“Você poderia ao menos fingir estar feliz por mim?”
As palavras duras que romperam os mexericos das mulheres reunidas no interior da Adefild, uma loja de vestidos de luxo para casamentos, vinham de Rosalind Milton, a noiva pela qual toda a loja fora reservada. Rosalind era alta, magra e tingia os cabelos castanhos de loiro a cada três meses, tinha um sorriso perfeito e olhos verdes tais como o da irmã mais velha, Lenna Milton, para quem ela impiedosamente dirigiu a frase.
Lenna que estava sentada em um dos cantos do sofá perolado com a cabeça apoiada em uma das mãos, não conseguiu evitar de bocejar diante da irmã que a fuzilava com o olhar. Não era tão alta ou magra quanto Rosalind, mas tinha o porte atlético e cabelos pretos com cílios igualmente escuros que ornamentavam seus olhos, no momento, cercados por olheiras profundas.
“Me desculpe, eu não dormi bem essa noite. Estou cansada, Rosalind, e esse é o sétimo vestido que você experimenta” Respondeu Lenna de forma direta.
Desde que fora promovida a investigadora no departamento de polícia que atuava, Lenna estava trabalhando duro em seus casos, tudo para garantir que a sua promoção não fora algum privilégio dado pela influência do seu pai, como a maioria dos seus colegas diziam por suas costas ou comentavam quando pensavam que ela não estava ouvindo.
“Não a obriguei a vir.” Disse Rosalind, unindo as sobrancelhas finas.
“Mas está brigando comigo porque não estou aplaudindo e bajulando você a cada vestido que coloca. Se eu não tivesse vindo, você faria um escândalo similar quando nos víssemos novamente.”
“Já chega, mocinhas.” Interveio Pamela, mãe de Rosalind e madrasta de Lenna.
Tomar a atitude de mediadora era uma tarefa recorrente para Pamela nos conflitos familiares da família Milton, que em sua maioria estavam envolvidos com Lenna.
Apesar de Rosalind ser sua única filha biológica, Pamela demonstrava o mesmo afeto por Lenna e Jean, os filhos do primeiro casamento do seu marido. Jean era mais fácil de lidar, tinha seguido os passos do pai no ramo empresarial, era educado e reservado com suas opiniões, ao contrário de sua gêmea. Lenna tornou-se rebelde na adolescência e então contra todas as expectativas se devotou a uma carreira policial.
“Se é tão doloroso para você ter um pouco de simpatia, pode esquecer o convite para o meu casamento.” Disse Rosalind, segurando os saiotes do vestido para descer da plataforma circular. “Não é como se alguém fosse sentir sua falta de qualquer forma.”
“Rosalind!” Gritou Pamela, chamando a atenção da filha.
Mas já era tarde para Lenna que se levantou e caminhou até Rosalind, encarando a irmã com desaprovação.
“Pode ficar irritada comigo o quanto quiser, mas isso não muda que falei apenas a verdade nua e crua para você.” As palavras de Lenna foram sussurradas para Rosalind, de forma que só as irmãs ouviram.
Não era segredo para ninguém que Lenna nunca apoiou o relacionamento entre Rosalind e seu noivo, Joshua. O segredo estava no motivo, motivo que Lenna revelou a Rosalind no dia que soube que Joshua havia pedido sua irmã em casamento.
Joshua Watanake, um conceituado médico cirurgião era suspeito em um caso de tráfico de órgãos e não apenas isso, sua família tinha ligações estreitas com a máfia japonesa da cidade. Um terreno perigoso para a doce, supérflua e estúpida irmã mais nova de Lenna.
Era por isso que ela não poderia ficar ou sequer fingir estar feliz com o casamento.
Rosanlid engoliu em seco e não respondeu nada. Lenna podia ser desrespeitosa com a família, mas não era mentirosa. Rosanlind sabia disso, mas também acreditava nas palavras de Joshua, de que sua irmã era paranoica e exagerada, que ele não tinha nada haver com algum caso de trafico de orgãos ou com a máfia japonesa. Joshua rira e questionou se Lenna não estava apenas com ciúme deles. Das duas versões, Rosalind escolheu a mais agradável, a de Joshua.
“Esse vestido ficou bem em você, mas eu prefiro o que você colocou antes desse, seus olhos se iluminaram quando você entrou com ele.” Disse Lenna, colocando as mãos nos bolsos do blazer. Por mais que Rosanlind fosse teimosa e mimada, Lenna a amava.
Seu celular vibrou e ela se afastou da irmã e dos olhares curiosos das amigas de Pamela para atendê-lo. A ligação era de Travis Suarez, o superior de Lenna e o seu principal acusador de nepotismo.
“Investigadora Milton, espero que eu não esteja interrompendo sua folga no meio da semana.” Disse Travis, assim que Lenna atendeu.
Lenna havia trabalhado durante o final de semana e feito turnos ao longo das madrugadas para conseguir a folga e acompanhar a prova de vestidos de Rosalind, mas ela não disse isso a Travis, porque ele sabia.
