O corredor da Ala VIP parecia ainda mais silencioso do que o normal. O ambiente requintado, com suas luzes suaves e móveis sofisticados, contrastava com a atmosfera impessoal das outras alas do hospital. A tranquilidade e a sofisticação artificial daquele espaço não conseguia aliviar a tensão que Carly sentia. Parada diante da porta, ela segurava o cartão de acesso com dedos trêmulos. Respirou fundo antes de deslizá-lo na fechadura eletrônica. A luz verde piscou e a porta se abriu com um leve clique. Ela entrou vagarosamente. O ambiente era mais luxuoso do que um quarto de hotel, espaçoso, bem iluminado pelo entardecer que filtrava pelas cortinas semiabertas. O cheiro sutil de desinfetante misturava-se ao perfume do ambiente climatizado. Mas nada disso importava. Seus olhos foram direto para a cama. Ali, ele estava deitado. O homem que um dia lhe deu a vida. Ele dormia profundamente, o peito subindo e descendo de forma ritmada. Mas, o curativo em sua lateral denunciava a fratura nas
O silêncio no quarto foi quebrado apenas pelo som baixo da televisão. A tela exibia uma reportagem, e a voz do jornalista preenchia o ambiente com um tom formal e sério:"Joseph Padro, governador e empresário, sofreu um acidente enquanto cavalgava em sua fazenda particular, em Monte Frontal. O incidente resultou em múltiplas fraturas nas costelas e uma contusão severa na perna direita. O empresário, que é sócio de diversas empresas no país, foi transferido para um hospital de alto padrão, em Porto, onde segue em recuperação. Nossa equipe segue acompanhando as atualizações sobre o estado de saúde do governador."Serina, sentada na cama, ao lado do pai, observava a notícia com os braços cruzados, a expressão indecifrável.Joseph, mesmo debilitado, mantinha um olhar fixo na tela, sua postura carregada de um peso invisível. Foi nesse momento que a porta do quarto se abriu lentamente.Carly entrou vagarosamente.Joseph desviou o olhar da TV imediatamente para ela. Um silêncio tenso se inst
O gabinete do Pastor Samuel era um ambiente acolhedor, decorado com estantes repletas de livros teológicos e um aroma suave de madeira. Quando Pedro entrou, foi recebido com um entusiasmo caloroso, mas o olhar atento do pastor indicava que a conversa que estavam prestes a ter não seria levada de forma leviana. Ele pegou duas xícaras e a garrafa de café, pondo na mesa. — Pedro, meu filho, sente-se! Fico feliz que tenha vindo. Vamos tomar um cafezinho. Pedro acomodou-se na cadeira diante da mesa de madeira maciça, sentindo-se mais confortável do que esperava.— Então, como você está? Fiquei sabendo de umas coisas aí sobre você, mas quero saber da fonte. Me conte, quem é essa abençoada que tem mexido com seu coração?Pedro sorriu de leve, seu olhar suavizando instantaneamente ao pensar em Carly.— É Carly, trabalha comigo. Pastor, ela é incrível, determinada… Eu não sei explicar, mas desde o primeiro momento senti que havia uma conexão especial entre nós.O pastor escutava atentamente
Quando Carly chegou em frente à sua casa, Pedro já estava lá, encostado contra o capô de seu veículo, os braços cruzados e o olhar atento. Ele parecia exausto, mas não arredava o pé dali. Assim que ela saiu do carro, não pensou duas vezes.Ela caminhou até ele e se lançou em seus braços, apertando-o com força, como se aquele abraço fosse a única coisa que ainda a segurava no presente. Pedro não esperava por isso. Seu corpo ficou tenso por um instante, mas logo a envolveu, segurando-a firmemente contra si. Foi só quando sentiu o tremor no corpo dela que percebeu que Carly estava chorando. Não eram lágrimas silenciosas. Ela chorava como uma criança, deixando que o peso do dia escorresse de seus olhos sem qualquer resistência. Ele apertou o abraço, murmurando palavras suaves contra seus cabelos, enquanto deslizava a mão gentilmente por suas costas.— Estou aqui. Não se preocupe.Minutos se passaram até que a respiração dela desacelerasse.Carly se afastou devagar, os olhos ainda úmidos,
