O caso mais importante da cidade jogado para ela como se não fosse nada. Uma tremenda sorte para consolidar sua carreira, ou, se Lenna falhasse, para enterrá-la de vez. E ela não pensara duas vezes ao ficar com ele.
Abriu a porta de casa carregando a pilha de pastas que Walt havia largado em sua mesa. Relatórios da perícia, foto das vítimas, depoimento dos familiares e tudo mais que pudesse somar trezentas páginas. Desde que o sistema virtual fora invadido no começo do mês passado, o departamento voltou a utilizar o bom e velho papel e caneta, para os casos com prioridade máxima ou segredo de justiça.
Lenna tirou os sapatos e os deixou perto da porta, colocou as pastas em cima da mesa de centro e caminhou até o banheiro. Fora um dia exaustivo e tudo que ela desejava era um banho quente, um pijama confortável e alguns episódios da sua série favorita.
Depois do banho ela tirou uma embalagem de comida congelada da geladeira e a colocou no micro-ondas. Ligou a TV que imediatamente começou a reproduzir a última playlist que ela ouvira, na semana passada, um mix de jazz e blues.
Era o estilo musical preferido de sua mãe. A única lembrança que Lenna ainda conseguia se lembrar que não fosse a visão de vê-la imóvel em um caixão, era de uma viagem de carro onda a viu mudar de estação até encontrar uma que estivesse tocando jazz.
A comida como sempre estava horrível, mas era fácil de fazer e poupava tempo, duas coisas que para Lenna era como um luxo. Ela pegou a garrafa de vinho que nunca saia do balcão e limpou o paladar bebendo um copo, depois sentou-se no sofá e alcançou o controle que estava ao lado das pastas.
Mediou por um momento o que deveria fazer, bem quando a música chegou ao fim e a sensação de dever voltou a subir em sua cabeça. Iria ser uma longa noite, ela sabia, porque continuaria a dar tudo de si, para que evitar que mais inocentes morressem, como a sua mãe havia morrido.
Ela pegou a primeira pasta e começou a ler, continuando uma após a outra, ignorando seu sono e bem-estar.
Quando o relógio da sala marcou duas da manhã Lenna fechou a última pasta. Fotos estavam espalhadas pela mesa de centro e sofá, organizando os fatos de uma maneira lógica.
Haviam cinco vítimas no total, quatro registradas, a última e mais recente ainda precisava ser identificada.
Todas as mulheres entre vinte e trinta anos, pegas em locais isolados, mortas com golpes de um objeto cortante, os cadáveres retalhados a ponto de não ser possível a mera identificação visual. Com exceção da faixa etária, sem mais relações entre si que pudessem identificar o padrão que o assassino em série estava usando.
Um monstro em pele humana, pensou Lenna, segurando a foto do cadáver da última vítima.
***
Max inspirou o ar noturno, sentindo a essência da cidade preencher seu nariz. Andava a pé, deslocando-se em meio as pessoas comuns na madrugada, jovens bêbados, homens procurando sexo fácil, mulheres vulgares acenando para ele.
Prazeres mundanos que não despertavam mais sua luxúria a alguns séculos.
Uma mulher mais ousada saiu de um beco e entrou na sua frente, parando-o com uma mão estendida que teria tocado seu peito, se ele não tivesse se movido com maestria para fora do alcance dela.
"Que foi bonitão, é bom demais para ter um pouco de diversão comigo?" Perguntou a mulher, fazendo um biquinho, ela usava uma jaqueta cor rosa, saia de couro e botas vermelhas.
"Não estou interessado." Respondeu Max, ríspido.
"Meu nome é Candy e eu..."
"Não perguntei." Cortou Max, voltando a caminhar.
Candy correu para entrar novamente no campo de visão de Max, o salto de suas botas fazendo barulho.
"Olha, eu posso fazer coisas inesquecíveis, você não vai se arrepender." Falou, tentando soar sexy.
Max a encarou por um segundo, deixando seu olhar ameaçador cair sobre ela. Ele não costumava ser abordado com frequência, tinha uma postura intimidadora e o rosto fechado. Percebeu que a mulher estava engolindo em seco, enxugando as mãos na saia e trocando o peso de pé. Ele pode concentrar a sua audição e ouvir que o coração dela estava num ritmo fora do comum.
"Do que está com medo?" Perguntou.
A mulher arregalou os olhos, sendo pega pela percepção dele.
"Faço um desconto para você se formos rápidos." Sugeriu dando um sorriso nervoso. Com medo de perder a oportunidade, ela agarrou a mão dele e o levou de volta ao beco de onde tinha saído.
Assim que entraram, Candy soltou a mão de Max e mudou de postura, relaxando visivelmente, ela se escorou a uma parede com o desenho de uma pomba.
