"Não foi fácil encontrar um lugar que atendesse aos seus requisitos, senhor Whitaker, ainda mais nessa parte da cidade." Disse a corretora de imóveis, cuja Max não sentira a necessidade de aprender o nome.
Os requisitos aos quais ela se referia, eram privacidade total, paredes grossas e a falta categórica de vizinhos. Condições indispensáveis para que Max escondesse sua natureza amaldiçoada com sucesso.
"Mas nós da Tompson e Galt temos o orgulho de dizer que nenhum cliente fica insatisfeito." Continuou, encaixando a chave na fechadura para abrir a porta do studio. "Vai notar que é um pouco rústico, mas tudo está funcionando corretamente. O encanamento foi refeito antes do proprietário disponibilizar o espaço para o aluguel."
Ela abriu a porta e permitiu que Max entrasse para vistoriar o apartamento. Ele passou os olhos rapidamente sobre o ambiente, um espaço amplo sem muitas divisórias, além do banheiro e do balcão da cozinha, cortinas grossas nas janelas e alguns móveis fixados ao chão, como a mesa da cozinha e a cama.
"Ira servir." Falou, sem muito interesse.
Max já tinha perdido as contas de quantos lugares morou em sua vida, foram em vilas, reinos, impérios, cidades e países, o mundo mudara a volta deles, tornados estranhos em todas as épocas, alguns como Niklai, Oliver e Sirius haviam se adaptado melhor, mas não ele.
Max nunca sentira vontade de construir algo para si, vivia pelo mar do tempo diante de uma imortalidade que não pedira e que não podia acabar. O lobo e a fera não o permitia.
"Ótimo, preciso que assine alguns documentos." Disse a corretora, caminhando até a mesa da cozinha.
***
Lenna coçou os olhos ao ver as palavras se duplicarem no relatório que estava redigindo. Tinha mandado o sangue coletado para a análise, examinado câmeras de segurança que não captaram nada mais que vulto saindo do banheiro e bebido tantas xicaras de café quanto podia. A descrição do frentista era insuficiente para um retrato falado e não haviam câmeras internas no posto para registrar o momento da compra. Os itens, entretanto, foram encontrados em uma das lixeiras.
Álcool, anzóis e fio dental, provavelmente usados para uma sutura improvisada, pensou Lenna. Ela encostou a cabeça no apoio da cadeira e fechou os olhos.
Acordou com Walt Hampsey, outro investigador do departamento policial, lançando pastas em sua mesa.
"Mandou bem, Milton. Quer pegar todos os casos da cidade? Então dê conta de pelo menos os seus." Disse ríspido, cruzando os braços.
Lenna se endireitou na cadeira.
"Do que está falando?" Perguntou.
"Travis trocou nossos casos. Eu não me importaria de trocar essa merda, mas sei que você só quer isso pelos créditos." Disse Walt, batendo o dedo indicador na pasta do topo. Lenna tentou olhar o título, mas Walt espalmou a mão em cima.
"Eu juro que não pedi por isso." Respondeu Lenna, se levantando para ir até a sala do capitão. – Vou falar com Travis.
"É bom mesmo, aproveita e assina a sua carta de demissão."
Lenna parou, sentindo a cabeça latejar, ela se voltou para Walt que tinha um sorriso debochado no rosto. Alguns dias atrás alguém tinha colocado um formulário de demissão na mesa de Lenna, ela tinha suspeitado Walt, mas escolhera não criar caso, jogando a carta no lixo e deixando o fato de lado.
"Você sabe que não vai dar conta de tudo isso." Disse ele, andando até ela, usando seu tamanho para tentar intimidá-la.
Walt já fora musculoso em seu ápice, assim como um investigador renomado, mas a crise em seu casamento e o eventual divórcio, assim como as saídas noturnas para beber no Borbeon, um bar frequentado em sua maioria por policiais, tinha deixado Walt barrigudo e amargurado.
"Do que está falando?" Questionou Lenna, não se deixando abalar.