“De nenhuma forma, senhor. Alguma atualização sobre os meus casos?” Perguntou, na esperança de que fossem boas notícias.
“Não, na verdade, tenho outro caso para você. Está com disposição para aceitá-lo ou devo repassar para alguém com mais aptidão?” Perguntou, uma pequena provocação no fim frase.
“Estou a caminho.” Respondeu, pegando as chaves do carro no bolso para ir a delegacia.
“Nada disso, vá para Road Villagi, 62, uma patrulha já foi enviada para o local.”
Antes que Lenna pudesse pedir mais detalhes, Travis desligou.
Ela suspirou pesadamente e contraiu os lábios, depois virou-se para o pequeno público. As amigas e madrinhas de casamento de Rosalind, a mãe e as irmãs de Pamela, as funcionárias da Adefild. Treze mulheres era mais do que o suficiente para decidir um vestido de casamento.
“Preciso ir, agora, estão me chamando no trabalho.” Falou, sem nenhuma culpa, andando até a porta de saída.
“Lenna! Você vai para o casamento, não é?” Gritou Rosalind.
“Lembre-se que você precisa encontrar um acompanhante.” Disse Pamela.
“E ele precisa ser bonito.” Adicionou Rosalind.
“Posso emprestar um dos meus irmãos, se ela não encontrar nenhum.” Falou Ingrid, uma das amigas de Rosalind.
Lenna já estava do lado de fora da loja, caminhando até o carro estacionado no outro lado da rua.
Para ela, resolver um novo caso era mais fácil do que encontrar alguém que desejasse levar para o casamento da irmã.
Já era o fim da tarde quando Lenna chegou em Road Villagi, 62, estacionando seu carro atrás das faixas amarelas de proteção da polícia. Um carro da patrulha e um caminhão do corpo de bombeiros estavam parados em frente ao posto de gasolina interditado. Sem sinais de uma ambulância ou da perícia, sem indicativos de que haviam vítimas ou, na pior hipóteses, indicando que Travis havia segurado o chamado para dificultar ás coisas para Lenna.Bernard Kingley, policial veterano e amigo de Lenna, estava conversando com um dos bombeiros, ele viu Lenna sair do carro e acenou para ela.“Qual a situação, Bernard?” Perguntou Lenna, passando por baixo da faixa para ir em direção dos dois homens.“Investigadora Milton, esse é o Tenente Cortez. O corpo de bombeiros foi o primeiro a chegar.” Respondeu.Lenna trocou um aperto de mãos rápido com o Tenente Cortez, que tinha estatura mediana, cabelos e olhos escuros.“Recebemos um telefonema do frentista preocupado que um animal selvagem estivesse preso
"Não foi fácil encontrar um lugar que atendesse aos seus requisitos, senhor Whitaker, ainda mais nessa parte da cidade." Disse a corretora de imóveis, cuja Max não sentira a necessidade de aprender o nome. Os requisitos aos quais ela se referia, eram privacidade total, paredes grossas e a falta categórica de vizinhos. Condições indispensáveis para que Max escondesse sua natureza amaldiçoada com sucesso. "Mas nós da Tompson e Galt temos o orgulho de dizer que nenhum cliente fica insatisfeito." Continuou, encaixando a chave na fechadura para abrir a porta do studio. "Vai notar que é um pouco rústico, mas tudo está funcionando corretamente. O encanamento foi refeito antes do proprietário disponibilizar o espaço para o aluguel." Ela abriu a porta e permitiu que Max entrasse para vistoriar o apartamento. Ele passou os olhos rapidamente sobre o ambiente, um espaço amplo sem muitas divisórias, além do banheiro e do balcão da cozinha, cortinas grossas nas janelas e alguns móveis fixados ao
O caso mais importante da cidade jogado para ela como se não fosse nada. Uma tremenda sorte para consolidar sua carreira, ou, se Lenna falhasse, para enterrá-la de vez. E ela não pensara duas vezes ao ficar com ele.Abriu a porta de casa carregando a pilha de pastas que Walt havia largado em sua mesa. Relatórios da perícia, foto das vítimas, depoimento dos familiares e tudo mais que pudesse somar trezentas páginas. Desde que o sistema virtual fora invadido no começo do mês passado, o departamento voltou a utilizar o bom e velho papel e caneta, para os casos com prioridade máxima ou segredo de justiça.Lenna tirou os sapatos e os deixou perto da porta, colocou as pastas em cima da mesa de centro e caminhou até o banheiro. Fora um dia exaustivo e tudo que ela desejava era um banho quente, um pijama confortável e alguns episódios da sua série favorita.Depois do banho ela tirou uma embalagem de comida congelada da geladeira e a colocou no micro-ondas. Ligou a TV que imediatamente começou
