Capítulo 6 - Uma conversa no estábulo

Fabiana Medeiros

Como o horário de aula termina às 14hs, tenho grande parte da tarde livre. Hoje é sexta-feira e tirando as aulas passei a maior parte do tempo presa no quarto. Preciso mudar isso.

Passo pela cozinha e encontro minha tia dando instruções sobre o jantar.

― Boa tarde! ― cumprimento.

As duas respondem. A senhora Aurora com um sorriso e minha tia com má vontade.

― Tia, posso ajudar em alguma coisa na fazenda? Quando não estou estudando gostaria de fazer algo útil.

― Você não sabe fazer nada. ― Ele responde com desdém. Juro que às vezes penso que fui adotada, ou achada no lixo para ser tratada como um. É isso ou na minha família só tem pessoas amarguradas que destilam sua raiva em todos. Não sei qual opção seria pior.

― Eu aprendo rápido ― digo.

― E vai atrapalhar o trabalho de alguém que precisa parar só para ensinar a princesinha.

― Pode deixar então.

Murcho e saio, com um boa tarde bem mixuruca.

Não vale a pena insistir. Sem contar que a pena na expressão da senhora Aurora me deixa envergonhada.

Dou uma volta pelo lugar e chego aos estábulos. É imenso, como tudo nesse lugar.

Caminho vendo os cavalos em suas baias. Um mais lindo que o outro.

Chego no último. Uma égua de pelos branco e preto. É lindo. Até sua crina é nas duas cores.

Acaricio a cabeça do animal, sentindo a solidão tomar forma em mim.

― Eu iria gostar de cuidar de vocês. Mas parece que ninguém tem tempo para me ensinar a não fazer merda.

― Eu tenho.

Me afasto do animal bruscamente com o susto ao ouvir a voz masculina levemente rouca.

A égua relincha em protesto e o dono da voz se aproxima mais, rindo da situação.

― Acho que ela gostou de você ― diz alimentando a égua torrões de açúcar. ― Aqui, recompensa por aturar ficar presa hoje. Prometo que amanhã dou um jeito de fugir com você.

A interação dos dois é bastante interessante. Ela parece entender o que ele fala e concordar.

― Eu também gostei dela. ― Respondo ao seu comentário. ― Sabe o nome?

Ele dá um sorrisinho bem sacana.

― O meu ou o dela?

― O dela. ― Reviro os olhos. ― O seu eu soube sem precisar perguntar, bad boy do sertão. Ou Brutus para os íntimos.

Ele levanta a sobrancelha, mas não fala nada do tom de deboche em minha voz.

― O nome dela é Tempestade.

― Bem clichê. Mas esperava que uma preta se chamasse assim. Preta e brava.

― Brava ela não é. O nome Tempestade veio do fato de sempre se agitar durante tempestades.

― Eu te entendo. É aterrorizante. ― Volto a acariciar seu focinho.

O cara não parece tão bruto quanto fizeram parecer.

― Posso te pedir uma coisa em troca de te ensinar a cuidar deles? ― Me viro, curiosa pela mudança no rumo da conversa. ― Não se aproxime da minha irmã se a amizade não for verdadeira. Eu não quero ter que te matar e esconder o corpo.

Não há nenhum tom de brincadeira, ele está falando sério.

― A Ali é uma boa pessoa, diferente do irmão com tendencias assassinas. Não existe motivos para eu magoá-la. Desculpe decepcioná-lo, mas não sou a vilã de nenhum romance adolescente.

― Que bom! Detesto romances adolescentes. Prefiro livros de suspense, policial...

O susto me atinge.

― Você gosta de ler?

Tira esse sorriso da cara, Fabiana. Tem uma fila inteira pronta para arrancar seu couro se sequer começar uma amizade com esse homem.

― O que? Achou que eu era analfabeto?

— Nada disso. Eu... só não esperava que fosse alguém que ler sem ser por obrigação. — Sou sincera.

— Não conheço nada melhor que deitar sob uma árvore com um livro e só parar de ler quando escurecer.

Posso me apaixonar por ele? Só um pouquinho.

Nunca encontrei alguém que goste de ler assim. Até a Ali, eu perguntei e ela disse que prefere novelas de TV. Triste.

― Você parece empolgada — diz, sem me olhar, sua atenção no animal.

― Infelizmente é difícil achar quem goste tanto de ler assim. Pena que não posso ser sua amiga.

Ele franze a testa e se vira em minha direção.

― Não que eu queira ser seu amigo, mas por que não pode?

― Te respondo com outra pergunta: você já se deitou com a Carla? ― o jeito como ele passa as mãos nos cabelos amarrados diz tudo. ― Pois é. Não estou no melhor momento com minha família. Melhor evitar mais problemas. Se eu chegar perto de você aposto que será motivo para ela me odiar.

― Me enganei. Quando te vi na escola pensei que você não era o tipo que se importava com opiniões alheias.

― E não me importo.

― Eu não posso ser sua amiga... ― imita uma voz fina. ― Pareceu que se importa.

― Vai me ensinar ou não?

Ele dá de ombros para a mudança de assunto e começa a me explicar tudo que se faz em um estábulo. Em um certo momento ele me deixa sozinha para terminar de alimentar alguns cavalos. Diz que já estou pronta para andar sozinha. É a melhor sensação, ter alguém que te ensine e confie em seu aprendizado.

Para um bad boy, Marcos é muito paciente. Marrento, mas paciente.

Termino como ele me ensinou e volto para tomar banho e não me atrasar para o jantar.

Quando cheguei em casa no dia seguinte, minha tia estava me esperando com a novidade de que eu aprenderia a mexer na horta.

Posso estar sendo paranoica, mas algo em mim diz que a mudança se deu devido um certo cowboy ter me ensinado, acho que a filha dela ficou sabendo, não gostou e foi contar para a mãe.

Eu agradeci, sem muito animo. Já estava com planos de conversar sobre livros com Marcos. Até peguei o primeiro volume de Reino dos Mortos da biblioteca ontem à noite. Queria saber se ele leu, se gostou.

O objetivo não era fazer amizade com ele, mas isso foi antes de descobrir seu amor pelo mesmo que amo; livros.

Como aqui não pega internet nem sinal de telefone, redes sociais é uma lenda. Por sorte livros é o que não falta na biblioteca.

No dia seguinte passei no estabulo. Achei que era necessário pelo menos dar uma satisfação ao rapaz por ter me ajudado.

Ele não estava lá.

Fui direto para a horta.

É um pouco longe da casa principal, foi criada mais perto do riacho, por praticidade.

O lugar é lindo. Todo tipo de hortaliças, folhas tão grandes que dá dó de cortar. Um cheiro ótimo e um verde lindo.

Nem vi o tempo passar enquanto um casal na casa dos cinquenta anos que tomava conta da horta me ensinava tudo sobre cada planta.

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