"Eu analisei os seus casos, todos empacados em becos sem saída. Não foi feita para esse trabalho, Milton, então é melhor deixar ele, antes que acabe prejudicando as pessoas."
"Como você fez com a Senhora Espinoza?" Perguntou Lenna irritada.
Henrieta Espinoza era uma proprietária de uma pequena loja de roupas em um bairro de imigrantes, em uma noite ela veio a delegacia com o rosto machucado, carregando os dois filhos pequenos, acusou o marido de agredi-la. Walt tinha sido o responsável por pegar seu depoimento e abrir um inquérito contra o marido de Henrieta, no entanto, quando Walt viu que o marido dela possuía ligações com um famoso traficante, ele convenceu Henrieta a voltar para casa e obter provas contra o marido. Henrieta nunca voltou a delegacia, seu corpo foi encontrado dois meses depois em um terreno baldio. A acusação de homicídio foi o suficiente para um mandato e para as provas que Walt tanto queria.
Lenna sabia que tinha cruzado um terreno perigoso, mas ela nunca aceitara que o fato rendeu uma medalha de serviços prestados para a comunidade, quando Walt usou as provas que conseguiu do marido de Henrieta para chegar até o traficante e capturá-lo.
"Cuidado com o que fala, Milton, um dia alguém ainda vai dar jeito nessa sua língua venenosa." Disse Walt, caminhando para sua mesa do outro lado da sala.
Lenna foi até a sala de Travis, ela bateu duas vezes antes de entrar.
Travis Suarez, capitão do quinto departamento de polícia da cidade era uma estrela entre os figurões, tinha traçado um caminho de sucesso vindo da parte pobre da cidade, possuindo uma carreira policial perto da perfeição. Não foi nenhuma surpresa quando ele conseguiu a nomeação de capitão, dez anos atrás.
"Investigadora Milton, posso lhe ser útil em algo?" Falou, assim que Lenna fechou a porta.
Ele estava sentado em sua mesa, assinando papeis e carimbando-os em seguida. Quando Lenna se sentou na cadeira a sua frente, ele a olhou por um segundo.
Lenna sempre pensara que seu pai possuía os olhos mais exigentes que alguém poderia ter, quando ela conheceu Travis, mudou seu rankig.
"Trocou meus casos com os do Walt. Algum motivo especial para isso?" Perguntou.
"Walt está ficando velho, quero dar chance para os mais novos mostrarem seus serviços." Respondeu, deixando sua caneta e carimbo de lado.
Lenna afundou o corpo na cadeira.
"Porque me detesta, Capitão? Quer que todos do departamento fique contra mim?" Perguntou, estava exausta, cansada de agir como se estivesse caminhando em uma corda bamba desde que fora promovida pelo Superintendente.
"Sei que quer uma chance de provar seu valor, estou lhe dando essa oportunidade agora. Resolva o caso e tenho certeza de que ninguém duvidara mais de você."
Lenna ficou em silêncio, pensativa. Era de fato o que queria, mas não tinha confiança de que Travis fosse mesmo ajudá-la.
"Tudo bem, vou ver os casos imediatamente." Falou, levantando-se.
"Casos? Walt estava encarregado de apenas um." Disse Travis.
Lenna sentiu a testa franzir, Walt tinha despejado uma pilha de pastas em sua mesa. Talvez outra provocação, pensou, ele podia ter pegado todos os casos da delegacia e jogado para ela.
"Lembra-se de qual?" Perguntou.
"Claro, é o do Estripador."
