2. Dois

Já era o fim da tarde quando Lenna chegou em Road Villagi, 62, estacionando seu carro atrás das faixas amarelas de proteção da polícia. Um carro da patrulha e um caminhão do corpo de bombeiros estavam parados em frente ao posto de gasolina interditado. Sem sinais de uma ambulância ou da perícia, sem indicativos de que haviam vítimas ou, na pior hipóteses, indicando que Travis havia segurado o chamado para dificultar ás coisas para Lenna.

Bernard Kingley, policial veterano e amigo de Lenna, estava conversando com um dos bombeiros, ele viu Lenna sair do carro e acenou para ela.

“Qual a situação, Bernard?” Perguntou Lenna, passando por baixo da faixa para ir em direção dos dois homens.

“Investigadora Milton, esse é o Tenente Cortez. O corpo de bombeiros foi o primeiro a chegar.” Respondeu.

Lenna trocou um aperto de mãos rápido com o Tenente Cortez, que tinha estatura mediana, cabelos e olhos escuros.

“Recebemos um telefonema do frentista preocupado que um animal selvagem estivesse preso em um dos banheiros externos.” Explicou.

“Animal selvagem?” Questionou Lenna, Road Villagi estava no meio do distrito industrial da cidade.

“Não é tão incomum quanto pensa, alguns entusiastas adotam animais exóticos e quando eles crescem de mais, tendem aos abandonar em lugares públicos sem muita movimentação, semana passada tivemos que remover uma píton birmanesa de uma lavanderia.”

“Quantos metros tinha?” Perguntou Kingley.

“Quatro, mas elas podem chegar até pouco mais de sete metros.” Disse Cortez, orgulhoso.

“Era outra píton no banheiro?” Interrompeu Lenna, ela não se surpreenderia se Travis a tivesse mandado para atender um chamado infrutífero no seu dia de folga.

“Não, na verdade...” Começou Cortez.

“É melhor você ver com seus próprios olhos.” Completou Kingley, sua expressão ficando sombria.

Lenna olhou em direção ao banheiro, uma estrutura anexa ao prédio da conveniência do posto, a porta principal estava aberta, escorada a um cone laranja.

“Okay.”

Desde que se devotou a carreira policial Lenna acreditava que já tinha presenciado de tudo, situações violentas, cenas de crime terríveis, cenários grotescos e o pior que a natureza humana tinha a oferecer. Ela estava certa pela falta da perícia e de uma ambulância, de que o que houvesse naquele banheiro não a surpreenderia.

Ledo engano, percebeu, assim que entrou.

Vandalismo não era a palavra correta para descrever o cenário, mas foi a primeira que Lenna pensou. Pias quebradas, paredes depredadas e portas das cabines tiradas do lugar. O espelho que ocupava boa parte de uma das paredes estava estilhaçado, fragmentos espalhados sobre o balcão da pia, alguns machados com sangue. Era como se alguém tivesse pegado um bastão de metal e detonado o banheiro ou como se um rinoceronte tivesse sido preso ali e depois chicoteado até entrar em fúria.

Lenna se abaixou e examinou o chão de cimento, cinco marcas profundas e retilíneas estavam incrustradas em alguns pontos. Tais como marcas de garras, pensou. O frentista tinha pensado que era um animal, mas que animal era capaz de tal destruição? Lenna balançou a cabeça confusa. Alguém tentando pregar uma peça? Ela voltou a examinar a pia, o fragmento do espelho com sangue. Quem fosse, tinha deixado uma pista.

Ela saiu do banheiro, quase esbarrando em Bernard. Ele e o Tenente Cortez tinha se aproximado.

“O banheiro estava vazio quando forçamos a entrada.” Disse Cortez.

“Algum animal pode ter feito isso?” Perguntou Lenna.

Cortez não pareceu pensar, ele já devia estar nutrindo sua teoria por algum tempo.

“Um felino grande, talvez.”

“Um felino grande consegue arrancar portas daquele jeito?” Questionou Lenna.

