Fabiana
— EU SEI QUE ESSE FILHO NÃO É MEU.
Instintivamente dou um passo para trás. A forma como Marcos altera o tom me assusta.
Não consigo responder.
Ele mudou muito em todo esse tempo que esteve fora do país. Não é mais o rapaz que foi embora com o coração partido por minha causa, pelas mentiras que minha família me obrigou a dizer, pelo mal que fui obrigada a fazer.
Agora Marcos é um homem de expressão dura e corpo musculoso, que usa roupas caras e assusta com seu poder. E mesmo que todo meu corpo saiba que ele jamais me tocaria dessa forma, o medo ainda estava presente. Todos esses anos aguentando calada ofensas e violência deixaram sua marca. Mas eu faria tudo de novo pelo meu filho, para garantir sua segurança e bem estar.
— Sabe, Fabiana... — engulo seco pelo tom de desprezo com o qual pronuncia meu nome. — Eu não voltei a essa cidade por você cinco anos atrás. Eu vim porque precisava resolver algumas questões de documentos.
— Mas a gente... — ele não me deixa terminar de falar, interrompe com uma risada quando eu tento dizer que naquela época dormimos juntos e depois ele sumiu outra vez, me deixando mais perdida que antes, que foi naquela noite que nosso filho surgiu.
— Queria dizer que a gente transou? Por favor, você me conhece um pouco, sabe que não resisto a uma boceta.
Dói tanto ouvir isso. Parece que mais um pedaço do meu coração se partiu. Quando soube da gravidez, com todo esforço possível, encontrei o padrinho dele e consegui o endereço onde estavam. Mandei cartas e mais cartas até receber uma resposta da irmã dele, dizendo para eu parar de insistir, que ele não queria saber de filho e nem das minhas explicações. Não queria saber de mim, nenhum dos Castro queria.
— Você sabe que Will é seu filho. Mas eu não estou aqui para exigir nada. Não preciso que faça parte das nossas vidas.
— Vamos fingir que acredito. Está aqui por que?
— A casa da minha família... você...
— Comprei ela. E daí? Não gosta de dividir uma casinha de sapê com seus parentes? Quer comprar de volta?
Respiro fundo. É só mais uma humilhação. Eu já devia ter me acostumado com isso. Só estou aqui pelo meu filho, por não suportar mais que minha família trate mal meu pequeno.
Respiro fundo mais uma vez, enquanto ele me encara com impaciência explicita.
— Você pode me contratar? — peço. — Eu faço serviços de casa, trato de animais ou plantação. Qualquer coisa. Só preciso de um salário justo e alojamento para meu filho e eu.
Marcos ri. O que me deixa mais nervosa.
— Você me trouxe até esse lugar para me pedir um emprego?
Desvio o olhar para nossa árvore, onde vivemos momentos tão especiais e onde tudo terminou.
Eu trouxe ele aqui para conversar sobre nosso filho, mas está claro que ele não quer saber, sequer se importa.
— Pode me dar o emprego? — pergunto, ignorando seu questionamento, assim como a todas as emoções que me atingem.
Ele me encara por algum tempo, a luz do entardecer deixando seu rosto mais belo e duro.
— Você começa amanhã — diz e se vira.
— O que vou fazer?
— Ainda não decidi. Te aviso. E não quero ouvir múrmuros sobre filho meu. — Ele j**a um papel no chão. — Mandei fazer o teste com o cabelo do garoto e deu negativo. Procure outro pai. Se mencionar que é meu outra vez, serei obrigado a divulgar esse resultado.
Sem dizer mais nada ele monta no cavalo e dispara galopando para longe do lugar onde tivemos nossa primeira vez.
Demoro um pouco para assimilar o que aconteceu. Assim que desperto do transe, corro atrás do papel que o vento frio levou para longe. Meus braços estão arrepiados pelo frio, mas nem ligo. Meu corpo todo está gelado depois dessa conversa.
Quando leio o papel... Isso não pode estar acontecendo.
Como pode estar escrito que Willian não é filho dele quando Marcos foi o único homem na minha vida?
Eu entendo que ele não acredite, afinal fiquei casada com aquele velho por anos, e ele não tinha como saber que nunca me deitei com ele. Agora, o exame dar esse resultado... eu não entendo.
O que está acontecendo?
Marcos
Durante dez anos uma mulher assombrou meus sonhos e pesadelos. Fabiana Garcia de Medeiros. Essa mulher tirou tudo de mim, minha família, meus amigos, meu lar, minha sanidade.
Agora estou de volta, totalmente diferente do rapaz cheio de sonhos que fui. Alcancei um ponto da vida em que dinheiro e poder jorram em minha volta, sendo que eu me tornei a fonte. Contrário a mim, a família dela, assim como ela, perdeu tudo. Sua casa foi posta à venda por um preço muito abaixo do mercado, para cobrir dividas do pai e do marido dela. Eu comprei, não para ajudar, não para morar, apenas para devolver um pouco da humilhação que me causaram.
