Lenna não sabia ao certo quando teve a ideia de ir para Okland, o bairro de classe baixa onde a última vítima havia sido encontrada e nem o porquê escolhera fazer isso durante a madrugada.
Três equipes da perícia tinham sido enviadas ao local no momento que o corpo foi descoberto, os resquícios de fitas amarelas e marcadores estavam espalhados pelo projeto do que viria a ser um parque, mas que por ora, era apenas um terreno com armações de concreto e uma placa do prefeito Jerome Hilmes sorrindo com algumas crianças.
Haviam fotos da cena do crime na pasta que Lenna recebera, tiradas durante o sol do entardecer, um delas capturando não só o projeto da construção do parque como a linha de árvores de um dos vários bosques da cidade.
Ela não teria notado na imagem o elemento que a fez sair de casa, se não tivesse visto o padrão antes, no mesmo dia que recebeu o caso do posto em Road Villagi. Cinco linhas encravadas no chão, agora, cinco linhas encravadas na árvore.
Lenna apontou a lanterna iluminando a marca. Como garras, pensou novamente
A perícia não tinha catalogado como prova e mesmo que tivesse, ataque animal estava descartado pelo legista, pela questão da curvatura dos golpes não pertencer a pata de nenhum animal conhecido.
A teoria vigente era de que estripador usava um instrumento especial, fabricado por ele mesmo ou com alguma modificação.
Usando o celular, Lenna tirou uma foto da marca na árvore. E se dando por satisfeita, ela se virou para ir embora, foi quando viu alguém parado sob a luz do poste na rua.
Seu coração disparou e o seu corpo ficou paralisado diante de uma necessidade estanha, que não era exatamente medo. Estava sozinha no local de um crime recente, investigando um assassino em série, que poderia retornar ao local do crime em uma madrugada para reviver a emoção de não ter sido pego e então dar de cara com ela.
Mais de uma vez fora acusada de ser imprudente e com alguma razão. Ela deixara a arma e o coldre no porta luvas do carro, carregando apenas sua lanterna tática.
Respirando fundo e sem conseguir tirar os olhos do estranho, ela tentou raciocinar com probabilidades. A primeira um morador com insónia que decidiu caminhar para refrescar a mente, a segunda, um policial colocado a paisana para ficar de olho no local do crime, a terceira...Lenna não conseguiu pensar em uma terceira.
Com passos lentos o homem começou a andar em sua direção
***
Houve uma época em que Max pensou que sua maldição podia ser transformada em um recurso para ajudar as pessoas, era notoriamente mais forte que os humanos comuns, com sentidos apurados e certeiros. Por muitos anos tinha servido a uma causa na caça as bruxas, se juntar a outra com um pretexto mais grandioso, como defender um país, pareceu uma oportunidade sem igual.
Até Max perceber que batalhas grandiosas muitas vezes eram infundadas, um desperdício de vidas alheias. Quando era um caçador o mal era erradicado com um golpe, quando foi um soldado, o mal sempre pareceu estar distante, não importando quantas vezes ele golpeasse ou atirasse.
Ele largou a vida de soldado e as armas, mas sempre manteve consigo sua espada, guardada em um fundo falso no porta malas do carro. Um recurso útil quando a última batalha com os bruxos no coven, para onde a companheira de Niklai fora raptada, estourou.
Ele já estivera desiludido quanto a encontrar sua legítima companheira, mas no passado, pensara muito a respeito disso, em como seria ter alguém ao seu lado, corajosa o suficiente para aceitar a monstruosidade dentro dele, misericordiosa o suficiente para perdoar o sangue que ele tinha nas mãos. E ceús, Max sabia que tinha muito e nem todos eram de pessoas más.
Agora que Niklai havia encontrado Kristen, Max não conseguia mais bloquear os pensamentos que reverberavam em sua mente, ter uma companheira para chamar de sua.
"Pensamentos estúpidos, Maximiliam." Sussurrou para si mesmo, caminhando em uma rua escura, em direção a cena da última vítima do assassino em série.
Ele tinha um objetivo para focar sua mente, pegar o assassino e depois disso...bom, ele voltaria para a estrada, dando cabo de um ou outro lixo humano em sua jornada para o seu desconhecido e solitário fim. O que definitivamente era o que merecia pelas coisas que havia feito, pelas pessoas que tinha matado, sem misericórdia com seus princípios ultrapassados.
Sua mente vagou de novo, dessa vez para uma visão com a qual ele sonhou mais de uma vez. Uma casa com telhas vermelhas na beirada de um lago com um belo píer, grama verde e um céu azul sem nuvens. Ele podia sentir o cheiro da brisa suave, que as árvores produziam em contato com o frescor do lago, tocar a ponta do seu nariz. Um perfume que lhe dizia uma única coisa: casa.