“Não sei, investigadora. Acha que foi alguém?”

“Já vi usuários em crise fazerem estragos, mas nada desse tipo.” Opinou, Bernard.

“Preciso falar com o frentista que fez a ligação.” Respondeu, ela se virou para Bernard. “A perícia foi informada da situação? Quero uma identificação biológica a partir do sangue da pia.”

“Eles estão ocupados em Okland, não recebeu o informativo?” Disse Bernard, puxando o celular de um dos bolsos do uniforme, ele mostrou a tela para Lenna. “Estão dizendo que é outra vítima do assassino em série que surgiu no mês passado.”

“O desgraçado só mata mulheres.” Disse Cortez com raiva.

Lenna havia escutado comentários sobre o serial killer, mas estava sempre atulhada com seus casos que nunca dera a devida importância ao caso mais famoso da cidade.

“Onde está o frentista?” Perguntou. Seu caso, no momento, era descobrir o que raios tinha acontecido ali.

“Na conveniência, Ramona estava checando os sinais vitais, ele estava em choque quando chegamos.” Disse Cortez.

“Tentei pegar o depoimento dele, mas ele ainda não estava falando nada de coerente.” Explicou Bernard.

“Vou ver se consigo algo, tente fazer com que alguém colha o sangue no banheiro sem contaminá-lo.” Instruiu Lenna.

“Pra já, chefia.” Disse Bernard.

Lenna foi até a conveniência, o sino na porta tilintou quando a atravessou.

Uma mulher alta e morena usando o uniforme dos bombeiros estava conversando com um rapaz franzino de cabelo castanho que balbuciava, suas mãos tremiam visivelmente enquanto ele segurava um copo descartável com água.

“Olá, sou a Investigadora Lenna Milton, imagino que seja a oficial Ramona, ele já está falando? Preciso fazer algumas perguntas.”

“Fiz o possível para acamá-lo, Investigadora.” Respondeu a oficial. “Vou me juntar ao restante do meu grupo, já fizemos tudo ao nosso alcance por aqui.”

“Obrigada pelo trabalho.”

Ela sorriu e deixou a conveniência em seguida.

Lenna foi até o rapaz.

“Pode me dizer o que ocorreu no banheiro?” Perguntou, fazendo o melhor para que sua voz soasse gentil. O rapaz estava sentado em uma cadeira, Lenna se abaixou ficando no mesmo nível dos olhos dele. “Vou pedir para um policial te levar para casa depois que encerrarmos por aqui, deve ter sido um longo dia...” Ela procurou pelo nome no crachá dele. “Harry.”

Instantaneamente o rapaz olhou para Lenna com olhos arregalados e assustados. Sua visão foi para o cordão de prata que ela usava em volta do pescoço, o pingente no meio dele era uma medalha de Santa Barbara, protetora das tempestades e mortes repentinas.

“Você é uma devota?”

Lenna não era, mas ela sabia que precisava conseguir a simpatia do rapaz para que ele respondesse suas perguntas.

“Sim, mas o medalhão foi um presente.” Falou, para ela uma meia verdade era melhor do que uma mentira.

“Então não vai rir de mim se eu disser o que vi?” Perguntou, a postura retraída dando lugar a uma postura de interesse.

 Ele tinha algo a dizer, mas temia ser ridicularizado, percebeu Lenna.

“Estou aqui para ajudar, Harry.” Garantiu.

“Um homem entrou aqui mais cedo, comprou fio dental, alguns azóis e álcool em gel. Disse que precisava usar o banheiro, então entreguei a chave para ele. Depois de alguns minutos escutei os barulhos.”

“Se foi um homem que entrou no banheiro, porque ligou para os bombeiros dizendo que era um animal selvagem?” Lenna perguntou.

“Por causa do barulho, eu juro por Deus, o som que estava vindo de lá não podia ser humano!” Falou. “Tem que acreditar em mim!”

“Tudo bem, eu acredito em você.” Disse Lenna. “Mas preciso que me fale como era o homem, vamos por partes.”

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