O hospital estava em seu ritmo habitual quando Carly chegou. Enfermeiros apressavam-se pelos corredores, médicos discutiam diagnósticos entre uma sala e outra, pacientes e acompanhantes preenchiam a recepção. Para muitos, era apenas mais um dia. Para Carly, era um teste de sobrevivência. Ela ajustou a alça da bolsa no ombro e caminhou direto para a sala de fisioterapia. Ela apertou o jaleco contra o corpo, sentindo o peso do dia antes mesmo de começar. E para conseguir lidar com o passado, precisava se ancorar no presente. Respirando fundo, seguiu direto para sua primeira sessão do dia. Carly manteve-se ocupada. Atendeu seus pacientes que tinha pela manhã com precisão e dedicação. Primeiro paciente: um senhor de sessenta e cinco anos, recuperando-se de um AVC. Movimentos leves, repetitivos. Estímulo gradual. Incentivo e paciência. — Você está indo bem, Seu Agenor. Mais uma vez, vamos lá. Amanhã vamos fazer exercícios em grupo na piscina, o que acha? Segundo paciente: uma bai
A lanchonete do hospital estava tranquila naquele fim de expediente. Carly, Gael e Deise estavam reunidos e conversavam animadamente, enquanto terminavam suas bebidas. O ambiente, iluminado de forma aconchegante, era um espaço de tranquilidade antes que cada um seguisse para suas rotinas. Pedro entrou pelo local, ainda vestindo o avental e segurando um copo de café recém-pego na entrada. Ele parou ao lado da mesa e, com as sobrancelhas erguidas, lançou a pergunta como se fosse um grande furo de reportagem: — Vocês sabiam que o governador está internado aqui? Os três se entreolharam, como se estivessem decidindo silenciosamente quem deveria responder primeiro. Gael, sempre o mais direto, bufou teatralmente e cruzou os braços. — Pedro, você está atrasado. Precisamos te atualizar urgentemente, irmão! Pedro franziu o cenho. — Como assim? Todo mundo já sabia? Gael sorriu, inclinando-se na cadeira. — Claro! Quem entra aqui que eu não saiba? Aliás, ele tentou dar o golpe, mas
O dia começava com a cidade ainda despertando lentamente. O ar fresco da manhã misturava-se ao cheiro de pão recém-saído do forno que escapava da pequena padaria da esquina. Serina estava ali, sentada próxima à entrada, mexendo distraidamente no celular enquanto bebia um cappuccino. Seu olhar pairava sobre a tela, mas sua mente vagava longe. Havia muita coisa acontecendo ao mesmo tempo e, por mais que tentasse organizar os pensamentos, as coisas pareciam confusas. O sino da porta tocou e um sopro de ar fresco entrou junto com Carly, que parecia apressada e carregada pela cobrança da rotina. Ela estava no balcão pedindo um café com leite e pão na chapa, pegou o pedido e caminhou até a mesa de Serina. O silêncio inicial revelava o peso daquele momento. Por mais que compartilhassem o mesmo sangue, se tornaram como estranhas depois de tantos anos afastadas. — Bom dia! Indo trabalhar? — Perguntou Serina. — Bom dia! Isso mesmo. Então, quais são as novidades? — Carly perguntou, jogando
A chuva ameaçava cair a qualquer momento. O céu, coberto por nuvens cinzentas, tornava a visão ainda mais sombria. Carly apoiou a testa contra o vidro frio da janela, observando a paisagem do lado de fora, sem realmente enxergá-la. Sua mente estava presa em um passado distante, numa memória que nunca a abandonou. Lembrava-se daquela noite como se fosse ontem.Sua mãe, com os olhos brilhantes e um sorriso doce, entrou em seu quarto com uma caixinha aveludada azul nas mãos. Carly, adolescente, não conteve a curiosidade. — O que é isso, mãe? — perguntou animada, estendendo as mãos para pegar o presente. A mãe sentou ao lado da filha na cama, segurando suas mãos antes de entregá-lo. — Quero que guarde isso com muito amor. Quero que através desse presente se lembre do quanto eu te amo. Com empolgação, Carly pegou a caixinha e abriu, revelando uma pulseira delicada, feita exclusivamente para ela. Tinha dois pingentes: uma borboleta e uma estrelinha de ouro. — Uau, que lindo. Amei! — ex