Lenna não sabia ao certo quando teve a ideia de ir para Okland, o bairro de classe baixa onde a última vítima havia sido encontrada e nem o porquê escolhera fazer isso durante a madrugada.Três equipes da perícia tinham sido enviadas ao local no momento que o corpo foi descoberto, os resquícios de fitas amarelas e marcadores estavam espalhados pelo projeto do que viria a ser um parque, mas que por ora, era apenas um terreno com armações de concreto e uma placa do prefeito Jerome Hilmes sorrindo com algumas crianças.Haviam fotos da cena do crime na pasta que Lenna recebera, tiradas durante o sol do entardecer, um delas capturando não só o projeto da construção do parque como a linha de árvores de um dos vários bosques da cidade.Ela não teria notado na imagem o elemento que a fez sair de casa, se não tivesse visto o padrão antes, no mesmo dia que recebeu o caso do posto em Road Villagi. Cinco linhas encravadas no chão, agora, cinco linhas encravadas na árvore.Lenna apontou a lanterna
Lenna sorveu o ar com dificuldade, pensando no motivo por continuar parada ali como uma estátua, sem tomar nenhuma iniciativa, como se o homem caminhando em sua direção não fosse um perigo a sua integridade. Verdade fosse dita, talvez ele não fosse, Lenna praticava artes marciais desde os doze anos de idade, uma medida imposta pelo seu pai para tentar controlar o ímpeto temperamental dela. Ela podia dominar um homem de um metro e oitenta, podia apagá-lo com um soco cruzado no maxilar ou um golpe na garganta e nos países baixos para incapacita-lo. Mas Lenna não fez nada disso, continuou parada vendo o estranho se aproximar com passos lentos, os traços dele ficando cada vez mais evidentes, cada vez mais atraentes. Ele não era meramente bonito, ser bonito era uma definição insuficiente para descreve-lo, a palavra certa, Lenna pensou, era másculo. Se suas amigas do ensino médio o vissem, elas certamente diriam que ele parecia um deus grego. Um deus grego feroz, dotado de um fogo quase a
Não era o seu distintivo que Lenna desejava pegar no carro, mas sua arma. Acreditar em um detetive recém rechegado a cidade estava dependendo bem mais do que um nome desconhecido."Me fale sobre a garota que está procurando, Max." Pediu. "O departamento costuma colaborar no que puder, posso ajudá-lo com isso.""Eu agradeceria, mas sinto que não está sendo sincera comigo, Investigadora Milton."E nem você, pensou Lenna, abrindo a porta do carro. Ela havia estacionado do outro lado da rua.Pelo reflexo no vidro da janela, ela viu Max mover a mão até o casaco, virou-se pronta para acerta-lo, mas ele defendeu o golpe com rapidez, sua mão sendo bem mais delicada do que a de Lenna, se ela tivesse o acertado. Na outra mão dele estava uma carteira, ele a abriu usando os dedos para desabotoar o feixe, na primeira guia estava sua carteira de motorista, na segunda sua identificação como detetive."Sinto muito se a assustei, pensei que estava tensa, por isso peguei minha carteira." Disse ele com
"Vi você na TV." Disse Jean, o gêmeo e por cinco minutos, o irmão mais velho de Lenna. Ele ergueu sua taça de champanhe para que o garçom a enchesse.Todos os sábados, às vinte horas, na mesa oito do segundo andar no Pallatine, um conceituado restaurante de comida italiana, os Milton se reuniam para jantar. A tradição era mais velha do que Lenna conseguia se lembrar e vinha do fato de que nenhum deles, com exceção de Pamela, sabia cozinhar, a última tentativa envolvendo Lenna e Jean terminou com uma cozinha parcialmente incendiada e um pedido de cinco caixas de pizza a meia-noite."Você apareceu na TV, por quê?" Perguntou Rosalind, não escondendo a surpresa em sua voz."Era uma coletiva da imprensa sobre um caso que estou trabalhando, não é nada de mais." Respondeu Lenna, espetando o ravioli em seu prato.Ela havia contado a Travis, seu superior, sobre a invasão em sua casa e a suspeita de que alguém do departamento havia vazado informações. Não era impossível e nem novidade que algum
M*****a boca, pensou Lenna, deixando o restaurante com passos apressados. Dissera o primeiro nome que veio a mente, a do detetive particular que havia encontrado uma única vez, ela pensara em ligar para ele no dia seguinte, mas se conteve e pediu para que Bernard o fizesse e checasse com ele se o caso da sua garota desaparecida era o mesmo da última vítima do assassino em série. A nova informação foi a única coisa que permitiu a Lenna não sair totalmente envergonhada da coletiva de impressa, que a anunciou como a nova encarregada do caso. Ter câmeras viradas para si, meia duzia de microfones e reportes ávidos em fazer perguntas haviam esgotado sua energia nos primeiros vinte segundos. Ela procurou as chaves do carro na bolsa enquanto andava e acabou esbarrando em alguém no processo. Um homem alto com olhos que pareciam olhar a alma dela, cabelo loiro e curto, lábios finos e traços esculpidos. Ela teria dito: uau, se tivesse dezesseis anos ou se fosse a primeira vez que tivesse o vis