Capítulo 5 - A bicicleta amarela

Fabiana Medeiros

Anos antes

― Posso abrir os presentes? ― Meu irmão Bruno pede. Eles já estão com oito anos. E meu pai achou melhor comemorarmos o natal na fazenda.

― Claro.

Eles correm para a árvore e eu vou também, sem correr, sou mais velha e não posso agir como criança, é o que me disseram.

Os presentes são dos nossos avós.

Abro o meu e encontro exatamente o livro que comentei com minha mãe que queria ganhar. Abro um sorriso.

Como minha avó sabia?

A resposta sai dela.

― Quem colocou esse livro na árvore? E livro lá é presente?

Meu sorriso murcha e some.

― Não foi a senhora que me deu? — pergunto decepcionada.

― Eu não.

― Você não comprou o presente dela? Mandei comprar pra todos os netos.

― Esqueci. É muita coisa pra fazer.

O presente estava com meu nome. E todo ano eles mandam os presentes e sempre recebo o que falo com minha mãe que queria.

Eu sou criança, mas não sou burra.

E o olhar de pena da minha mãe diz tudo. É ela que me presenteava, fingindo ser meus avós. Essa mulher que se diz minha avó nunca me mandou um presente.

Uma parte do natal perdeu o significado para mim.

Agora...

Como a ida para o colégio de carona com minha prima foi um desastre de total silêncio, assim que terminou a aula eu esperei ela perto do carro já com fones em mãos e o celular em minhas músicas gravadas.

Ali e seu irmão foram embora a cavalo, como alguns alunos. Diferente de tudo que já vi. E tenho que confessar que o rapaz fica lindo montado no cavalo marrom. Parece ser imbecil, porém infelizmente isso não diminui sua beleza.

Fiquei torcendo para seus cabelos se soltarem e eu possa ver o quão longo são, mas ele sumiu de vista antes que isso acontecesse. É só uma bobagem. Imaginei que a visão seria como um comercial de tv.

Minha prima chega e entra no carro sem dizer nada. Antes que ela saia e me deixe para trás, entro no lado do passageiro. O veículo é uma Hilux.

Assim que coloco o cinto já dou play novamente nas músicas.

Estou curtindo as poucas músicas que tenho baixadas quando os fones são arrancados da minha orelha.

― Achei que tinha mais educação. Estou de dando carona e você ouvindo música ― reclama.

― Você não aceitou nenhuma das minhas tentativas de conversa no caminho, achei que seria igual.

Ela ri, sem nenhuma graça.

― Agora a culpa é minha.

― Você não gosta de mim pelo que aconteceu? ― pergunto logo. Não gosto de rodeios.

― Virei motorista e babá. O que acha?

― A escola não é longe. Vou pedir aos meus avós...

― Seus? ― Me interrompe. ― Você se acha muito. Age como se só existisse você nesse mundo.

Sinceramente, essa mulher está sendo hostil gratuitamente.

― Temos quase a mesma idade... Achei que poderíamos ser amigas. ― Última tentativa, para não dizerem que não tentei.

― Quem precisa de amigos é você. Eu já tenho muitos. E te aconselho a não começar pela família Castro.

A primeira coisa que me pergunto é se ela é uma das que estão na tal fila do bad boy boiadeiro.

É uma pergunta sem resposta, porque o resto do caminho vamos em silêncio. Mesmo eu não recolocando os fones. Também não respondo ao seu conselho.

Quando chegamos em casa, eu agradeço a carona e entro.

Sei exatamente o que preciso fazer.

― Posso entrar? ― pergunto abrindo parcialmente a porta do escritório, onde meu avô lia alguns papéis atrás da mesa de madeira.

― Entre. Aconteceu alguma coisa?

Eu sabia que ele seria mais receptivo, por isso o procurei. Ele é um homem duro, porém a minha avó é mesquinha e injusta. Tive várias provas disso. Ela tem preferência entre os netos, e eu não sou uma delas.

― Eu só gostaria de pedir permissão para ir à escola de bicicleta.

― Por que?

Coloco minha melhor máscara de boa neta.

― É perto. E fico com receio de que as pessoas pensem que há favorecimento por eu ser prima da Carla, que é funcionária. Não quero que por minha culpa a olhem de outra forma.

Desculpa de merda. Espero que ele caia.

― A Carla disse algo?

― Não. Ela foi muito gentil ― mentira ―, eu é que vi os olhares quando entrei no carro. Já baguncei a vida dos meus pais, não posso ser responsável por mais problemas.

― Que bom que pensa assim. Temos bicicleta em algum lugar da casa. Pergunte para a Dona Aurora.

― Obrigada, vô. Benção.

― Deus te abençoe.

Saio do escritório com um sorriso de orelha a orelha. Eu não preciso  mais começar o meu dia com o péssimo humor da minha prima.

