Capítulo 4 - Uma aluna qualquer... Ou não

Fabiana Medeiros

Minha chegada na escola é como todas dos clichês de alunas novas. Um tédio.

Tenho que me apresentar.

A primeira professora é de Literatura. Ela que me guia até a minha sala depois de uma conversa com a diretora.

― Essa é a Fabiana Garcia de Medeiros. Ela vai estudar conosco. ― Há um burburinho e a professora continua: ― Ela deve ser tratada como qualquer outra aluna. Nessa escola não temos tratamento especial independente de classe, cor ou qualquer outro.

Não faz? Acabou de fazer.

― Professora ― chamo, e ela se vira para mim. ― A senhora dá esse aviso em todas as apresentações de novos alunos?

Pelas risadinhas, os alunos perceberam o que eu quis dizer. Todos riram, exceto um, e não foi por nada do que eu disse. O cara estava com fones de ouvido, acho que nem ouviu. Com fones de ouvido em uma sala de aula onde a professora está presente. Pronto, já achei o bad boy do interior.

― Silêncio! ― ela exige da classe. Por ser muito branca, consigo ver seu rosto e pescoço vermelhos. Deve estar irada com que eu falei.

E como minha língua age mais rápido que meu cérebro, digo:

― Só acho que em uma escola onde coisas assim nunca aconteceu nem precisa de aviso.

Ela se abaixa e sussurra ao meu ouvido:

― Quer ser expulsa no primeiro dia?

Engulo em seco. Ninguém escuta, mas o uuuuu que fazem mostram que entenderam que eu estava me ferrando.

Meus avós me mandam para um colégio interno se eu for expulsa aqui. E adeus planos de liberdade no exterior.

― Não. Posso ir para o meu lugar?

― Se apresente e vá.

Como dizem: manda quem pode e obedece quem tem juízo.

Falo brevemente sobre mim.

Ela me manda sentar uma cadeira na frente do cara de fones.

Moreno, bronzeado e musculoso. Lindo. Acho que já o vi em algum lugar. Quero me virar para trás e perguntar, mas tenho certeza que qualquer movimento meu é motivo para essa professora chamar meus avós. Então deixa para lá.

― Eu sou Alice. Alice Aguiar. A minha mãe trabalha na fazenda Raio de Lua. ― A morena ao meu lado se apresenta, com um sorriso que me faz saber exatamente quem é a mãe dela.

― Eu sou a... ah você deve ter ouvido. ― Me lembro do fiasco que foi a apresentação.

― Sim. ― Ela ri.

― Pode me chamar de Fabi ― digo.

― Eu não tenho apelido. ― Ela faz um bico involuntário. É fofo. ― Todos me chamam de Alice mesmo.

― Que tal se eu te chamar de Ali? ― Foi o primeiro apelido que me veio.

E lá estava o sorriso que ilumina todo o rosto.

― Eu gosto.

― Então Ali, sua mãe é a Dona Aurora?

― Sim. Ela trabalha na cozinha e ajuda a governanta.

― A conheci. Sua mãe foi bem gentil comigo. Eu...

Apesar de estamos cochichando a professora percebe os movimentos suspeitos e trata de manter a atenção em nós enquanto explica sobre o Romantismo no Brasil. O jeito é deixar a conversa para depois.

Quando ela sai, temos um intervalo de cinco minutos para beber água ou ir ao banheiro antes da próxima aula.

Eu saio com a Ali. Vamos até o bebedouro que fica no pátio da escola, conversando, e ela me apresenta algumas pessoas. Bianca, uma menina negra de cachos invejáveis e que não está em nossa turma, Edna, morena como nós e muito faladeira, vi ela na classe, a professora chamou sua atenção duas vezes, Isabel, uma loira com voz meio infantil que está na nossa turma e senta na frente. E um rapaz loiro chamado Edvaldo, mas que prefere ser chamado de Ed. Esse ela só me mostrou de longe. Enquanto as meninas acabaram marcando de nos ver no intervalo maior.

Depois de mais duas aulas temos o tal intervalo, onde as mulheres na cantina nos dão lanche.

É canjica. A canjica mais gostosa que já provei.

― Quer a minha? ― Ali brinca acompanhada das risadinhas de Edna, Bianca e Isabel, que realmente vieram sentar conosco.

Cubro a boca cheia para rir.

― Você está acostumada, não me julgue. A alimentação na minha casa é cheia de regras.

Vejo uma barreira humana passando. Os cabelos em um coque, possivelmente por causa do calor, jeans, a camisa branca com a logo da escola quase marcando seus músculos, e os fones no pescoço. É o cara que senta atrás de nós. Acho que ele não deve viver sem esse fone. E nem julgo, quase surtei ao ver que não poderia ouvir todas as músicas que gosto quando quiser. 

― Tenho a impressão de que já vi esse cara em algum lugar. ― Deixo meu pensamento virar um sussurro.

― Entra na fila, novata. E vai para o final. ― Edna diz. E suspira. ― Marcos Castro é o sonho de todas aqui, inclusive meu.

― Calma! Não quero seu macho. ― Deus me livre de problema com homem agora. ― Eu não disse nesse sentido. Só tive a impressão mesmo. De garotos eu quero distância.

― E de garota? ― um babaca que ouviu a conversa se aproxima. É o tal Ed.

Presto atenção no jeito que Ali fica quando ele se aproxima. Ela gosta dele. Não consegue nem disfarçar.

Dou de ombros.

― Se for para namorar também estou fora.

― Vejo que a herdeira mais famosa da roça teve desilusões amorosas.

O tom que ele usa para chamar esse lugar de roça é depreciativo. Como se não morasse aqui.

― Os herdeiros são meus irmãos. ― As palavras saem mais amargas do que eu gostaria. ― Eu sou só a madame.

Para aliviar o meu tom, faço uma cara esnobe e rio. As meninas me acompanham na brincadeira.

Fico feliz de já ter encontrado colegas tão legais. Não é assim que acontece na ficção. Pelo menos dessa vez a realidade é melhor.

― Ah, esqueci de contar que meu irmão também trabalha na Raio de Lua. ― Ali muda o assunto. Raio de Lua é o nome da fazenda da minha família.

― Quem é seu irmão?

― O bad boy da nossa escola. Também temos no interior. Aqui o chamamos de Brutus. ― O cara provoca.

Ali segura minhas bochechas e vira meu pescoço para trás.

― Aquele. ― Aponta o cara em um grupinho.

Claro que seria ele. E pelo jeito não sou a única que o acho um projeto de bad boy.

E para deixar ainda mais claro que o garoto é fria, vejo uma menina se aproximar, entregar um papel e sair correndo para perto de um grupinho de meninas. Disfarçadamente, já que continuamos nossa conversa, vejo ele ler, rir, olhar para ela e negar com um gesto do dedo, embolar e jogar em uma lata que é usada como lixeira.

A menina corre e pega o pedaço de papel, acho que sabe que um daqueles moleques pode pegar para rir dela.

Fico imaginando o que deve estar escrito ali. Ela volta com as “amigas”. Pode ser impressão minha, mas a única que parece realmente infeliz no grupo é ela.

Família Castro...

Parece que os irmãos são muito diferentes.

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