Nem pretendia voltar para essa cidade, mas meus pais insistiram e minha irmã me fez ver que tirar a fazenda deles e ocupar o lugar era a melhor vingança. Mesmo podendo comprar uma muito maior, preferi a vingança. Quando me cansar, vendo essa porcaria de lugar e recomeço.
Quando recebi o recado que ela queria me encontrar na árvore onde liamos e namorávamos, imaginei que quisesse tentar me reconquistar. Ai ela menciona o menino Will. O garotinho esperto de quatro aninhos que já conquistou minha família.
Sim, meu coração foi despedaçado por essa mulher, mas eu quis muito que o menino fosse meu, que tivesse sido resultado do meu deslize quando passei quase escondido por essa cidade. Quis tanto que fui atrás de um exame de DNA. Foi decepcionante ter certeza que o pequeno não é meu.
Agora ela vem me dizer que sou pai do Will. Grande mentirosa interesseira.
Comigo ela só vai ter desprezo.
Vir com história que quer um emprego. Darei um emprego para ela. Um que vai fazer com que se arrependa amargamente de ter se colocado em meu caminho mais uma vez. Um emprego que envolva minha cama e devolver toda humilhação que minha família enfrentou graças a família Garcia de Medeiros.
Deixei ela sozinha, com a copia do teste que cala suas mentiras, e fui para o bar mais badalado dos arredores, onde muitas mulheres querem um pedaço do bilionário Marcos Castro. Preciso afogar meu ódio por Fabiana em uma foda. Pelo menos por hoje.
Espere, Ana, o que é seu está reservado.
Fabiana MedeirosAnos antes...Fabiana Garcia de Medeiros.Dezessete anos.Morena. Corpo na média de peso, segundo a nutricionista pelo menos. Não tenho muitas curvas e meus seios são quase inexistentes.Atleta, jogo futebol.Melhor aluna da escola Normal em Guarulhos que é um município da Região Metropolitana de São Paulo.Paulista de nascimento e orgulho dos Garcia de Medeiros...Até agora.Essa sou eu.E agora estou diante do possesso Isaque Garcia de Medeiros, vulgo meu pai. Seus cabelos precocemente grisalhos tem mais a ver com excesso de trabalho que por sua filha recentemente denominada de problemática. Até poucas horas atrás eu era a filha invisível, na qual eles esbarravam em alguns eventos familiares. Aquela que não via os pais em reuniões escolares, por mais que fosse a primeira da turma.Ao seu lado, calada — por medo de sobrar para ela — Dona Eliana Garcia de Medeiros, vulgo minha mãe.Odeio que ela tenha o nome do meu pai. Seu sobrenome de solteira é tão bonito. Eliana
Ano 2022Marcos Castro"Nunca vi ninguém viver tão feliz como eu no sertão, perto de uma mata e de um ribeirão"Olho de um lado para outro e saio do meio do feno.— Pode vim — chamo.A loirinha sai de trás do monte de feno tirando a sujeira do vestido de menina de família.Safada. Essa garota não tem nada de menina, muito menos de família.O sorriso de satisfação e esperança brincando nos seus lábios me chama a atenção. É isso que me incomoda. Elas parecem não entender que é apenas sexo. Não tenho planos de me amarrar tão cedo. Eu já tenho uma família que precisa de mim, meu foco são eles. Além de que sou jovem demais para algo que não seja sem compromisso.Carla, filha de um dos Medeiros, tem quase vinte anos, meio distante dos meus dezessete. Ela sempre viveu na fazenda e não quis fazer faculdade. Prefere reinar aqui, onde, mesmo sem faculdade, trabalha na escola como inspetora desde que se formou no ensino médio.― Sua calça tá aberta, Brutos.Fecho o botão do meu jeans.— Some com
Fabiana MedeirosMeu pai não me levou ao aeroporto. E não deixou minha mãe me levar. Quando sai do quarto arrastando uma mala gigante, a governanta veio me dizer que eles saíram e que o motorista me levaria ao aeroporto. Também não vou me despedir dos meus irmãos. Nem sei onde estão.Eu devia ter esperado por algo assim.Nem forcei um sorriso, apenas segui como um zumbi até o avião particular.O que eu poderia fazer de diferente? Me pergunto várias vezes.A única resposta que tenho é que essa pode ser a chance de me livrar do desejo de agradar que finjo não sentir. Eu vou ser uma pessoa normal. Vou estudar e trabalhar. Eu não preciso de mansão, joias... nada disso. Só preciso de um canto para chamar de lar e um trabalho para chamar de meu. Não vai ser fácil convencer meus pais, mas quando terminar o ensino médio vou pedir para fazer faculdade no exterior e lá terei mais liberdade de moldar minha vida.Foram poucas horas até o aeroporto da cidade de Belo Horizonte. O que demorou mesmo
