho de mais importante no momento. — murmurou para si mesma, tentando se encorajar e afastar a inquietação. Ela havia conseguido o que muitos a
Pedro saiu da igreja sentindo-se leve. A comunhão de estar na igreja lhe trazia paz, mas, naquele dia, algo o inquietava. Enquanto caminhava até o estacionamento, seu olhar foi atraído para a lanchonete da esquina. Lá estava Carly, sozinha, distraída ao celular, tomando um milk shake. A lembrança de seu primeiro encontro com ela surgiu à mente. Aqueles olhos claros e expressivos, que no primeiro momento lhe pareceram assustados, os seus lábios delicados, uma postura que exalava confiança. Ele chegou a pensar que uma mulher daquelas fosse comprometida. Principalmente depois, que sem aviso, ela simplesmente se afastou. Pedro hesitou. Será que eu deveria ir até ela ou seria melhor ignorar? A dúvida pairou os seus pensamentos, enquanto ficava de um lado para o outro de frente ao seu carro. Ele não entendia por que Carly recusou continuar trabalhando com ele meses atrás. Para ele, estavam se dando bem, a parceria de trabalho era boa. Mas, de repente, ela pediu para mudar de setor, sem lhe