Mas não uma casa fria e solitária, mesmo que no inverno, ele cortaria madeira para acender uma lareira e teria cobertas felpudas para um sofá com dois lugares. Onde ele estenderia o braço e envolveria sua companheira para dividirem o calor de seus corpos, tomariam chocolate quente vendo o fogo crepitar e mais tarde fariam amor.
Ele a amaria com todo seu coração, porque decerto, era o que ela merecia, merecia muito mais que Max pudesse dar.
Ele bufou, uma mulher assim que pudesse o amar ignorando seus pecados, não existiria, afinal eram quase quinhentos anos desde que fora amaldiçoado e ele não encontrara nenhuma.
A fragrância que sua mente havia produzido continuou até que ele visse uma luz no fim da rua e sentisse o inconfundível cheiro de sangue, tinha chegado ao local da cena do crime, se pudesse captar o cheiro do assassino entre todos os outros, ele não poderia escapar de Max nem que fosse para outro lado do mundo.
Mas tudo que Max encontrou foi a visão da mulher mais bonita que já vira e a confirmação, com seu coração batendo tão forte como ele nunca tinha sentido, de que aquela mulher, com cabelo bagunçado, calças de pijama e tênis para corrida, era sua legítima companheira.
Lenna sorveu o ar com dificuldade, pensando no motivo por continuar parada ali como uma estátua, sem tomar nenhuma iniciativa, como se o homem caminhando em sua direção não fosse um perigo a sua integridade. Verdade fosse dita, talvez ele não fosse, Lenna praticava artes marciais desde os doze anos de idade, uma medida imposta pelo seu pai para tentar controlar o ímpeto temperamental dela. Ela podia dominar um homem de um metro e oitenta, podia apagá-lo com um soco cruzado no maxilar ou um golpe na garganta e nos países baixos para incapacita-lo. Mas Lenna não fez nada disso, continuou parada vendo o estranho se aproximar com passos lentos, os traços dele ficando cada vez mais evidentes, cada vez mais atraentes. Ele não era meramente bonito, ser bonito era uma definição insuficiente para descreve-lo, a palavra certa, Lenna pensou, era másculo. Se suas amigas do ensino médio o vissem, elas certamente diriam que ele parecia um deus grego. Um deus grego feroz, dotado de um fogo quase a
Não era o seu distintivo que Lenna desejava pegar no carro, mas sua arma. Acreditar em um detetive recém rechegado a cidade estava dependendo bem mais do que um nome desconhecido."Me fale sobre a garota que está procurando, Max." Pediu. "O departamento costuma colaborar no que puder, posso ajudá-lo com isso.""Eu agradeceria, mas sinto que não está sendo sincera comigo, Investigadora Milton."E nem você, pensou Lenna, abrindo a porta do carro. Ela havia estacionado do outro lado da rua.Pelo reflexo no vidro da janela, ela viu Max mover a mão até o casaco, virou-se pronta para acerta-lo, mas ele defendeu o golpe com rapidez, sua mão sendo bem mais delicada do que a de Lenna, se ela tivesse o acertado. Na outra mão dele estava uma carteira, ele a abriu usando os dedos para desabotoar o feixe, na primeira guia estava sua carteira de motorista, na segunda sua identificação como detetive."Sinto muito se a assustei, pensei que estava tensa, por isso peguei minha carteira." Disse ele com
"Vi você na TV." Disse Jean, o gêmeo e por cinco minutos, o irmão mais velho de Lenna. Ele ergueu sua taça de champanhe para que o garçom a enchesse.Todos os sábados, às vinte horas, na mesa oito do segundo andar no Pallatine, um conceituado restaurante de comida italiana, os Milton se reuniam para jantar. A tradição era mais velha do que Lenna conseguia se lembrar e vinha do fato de que nenhum deles, com exceção de Pamela, sabia cozinhar, a última tentativa envolvendo Lenna e Jean terminou com uma cozinha parcialmente incendiada e um pedido de cinco caixas de pizza a meia-noite."Você apareceu na TV, por quê?" Perguntou Rosalind, não escondendo a surpresa em sua voz."Era uma coletiva da imprensa sobre um caso que estou trabalhando, não é nada de mais." Respondeu Lenna, espetando o ravioli em seu prato.Ela havia contado a Travis, seu superior, sobre a invasão em sua casa e a suspeita de que alguém do departamento havia vazado informações. Não era impossível e nem novidade que algum