Encontro a senhora Aurora na cozinha.

― Olá! ― cumprimento.

― Oi, menina, posso ajudar?

― Eu queria uma bicicleta. Meu pai disse que a senhora sabe onde tem. Se puder me informar.

― Tem no celeiro. Quer que eu vou buscar?

― De jeito nenhum. Não quero dar trabalho. Só me dizer como chegar lá.

Ela explica, e não parece difícil.

Antes de sair, comento:

― Conheci a filha da senhora. A Ali é muito linda e gente boa.

― Ali?

― Sim. Ali de Alice.

Ela sorri. Toda orgulhosa.

― E conheceu o Marquinhos?

O arrogante projeto de bad boy? Claro. É o que penso, mas não digo.

― Não tivemos chance de conversar. É mais fácil fazer amizades com meninas quando se chega em um lugar novo.

Melhor evitar dizer o que realmente achei do filho dela.

― Sei como é. Mas logo vai ter tempo de conhecer o Marquinhos. Ele late, mas não morde. É um bom menino.

― Se for tão bom quanto a Ali a senhora merece os parabéns. ― Uma mulher entra na cozinha. ― Agora deixa eu ir lá buscar minha bicicleta.

Deixo a mulher com um sorriso de orelha a orelha, toda contente pelos elogios aos filhos.

A babaca aqui ainda deixa o sentimento amargo da inveja afetar. Meus pais nunca sorriram por mim assim. Mesmo que eu ganhe o prêmio Nobel, isso nunca vai acontecer.

Chego no celeiro sem dificuldade. Tem três bicicletas. Uma preta, uma vermelha e uma amarela que se vê de longe.

Fui primeiro na preta. Sem corrente. Impossível.

Parti para a vermelha. Sem freio. Melhor não arriscar.

E como só sobrou ela, analisei a amarela. Nada estragado. Vai ser ela mesmo. Chamativa demais, porém funcional.

Chegou a hora de usar a bike.

A estrada de terra batida e a brisa fresca da manhã são minhas companhias enquanto pedalo devagar. A bicicleta amarela com cestinha roda tranquilamente.

Tão chamativa, mas funciona perfeitamente.

Ao contrário do que pensei, o caminho até a escola é um pouco longo, de carro foi rápido, porém de bicicleta é quase meia hora.

A escola fica um pouco isolada entre a vila e a fazenda Raio de Lua. Perto dela apenas algumas fazendas menores e a fazenda de um senhor recluso, que é maior que a dos Garcia de Medeiros.

Chego parcialmente suada, passo por alguns alunos e cumprimento, enquanto finjo não ver outros que não cheguei a conversar nem para dar um oi.

Vou até o banheiro feminino e lavo meu rosto e pescoço.

Quando saio encontro Ali chegando e logo começamos a conversar sentadas em um banco feito de um tronco.

Ainda falta uns dez minutos para a primeira aula.

― Você e aquele cara de ontem... ― começo.

― Ed?

― Se for o que chegou insinuando que sou lésbica.

― Ele mesmo. O nome dele é Edvaldo, mas ele odeia e briga quando não chama ele de Ed. Te mostrei ele no intervalo da professora de literatura.

― Vocês tem alguma coisa?

― Por que? Você está interessada nele? ― o desespero na pergunta entrega.

― De jeito nenhum. Só fiquei curiosa. Vi a forma que olha para ele.

Ali coloca as duas mãos na cara.

― Sou tão transparente. Todo mundo deve saber do meu amor platônico por ele. Ed nunca me viu como uma possível namorada. Também ele é lindo e bem de vida, tem a mulher que quiser.

Me inclua fora dessa.

Não digo nada, até ela tirar as mãos do rosto.

― Você o conhece há mais tempo que eu, porém...

― O que?

― Eu senti algo estranho nele. Falsidade... ― começo, mas desisto. ― Ah, mas quem sou eu para dizer isso quando nem percebi que meu namorado era um canalha que só queria me usar para atingir meu pai.

Os olhos escuros de Ali se arregalam. Seus olhos são castanhos, assim como os meus, a diferença é que os dela são bem escuros e o meu tão claro que beira ao amarelado.

― Como assim? Agora vai ter que contar.

Acabo contando a ela tudo sobre Richard. Ela fica chocada. E diz que ainda é virgem. Que espera que a sua primeira vez seja linda.

Só para assustá-la eu aumentei mil vezes a dor do hímen rasgando.

Ela ficou mil vezes mais chocada. Ao ponto que tive que desmentir rindo muito. Afinal, o que sei sobre primeira vez? Meu primeiro boquete já foi um desastre colossal.

Ai o professor chegou e entramos na sala. Onde um moreno com expressão fechada já estava em seu lugar, com seus fones.

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