3. Três

"Não foi fácil encontrar um lugar que atendesse aos seus requisitos, senhor Whitaker, ainda mais nessa parte da cidade." Disse a corretora de imóveis, cuja Max não sentira a necessidade de aprender o nome.

Os requisitos aos quais ela se referia, eram privacidade total, paredes grossas e a falta categórica de vizinhos. Condições indispensáveis para que Max escondesse sua natureza amaldiçoada com sucesso.

"Mas nós da Tompson e Galt temos o orgulho de dizer que nenhum cliente fica insatisfeito." Continuou, encaixando a chave na fechadura para abrir a porta do studio. "Vai notar que é um pouco rústico, mas tudo está funcionando corretamente. O encanamento foi refeito antes do proprietário disponibilizar o espaço para o aluguel."

Ela abriu a porta e permitiu que Max entrasse para vistoriar o apartamento. Ele passou os olhos rapidamente sobre o ambiente, um espaço amplo sem muitas divisórias, além do banheiro e do balcão da cozinha, cortinas grossas nas janelas e alguns móveis fixados ao chão, como a mesa da cozinha e a cama.

"Ira servir." Falou, sem muito interesse.

Max já tinha perdido as contas de quantos lugares morou em sua vida, foram em vilas, reinos, impérios, cidades e países, o mundo mudara a volta deles, tornados estranhos em todas as épocas, alguns como Niklai, Oliver e Sirius haviam se adaptado melhor, mas não ele.

Max nunca sentira vontade de construir algo para si, vivia pelo mar do tempo diante de uma imortalidade que não pedira e que não podia acabar. O lobo e a fera não o permitia.

"Ótimo, preciso que assine alguns documentos." Disse a corretora, caminhando até a mesa da cozinha.

***

Lenna coçou os olhos ao ver as palavras se duplicarem no relatório que estava redigindo. Tinha mandado o sangue coletado para a análise, examinado câmeras de segurança que não captaram nada mais que vulto saindo do banheiro e bebido tantas xicaras de café quanto podia. A descrição do frentista era insuficiente para um retrato falado e não haviam câmeras internas no posto para registrar o momento da compra. Os itens, entretanto, foram encontrados em uma das lixeiras.

Álcool, anzóis e fio dental, provavelmente usados para uma sutura improvisada, pensou Lenna. Ela encostou a cabeça no apoio da cadeira e fechou os olhos.

Acordou com Walt Hampsey, outro investigador do departamento policial, lançando pastas em sua mesa.

"Mandou bem, Milton. Quer pegar todos os casos da cidade? Então dê conta de pelo menos os seus." Disse ríspido, cruzando os braços.

Lenna se endireitou na cadeira.

"Do que está falando?" Perguntou.

"Travis trocou nossos casos. Eu não me importaria de trocar essa merda, mas sei que você só quer isso pelos créditos." Disse Walt, batendo o dedo indicador na pasta do topo. Lenna tentou olhar o título, mas Walt espalmou a mão em cima.

"Eu juro que não pedi por isso." Respondeu Lenna, se levantando para ir até a sala do capitão. – Vou falar com Travis.

"É bom mesmo, aproveita e assina a sua carta de demissão."

Lenna parou, sentindo a cabeça latejar, ela se voltou para Walt que tinha um sorriso debochado no rosto. Alguns dias atrás alguém tinha colocado um formulário de demissão na mesa de Lenna, ela tinha suspeitado Walt, mas escolhera não criar caso, jogando a carta no lixo e deixando o fato de lado.

"Você sabe que não vai dar conta de tudo isso." Disse ele, andando até ela, usando seu tamanho para tentar intimidá-la.

Walt já fora musculoso em seu ápice, assim como um investigador renomado, mas a crise em seu casamento e o eventual divórcio, assim como as saídas noturnas para beber no Borbeon, um bar frequentado em sua maioria por policiais, tinha deixado Walt barrigudo e amargurado.

"Do que está falando?" Questionou Lenna, não se deixando abalar.

"Eu analisei os seus casos, todos empacados em becos sem saída. Não foi feita para esse trabalho, Milton, então é melhor deixar ele, antes que acabe prejudicando as pessoas."

"Como você fez com a Senhora Espinoza?" Perguntou Lenna irritada.

Henrieta Espinoza era uma proprietária de uma pequena loja de roupas em um bairro de imigrantes, em uma noite ela veio a delegacia com o rosto machucado, carregando os dois filhos pequenos, acusou o marido de agredi-la. Walt tinha sido o responsável por pegar seu depoimento e abrir um inquérito contra o marido de Henrieta, no entanto, quando Walt viu que o marido dela possuía ligações com um famoso traficante, ele convenceu Henrieta a voltar para casa e obter provas contra o marido. Henrieta nunca voltou a delegacia, seu corpo foi encontrado dois meses depois em um terreno baldio. A acusação de homicídio foi o suficiente para um mandato e para as provas que Walt tanto queria.

Lenna sabia que tinha cruzado um terreno perigoso, mas ela nunca aceitara que o fato rendeu uma medalha de serviços prestados para a comunidade, quando Walt usou as provas que conseguiu do marido de Henrieta para chegar até o traficante e capturá-lo.

"Cuidado com o que fala, Milton, um dia alguém ainda vai dar jeito nessa sua língua venenosa." Disse Walt, caminhando para sua mesa do outro lado da sala.

Lenna foi até a sala de Travis, ela bateu duas vezes antes de entrar.

Travis Suarez, capitão do quinto departamento de polícia da cidade era uma estrela entre os figurões, tinha traçado um caminho de sucesso vindo da parte pobre da cidade, possuindo uma carreira policial perto da perfeição. Não foi nenhuma surpresa quando ele conseguiu a nomeação de capitão, dez anos atrás.

"Investigadora Milton, posso lhe ser útil em algo?" Falou, assim que Lenna fechou a porta.

Ele estava sentado em sua mesa, assinando papeis e carimbando-os em seguida. Quando Lenna se sentou na cadeira a sua frente, ele a olhou por um segundo.

Lenna sempre pensara que seu pai possuía os olhos mais exigentes que alguém poderia ter, quando ela conheceu Travis, mudou seu rankig.

"Trocou meus casos com os do Walt. Algum motivo especial para isso?" Perguntou.

"Walt está ficando velho, quero dar chance para os mais novos mostrarem seus serviços." Respondeu, deixando sua caneta e carimbo de lado.

Lenna afundou o corpo na cadeira.

"Porque me detesta, Capitão? Quer que todos do departamento fique contra mim?" Perguntou, estava exausta, cansada de agir como se estivesse caminhando em uma corda bamba desde que fora promovida pelo Superintendente.

"Sei que quer uma chance de provar seu valor, estou lhe dando essa oportunidade agora. Resolva o caso e tenho certeza de que ninguém duvidara mais de você."

Lenna ficou em silêncio, pensativa. Era de fato o que queria, mas não tinha confiança de que Travis fosse mesmo ajudá-la.

"Tudo bem, vou ver os casos imediatamente." Falou, levantando-se.

"Casos? Walt estava encarregado de apenas um." Disse Travis.

Lenna sentiu a testa franzir, Walt tinha despejado uma pilha de pastas em sua mesa. Talvez outra provocação, pensou, ele podia ter pegado todos os casos da delegacia e jogado para ela.

"Lembra-se de qual?" Perguntou.

"Claro, é o do Estripador."

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