M*****a boca, pensou Lenna, deixando o restaurante com passos apressados. Dissera o primeiro nome que veio a mente, a do detetive particular que havia encontrado uma única vez, ela pensara em ligar para ele no dia seguinte, mas se conteve e pediu para que Bernard o fizesse e checasse com ele se o caso da sua garota desaparecida era o mesmo da última vítima do assassino em série. A nova informação foi a única coisa que permitiu a Lenna não sair totalmente envergonhada da coletiva de impressa, que a anunciou como a nova encarregada do caso. Ter câmeras viradas para si, meia duzia de microfones e reportes ávidos em fazer perguntas haviam esgotado sua energia nos primeiros vinte segundos. Ela procurou as chaves do carro na bolsa enquanto andava e acabou esbarrando em alguém no processo. Um homem alto com olhos que pareciam olhar a alma dela, cabelo loiro e curto, lábios finos e traços esculpidos. Ela teria dito: uau, se tivesse dezesseis anos ou se fosse a primeira vez que tivesse o vis
"Deveríamos agir agora." Disse a tenente Phelton operando o sistema de câmeras, ampliando a imagem de Lenna e Max conversando. "Ela tá distraidinha com o bonitão na mesa e o restaurante está quase vazio."Sendo uma especialista em tecnologia, tinha sido fácil, quase enfadonho, para ela invadir o sistema primitivo de segurança do restaurante. As imagens em tempo real eram transmitidas pelos cinco painéis espalhados no interior da van.Vincent Carter, o capitão designado pelo Doutor Glautes, pesquisador e cientista chefe da Força Especial contra Ações Sobrenaturais, estava parado em frente a um dos painéis observando a tela.Sua missão principal era capturar número dezenove, um espécime fugitivo do laboratório principal da FEAS.Com sua equipe reduzida para apenas três integrantes, eles haviam chegado perto duas vezes. Em uma Raphael, seu melhor atirador, acertara uma bala no ombro de número dezenove. Mas então, eles haviam esbarrado em um colateral, uma denominação interna para civil c
"O sangue não é meu, não preciso de atendimento." Disse Lenna, assim que ouviu os passos e depois viu os sapatos brancos do médico entrarem em seu campo de visão. Ela falara a mesma coisa para o socorrista da ambulância e para a enfermeira que a levou até a sala do pronto socorro.Ela tentou levantar para ir embora assim que chegou, mas decidiu ficar sentar na maca quando sentiu que o mundo ainda dava voltas ao seu redor. Havia sido encaminhada para o hospital mais próximo, o restaurante fechado para a apuração do ocorrido.Não houvera nenhum sinal de Max, Lenna insistiu que a equipe de socorristas buscasse por ele nas proximidades do restaurante. Ela vira o ferimento em seu peito e o sangue caindo dele.Vergonhosamente ficou alguns segundos em choque quando Max lançara-se sobre ela, demorando para perceber o que havia acontecido.Ela respirou fundo tentando manter a mente calma."Você sempre tem que parecer durona?" Falou uma voz conhecida, Lenna levantou o rosto e viu a última pesso
Raphael pensou por um momento que era um desperdício matar uma mulher tão bonita, mas eram os ossos do ofício e ele apertou o gatilho da sniper sem hesitações, quando a ordem do capitão Carter soou no comunicador em seu ouvido.Aguardou o trajeto da bala acertar o alvo, de onde estava posicionado demoraria menos de dez segundos.Ele contou, costumava fazer isso para ter a satisfação de provar que estava certo. Quando a bala rompeu o vidro do restaurante, sua contagem estava em sete, três miseros segundos para a bala acertar o alvo e Raphael viu através da mira amplificada a mesa ser virada e o seu alvo ser derrubado no chão, mas não pelo seu tiro.Ele xingou, perdera seu recorde ao errar a bala. A rapidez do movimento que o homem sentado em frente ao alvo fez lembrou a Raphael de quando atirou em número dezenove, o espécime fugitivo que deveriam capturar, ele precisou prever o movimento para acerta-lo. Era rápido como um leopardo."Capitão Carter, o alvo não foi atingido. Irei me repo
Lenna tirou a blusa ensanguentada e a jogou na lavadora, continuara tentando ligar para Max quando pegou um táxi de volta ao restaurante. Falara com os polícias, discutira com Travis que foi pessoalmente até o local, depois pegou seu carro e dirigiu, dispensando os policiais que tinha a escoltado até em casa.O relógio na cozinha marcava uma da manhã, ela estava cansada e confusa. Pegou o celular uma última vez e viu que estava descarregado. Ela o conectou no carregador em seu quarto e foi em direção ao banheiro, tomar uma ducha quente para clarear a cabeça."Será que estou fazendo a coisa certa?" Perguntou-se vendo seu reflexo abatido no espelho do banheiro. Ela recolocou o medalhão que sempre levava no pescoço e segurou a medalha de Santa Barbara entre os dedos.Era o último presente da sua mãe, que possuía uma igual, mas que não fora capaz de protegê-la da morte. Lenna não acreditava em santas ou anjos, mas acreditava no todo-poderoso impiedoso. E que se ele apenas podia aplicar a