"Me desculpa cara, o meu cafetão é um pau no cu. Ele surta se ver que estamos paradas por muito tempo, principalmente agora que uma das garotas sumiu." Confessou tirando um cigarro da bolsa.
Max não falou nada, apenas ficou parado.
"Eu sei que isso não é da sua conta e se não tiver afim, não faço nada com você, não precisa me dar dinheiro nem nada." Continuou, acendendo o cigarro, ela parou antes de tocar nos lábios e ofereceu para ele.
"Me fale sobre a garota que sumiu." Pediu, cruzando os braços.
"Ah, caralho, eu sabia que você parecia certinho de mais, é da polícia?" Perguntou, jogando o cigarro no chão.
"Não sou."
"Então é parente?"
"Não."
"Namorado? Eu sei que é difícil, mas tem caras que curtem, alguns até deixam as mulheres trabalharem aqui para pegarem o dinheiro das coitadas."
Max bufou, lançando um olhar mortal sobre Candy. Ele não tinha vindo até Okland para bater papo com uma prostituta, mas para investigar o desaparecimento de outra.
"A garota, quando ela sumiu, quem estava com ela?" Perguntou incisivo.
"Eu não sei." Disse Candy.
"Sabe de alguém que possa responder minhas perguntas?" Questionou.
"Não, mas olha, eu posso descobrir, você me ajudou agora, então vou retribuir o favor. Lembre-se disso, caso a polícia venha fazer uma batida, senhor-não-policial-mas-que-haje-como-um."
Lenna não sabia ao certo quando teve a ideia de ir para Okland, o bairro de classe baixa onde a última vítima havia sido encontrada e nem o porquê escolhera fazer isso durante a madrugada.Três equipes da perícia tinham sido enviadas ao local no momento que o corpo foi descoberto, os resquícios de fitas amarelas e marcadores estavam espalhados pelo projeto do que viria a ser um parque, mas que por ora, era apenas um terreno com armações de concreto e uma placa do prefeito Jerome Hilmes sorrindo com algumas crianças.Haviam fotos da cena do crime na pasta que Lenna recebera, tiradas durante o sol do entardecer, um delas capturando não só o projeto da construção do parque como a linha de árvores de um dos vários bosques da cidade.Ela não teria notado na imagem o elemento que a fez sair de casa, se não tivesse visto o padrão antes, no mesmo dia que recebeu o caso do posto em Road Villagi. Cinco linhas encravadas no chão, agora, cinco linhas encravadas na árvore.Lenna apontou a lanterna
Lenna sorveu o ar com dificuldade, pensando no motivo por continuar parada ali como uma estátua, sem tomar nenhuma iniciativa, como se o homem caminhando em sua direção não fosse um perigo a sua integridade. Verdade fosse dita, talvez ele não fosse, Lenna praticava artes marciais desde os doze anos de idade, uma medida imposta pelo seu pai para tentar controlar o ímpeto temperamental dela. Ela podia dominar um homem de um metro e oitenta, podia apagá-lo com um soco cruzado no maxilar ou um golpe na garganta e nos países baixos para incapacita-lo. Mas Lenna não fez nada disso, continuou parada vendo o estranho se aproximar com passos lentos, os traços dele ficando cada vez mais evidentes, cada vez mais atraentes. Ele não era meramente bonito, ser bonito era uma definição insuficiente para descreve-lo, a palavra certa, Lenna pensou, era másculo. Se suas amigas do ensino médio o vissem, elas certamente diriam que ele parecia um deus grego. Um deus grego feroz, dotado de um fogo quase a
Não era o seu distintivo que Lenna desejava pegar no carro, mas sua arma. Acreditar em um detetive recém rechegado a cidade estava dependendo bem mais do que um nome desconhecido."Me fale sobre a garota que está procurando, Max." Pediu. "O departamento costuma colaborar no que puder, posso ajudá-lo com isso.""Eu agradeceria, mas sinto que não está sendo sincera comigo, Investigadora Milton."E nem você, pensou Lenna, abrindo a porta do carro. Ela havia estacionado do outro lado da rua.Pelo reflexo no vidro da janela, ela viu Max mover a mão até o casaco, virou-se pronta para acerta-lo, mas ele defendeu o golpe com rapidez, sua mão sendo bem mais delicada do que a de Lenna, se ela tivesse o acertado. Na outra mão dele estava uma carteira, ele a abriu usando os dedos para desabotoar o feixe, na primeira guia estava sua carteira de motorista, na segunda sua identificação como detetive."Sinto muito se a assustei, pensei que estava tensa, por isso peguei minha carteira." Disse ele com