O caso mais importante da cidade jogado para ela como se não fosse nada. Uma tremenda sorte para consolidar sua carreira, ou, se Lenna falhasse, para enterrá-la de vez. E ela não pensara duas vezes ao ficar com ele.Abriu a porta de casa carregando a pilha de pastas que Walt havia largado em sua mesa. Relatórios da perícia, foto das vítimas, depoimento dos familiares e tudo mais que pudesse somar trezentas páginas. Desde que o sistema virtual fora invadido no começo do mês passado, o departamento voltou a utilizar o bom e velho papel e caneta, para os casos com prioridade máxima ou segredo de justiça.Lenna tirou os sapatos e os deixou perto da porta, colocou as pastas em cima da mesa de centro e caminhou até o banheiro. Fora um dia exaustivo e tudo que ela desejava era um banho quente, um pijama confortável e alguns episódios da sua série favorita.Depois do banho ela tirou uma embalagem de comida congelada da geladeira e a colocou no micro-ondas. Ligou a TV que imediatamente começou
Lenna não sabia ao certo quando teve a ideia de ir para Okland, o bairro de classe baixa onde a última vítima havia sido encontrada e nem o porquê escolhera fazer isso durante a madrugada.Três equipes da perícia tinham sido enviadas ao local no momento que o corpo foi descoberto, os resquícios de fitas amarelas e marcadores estavam espalhados pelo projeto do que viria a ser um parque, mas que por ora, era apenas um terreno com armações de concreto e uma placa do prefeito Jerome Hilmes sorrindo com algumas crianças.Haviam fotos da cena do crime na pasta que Lenna recebera, tiradas durante o sol do entardecer, um delas capturando não só o projeto da construção do parque como a linha de árvores de um dos vários bosques da cidade.Ela não teria notado na imagem o elemento que a fez sair de casa, se não tivesse visto o padrão antes, no mesmo dia que recebeu o caso do posto em Road Villagi. Cinco linhas encravadas no chão, agora, cinco linhas encravadas na árvore.Lenna apontou a lanterna
Lenna sorveu o ar com dificuldade, pensando no motivo por continuar parada ali como uma estátua, sem tomar nenhuma iniciativa, como se o homem caminhando em sua direção não fosse um perigo a sua integridade. Verdade fosse dita, talvez ele não fosse, Lenna praticava artes marciais desde os doze anos de idade, uma medida imposta pelo seu pai para tentar controlar o ímpeto temperamental dela. Ela podia dominar um homem de um metro e oitenta, podia apagá-lo com um soco cruzado no maxilar ou um golpe na garganta e nos países baixos para incapacita-lo. Mas Lenna não fez nada disso, continuou parada vendo o estranho se aproximar com passos lentos, os traços dele ficando cada vez mais evidentes, cada vez mais atraentes. Ele não era meramente bonito, ser bonito era uma definição insuficiente para descreve-lo, a palavra certa, Lenna pensou, era másculo. Se suas amigas do ensino médio o vissem, elas certamente diriam que ele parecia um deus grego. Um deus grego feroz, dotado de um fogo quase a
Não era o seu distintivo que Lenna desejava pegar no carro, mas sua arma. Acreditar em um detetive recém rechegado a cidade estava dependendo bem mais do que um nome desconhecido."Me fale sobre a garota que está procurando, Max." Pediu. "O departamento costuma colaborar no que puder, posso ajudá-lo com isso.""Eu agradeceria, mas sinto que não está sendo sincera comigo, Investigadora Milton."E nem você, pensou Lenna, abrindo a porta do carro. Ela havia estacionado do outro lado da rua.Pelo reflexo no vidro da janela, ela viu Max mover a mão até o casaco, virou-se pronta para acerta-lo, mas ele defendeu o golpe com rapidez, sua mão sendo bem mais delicada do que a de Lenna, se ela tivesse o acertado. Na outra mão dele estava uma carteira, ele a abriu usando os dedos para desabotoar o feixe, na primeira guia estava sua carteira de motorista, na segunda sua identificação como detetive."Sinto muito se a assustei, pensei que estava tensa, por isso peguei minha carteira." Disse ele com