Fabiana MedeirosMinha chegada na escola é como todas dos clichês de alunas novas. Um tédio.Tenho que me apresentar.A primeira professora é de Literatura. Ela que me guia até a minha sala depois de uma conversa com a diretora.― Essa é a Fabiana Garcia de Medeiros. Ela vai estudar conosco. ― Há um burburinho e a professora continua: ― Ela deve ser tratada como qualquer outra aluna. Nessa escola não temos tratamento especial independente de classe, cor ou qualquer outro.Não faz? Acabou de fazer.― Professora ― chamo, e ela se vira para mim. ― A senhora dá esse aviso em todas as apresentações de novos alunos?Pelas risadinhas, os alunos perceberam o que eu quis dizer. Todos riram, exceto um, e não foi por nada do que eu disse. O cara estava com fones de ouvido, acho que nem ouviu. Com fones de ouvido em uma sala de aula onde a professora está presente. Pronto, já achei o bad boy do interior.― Silêncio! ― ela exige da classe. Por ser muito branca, consigo ver seu rosto e pescoço verm
Fabiana MedeirosAnos antes― Posso abrir os presentes? ― Meu irmão Bruno pede. Eles já estão com oito anos. E meu pai achou melhor comemorarmos o natal na fazenda.― Claro.Eles correm para a árvore e eu vou também, sem correr, sou mais velha e não posso agir como criança, é o que me disseram.Os presentes são dos nossos avós.Abro o meu e encontro exatamente o livro que comentei com minha mãe que queria ganhar. Abro um sorriso.Como minha avó sabia?A resposta sai dela.― Quem colocou esse livro na árvore? E livro lá é presente?Meu sorriso murcha e some.― Não foi a senhora que me deu? — pergunto decepcionada.― Eu não.― Você não comprou o presente dela? Mandei comprar pra todos os netos.― Esqueci. É muita coisa pra fazer.O presente estava com meu nome. E todo ano eles mandam os presentes e sempre recebo o que falo com minha mãe que queria.Eu sou criança, mas não sou burra.E o olhar de pena da minha mãe diz tudo. É ela que me presenteava, fingindo ser meus avós. Essa mulher qu
Fabiana MedeirosComo o horário de aula termina às 14hs, tenho grande parte da tarde livre. Hoje é sexta-feira e tirando as aulas passei a maior parte do tempo presa no quarto. Preciso mudar isso.Passo pela cozinha e encontro minha tia dando instruções sobre o jantar.― Boa tarde! ― cumprimento.As duas respondem. A senhora Aurora com um sorriso e minha tia com má vontade.― Tia, posso ajudar em alguma coisa na fazenda? Quando não estou estudando gostaria de fazer algo útil.― Você não sabe fazer nada. ― Ele responde com desdém. Juro que às vezes penso que fui adotada, ou achada no lixo para ser tratada como um. É isso ou na minha família só tem pessoas amarguradas que destilam sua raiva em todos. Não sei qual opção seria pior.― Eu aprendo rápido ― digo.― E vai atrapalhar o trabalho de alguém que precisa parar só para ensinar a princesinha.― Pode deixar então.Murcho e saio, com um boa tarde bem mixuruca.Não vale a pena insistir. Sem contar que a pena na expressão da senhora Auro
Marcos CastroMeses antes...“Pode conversar comigo depois da aula?”Era o que estava escrito no bilhete que a loirinha mandou sua amiga entregar.― Diga a ela para me esperar no carvalho ― respondo a menina que espera uma resposta. Inclusive ela é uma das que fico.O carvalho é uma árvore imensa que tem no caminho da minha casa. Tão grande que virou ponto de referência.Pelas risadinhas, elas estão empolgadas.Quero só ver o que Ninha vai aprontar. Ninha é o apelido de Amelia, uma loirinha tímida da escola, um ano mais nova. Ela tem o maior jeito de ser virgem. Se rolar alguma coisa não vai passar de uns beijos e amassos.Como hoje deixei o cavalo, chego no carvalho ela já está com sua bicicleta cor de rosa.― Oi, Amelia. ― Chamo pelo nome. E ela parece gostar. Imaginei que seria assim. Já a ouvi reclamando do apelido. Sei como é chato as pessoas te chamarem por um nome que não gosta.― Oi, Marcos.― O que queria falar comigo?Ela olha para os próprios pés.― Morro de vergonha só de
Fabiana MedeirosCuidei da horta pelos próximos dias. Porém, senti falta de Tempestade, por isso fui até o estábulo na sexta-feira à noite e conversei com meu amigo equino.Não vi Marcos pelos próximos dias, e na escola ele me tratava como se eu fosse invisível. Muito diferente do cara que conversou comigo no estábulo. Não entendi bem porque dessa mudança. Talvez ele tenha levado a sério o que eu disse sobre não poder ser sua amiga.Na verdade, nesse momento, eu gostaria de ser amiga de Carla, ou de qualquer pessoa que possa me dar uma carona.Está chovendo.A aula acabou e estou impossibilitada de ir embora de bicicleta.Alguns alunos colocam seus materiais em sacolas e encaram a chuva, enquanto eu fico olhando, esperando passar.Carla finge que nem me vê quando passa e entra no seu carro. Para destilar seu veneno, ela até oferece carona para algumas meninas.Ali vai embora com um grupo de garotas no ônibus que traz os alunos da vila. Uma pena que as direções são opostas. Essa mulher