"Vi você na TV." Disse Jean, o gêmeo e por cinco minutos, o irmão mais velho de Lenna. Ele ergueu sua taça de champanhe para que o garçom a enchesse.Todos os sábados, às vinte horas, na mesa oito do segundo andar no Pallatine, um conceituado restaurante de comida italiana, os Milton se reuniam para jantar. A tradição era mais velha do que Lenna conseguia se lembrar e vinha do fato de que nenhum deles, com exceção de Pamela, sabia cozinhar, a última tentativa envolvendo Lenna e Jean terminou com uma cozinha parcialmente incendiada e um pedido de cinco caixas de pizza a meia-noite."Você apareceu na TV, por quê?" Perguntou Rosalind, não escondendo a surpresa em sua voz."Era uma coletiva da imprensa sobre um caso que estou trabalhando, não é nada de mais." Respondeu Lenna, espetando o ravioli em seu prato.Ela havia contado a Travis, seu superior, sobre a invasão em sua casa e a suspeita de que alguém do departamento havia vazado informações. Não era impossível e nem novidade que algum
M*****a boca, pensou Lenna, deixando o restaurante com passos apressados. Dissera o primeiro nome que veio a mente, a do detetive particular que havia encontrado uma única vez, ela pensara em ligar para ele no dia seguinte, mas se conteve e pediu para que Bernard o fizesse e checasse com ele se o caso da sua garota desaparecida era o mesmo da última vítima do assassino em série. A nova informação foi a única coisa que permitiu a Lenna não sair totalmente envergonhada da coletiva de impressa, que a anunciou como a nova encarregada do caso. Ter câmeras viradas para si, meia duzia de microfones e reportes ávidos em fazer perguntas haviam esgotado sua energia nos primeiros vinte segundos. Ela procurou as chaves do carro na bolsa enquanto andava e acabou esbarrando em alguém no processo. Um homem alto com olhos que pareciam olhar a alma dela, cabelo loiro e curto, lábios finos e traços esculpidos. Ela teria dito: uau, se tivesse dezesseis anos ou se fosse a primeira vez que tivesse o vis
"Deveríamos agir agora." Disse a tenente Phelton operando o sistema de câmeras, ampliando a imagem de Lenna e Max conversando. "Ela tá distraidinha com o bonitão na mesa e o restaurante está quase vazio."Sendo uma especialista em tecnologia, tinha sido fácil, quase enfadonho, para ela invadir o sistema primitivo de segurança do restaurante. As imagens em tempo real eram transmitidas pelos cinco painéis espalhados no interior da van.Vincent Carter, o capitão designado pelo Doutor Glautes, pesquisador e cientista chefe da Força Especial contra Ações Sobrenaturais, estava parado em frente a um dos painéis observando a tela.Sua missão principal era capturar número dezenove, um espécime fugitivo do laboratório principal da FEAS.Com sua equipe reduzida para apenas três integrantes, eles haviam chegado perto duas vezes. Em uma Raphael, seu melhor atirador, acertara uma bala no ombro de número dezenove. Mas então, eles haviam esbarrado em um colateral, uma denominação interna para civil c
"O sangue não é meu, não preciso de atendimento." Disse Lenna, assim que ouviu os passos e depois viu os sapatos brancos do médico entrarem em seu campo de visão. Ela falara a mesma coisa para o socorrista da ambulância e para a enfermeira que a levou até a sala do pronto socorro.Ela tentou levantar para ir embora assim que chegou, mas decidiu ficar sentar na maca quando sentiu que o mundo ainda dava voltas ao seu redor. Havia sido encaminhada para o hospital mais próximo, o restaurante fechado para a apuração do ocorrido.Não houvera nenhum sinal de Max, Lenna insistiu que a equipe de socorristas buscasse por ele nas proximidades do restaurante. Ela vira o ferimento em seu peito e o sangue caindo dele.Vergonhosamente ficou alguns segundos em choque quando Max lançara-se sobre ela, demorando para perceber o que havia acontecido.Ela respirou fundo tentando manter a mente calma."Você sempre tem que parecer durona?" Falou uma voz conhecida, Lenna levantou o rosto e viu a última pesso
Raphael pensou por um momento que era um desperdício matar uma mulher tão bonita, mas eram os ossos do ofício e ele apertou o gatilho da sniper sem hesitações, quando a ordem do capitão Carter soou no comunicador em seu ouvido.Aguardou o trajeto da bala acertar o alvo, de onde estava posicionado demoraria menos de dez segundos.Ele contou, costumava fazer isso para ter a satisfação de provar que estava certo. Quando a bala rompeu o vidro do restaurante, sua contagem estava em sete, três miseros segundos para a bala acertar o alvo e Raphael viu através da mira amplificada a mesa ser virada e o seu alvo ser derrubado no chão, mas não pelo seu tiro.Ele xingou, perdera seu recorde ao errar a bala. A rapidez do movimento que o homem sentado em frente ao alvo fez lembrou a Raphael de quando atirou em número dezenove, o espécime fugitivo que deveriam capturar, ele precisou prever o movimento para acerta-lo. Era rápido como um leopardo."Capitão Carter, o alvo não foi atingido. Irei me repo