"Vi você na TV." Disse Jean, o gêmeo e por cinco minutos, o irmão mais velho de Lenna. Ele ergueu sua taça de champanhe para que o garçom a enchesse.Todos os sábados, às vinte horas, na mesa oito do segundo andar no Pallatine, um conceituado restaurante de comida italiana, os Milton se reuniam para jantar. A tradição era mais velha do que Lenna conseguia se lembrar e vinha do fato de que nenhum deles, com exceção de Pamela, sabia cozinhar, a última tentativa envolvendo Lenna e Jean terminou com uma cozinha parcialmente incendiada e um pedido de cinco caixas de pizza a meia-noite."Você apareceu na TV, por quê?" Perguntou Rosalind, não escondendo a surpresa em sua voz."Era uma coletiva da imprensa sobre um caso que estou trabalhando, não é nada de mais." Respondeu Lenna, espetando o ravioli em seu prato.Ela havia contado a Travis, seu superior, sobre a invasão em sua casa e a suspeita de que alguém do departamento havia vazado informações. Não era impossível e nem novidade que algum
M*****a boca, pensou Lenna, deixando o restaurante com passos apressados. Dissera o primeiro nome que veio a mente, a do detetive particular que havia encontrado uma única vez, ela pensara em ligar para ele no dia seguinte, mas se conteve e pediu para que Bernard o fizesse e checasse com ele se o caso da sua garota desaparecida era o mesmo da última vítima do assassino em série. A nova informação foi a única coisa que permitiu a Lenna não sair totalmente envergonhada da coletiva de impressa, que a anunciou como a nova encarregada do caso. Ter câmeras viradas para si, meia duzia de microfones e reportes ávidos em fazer perguntas haviam esgotado sua energia nos primeiros vinte segundos. Ela procurou as chaves do carro na bolsa enquanto andava e acabou esbarrando em alguém no processo. Um homem alto com olhos que pareciam olhar a alma dela, cabelo loiro e curto, lábios finos e traços esculpidos. Ela teria dito: uau, se tivesse dezesseis anos ou se fosse a primeira vez que tivesse o vis
"Deveríamos agir agora." Disse a tenente Phelton operando o sistema de câmeras, ampliando a imagem de Lenna e Max conversando. "Ela tá distraidinha com o bonitão na mesa e o restaurante está quase vazio."Sendo uma especialista em tecnologia, tinha sido fácil, quase enfadonho, para ela invadir o sistema primitivo de segurança do restaurante. As imagens em tempo real eram transmitidas pelos cinco painéis espalhados no interior da van.Vincent Carter, o capitão designado pelo Doutor Glautes, pesquisador e cientista chefe da Força Especial contra Ações Sobrenaturais, estava parado em frente a um dos painéis observando a tela.Sua missão principal era capturar número dezenove, um espécime fugitivo do laboratório principal da FEAS.Com sua equipe reduzida para apenas três integrantes, eles haviam chegado perto duas vezes. Em uma Raphael, seu melhor atirador, acertara uma bala no ombro de número dezenove. Mas então, eles haviam esbarrado em um colateral, uma denominação interna para civil c
"O sangue não é meu, não preciso de atendimento." Disse Lenna, assim que ouviu os passos e depois viu os sapatos brancos do médico entrarem em seu campo de visão. Ela falara a mesma coisa para o socorrista da ambulância e para a enfermeira que a levou até a sala do pronto socorro.Ela tentou levantar para ir embora assim que chegou, mas decidiu ficar sentar na maca quando sentiu que o mundo ainda dava voltas ao seu redor. Havia sido encaminhada para o hospital mais próximo, o restaurante fechado para a apuração do ocorrido.Não houvera nenhum sinal de Max, Lenna insistiu que a equipe de socorristas buscasse por ele nas proximidades do restaurante. Ela vira o ferimento em seu peito e o sangue caindo dele.Vergonhosamente ficou alguns segundos em choque quando Max lançara-se sobre ela, demorando para perceber o que havia acontecido.Ela respirou fundo tentando manter a mente calma."Você sempre tem que parecer durona?" Falou uma voz conhecida, Lenna levantou o rosto e viu a última pesso