Amélia— O que está fazendo? Não devia estar na delegacia?Só percebo que quebrei tudo no meu quarto depois que minha mãe grita na porta.Olho para o espelho quebrado e vejo minha imagem no uniforme. Meus cabelos ainda soltos.— Eu sou linda, sou carinhosa, sou mil vezes melhor que ela... Por que ele não me quis?— Filha...— Cala a boca, mãe. A culpa é sua. Dizia que ele era pobre e que eu devia me afastar. E olha só o que aconteceu.Ela não diz nada, apenas me olha com culpa e pena. Quando meu pai morreu, ela me deixou ser livre e amar quem eu quisesse, mas era tarde. Marcos já estava longe. Qualquer chance com ele se foi junto com a família Castro.Sempre fui apaixonada por Marcos. Ele foi o meu primeiro.O dor ferve dentro de mim. Ele me acha tão insignificante que nem mesmo me procurou para tirar satisfações. Sei que ela deve ter contato sobre aquele dia na delegacia. Mas para ele eu não sou nada. Só existe aquela piranha. Todos estão falando sobre como os dois estavam apaixonados
MarcosEstacionei vendo a movimentação estranha na cancela. Desci do carro sem ser notado. E logo entendi porque. Aconteceu alguma coisa entre Amelia e Fabiana. Percebo pela forma raivosa como minha mulher olha para a outra. Parece pronta para rasgar gargantas.Até deixaria Ana extravasar sua raiva, principalmente depois de saber como essa policial de quinta foi estupida com ela. O que me fez intervir foi o olhar curioso e assustado do nosso filho e de Gabriel.Me apresso e a seguro pela cintura.— Devagar, mamãe urso — digo para ela.É tão gostoso ver o corpo de Fabiana reagindo a mim. Dá vontade de rasgar suas roupas e foder até ela gritar meu nome em êxtase. Essa mulher vai ter que pagar por me deixar assim em um momento em que não posso realizar meus desejos.— Me solta, Marcos — diz com a voz rouca, me fazendo sorrir.— Só quando se acalmar. Eu ia gostar de te ver dando uma bela surra nessa daí, mas acho que vai ser mau exemplo para a nossa cria.— Não chama ele de cria — ela res
Acabo de voltar de uma visita a meu irmão com minha melhor amiga e encontro apenas trabalho.Aquele cigana estava certa, estou mesmo sendo cobiçada, mas tudo por causa da fama. Desde que apareci como figurante em uma novela gravada no povoado que surgem trabalhos sem parar. E eu nem sou atriz. Aprendi depois de começar a trabalhar no ramo. Meu agente diz que eu tenho talento natural. Por isso parece que sempre fiz isso.Eu gosto. Não é algo que quero fazer para sempre, mas curto viver personagens com suas histórias singulares, me ajuda a não pensar no fato de que ainda não consegui me abrir para o amor. Sou feliz, não posso dizer o contrário, mas sinto uma certa inveja do que minha melhor amiga e meu irmão tem.— Cheguei, estrela.O homem vestido em um terno vinho elegante me tira dos pensamentos. É o meu agente.Olho para ele, desacreditada da sua cara de pau.— Mike, você sabe que não sei dançar nem quadrilha. Que história é essa de personagem dançarina? Amor pela dança não dá para
Fabiana— Fiquei sabendo que aqui tem um bad boy boiadeiro — digo me aproximando do meu marido distraído perto da cerca.Passaram mais de doze anos desde o nascimento de Luna. Desde então, decidimos que dois filhos era suficiente. Nossa família está completa. E é melhor que qualquer sonho que um dia tive.— Olá, garota da cidade — responde.Ele continua olhando para frente, a expressão preocupada.Marcos fica tão lindo quando está pensativo assim. Aliás, ele fica lindo de qualquer forma. Os anos passam e ele fica cada dia mais perfeito, com esses músculos definidos e a cara de safado que me faz perder o sono. Muitas mulheres que não se importam com a aliança em seu dedo.Sim, confio no meu marido, mas daí a não ter ciúme há um longo abismo.Meu olhar segue a direção do seu. E entendo o motivo do rosto sério.Abraço sua cintura, rindo da sua atitude.— Para de se preocupar com a paixonite da nossa filha por Gabriel. Ela só tem doze anos. E ele é um rapaz decente.Ele bufa.— Eu sei. Só
Fabiana— EU SEI QUE ESSE FILHO NÃO É MEU.Instintivamente dou um passo para trás. A forma como Marcos altera o tom me assusta.Não consigo responder.Ele mudou muito em todo esse tempo que esteve fora do país. Não é mais o rapaz que foi embora com o coração partido por minha causa, pelas mentiras que minha família me obrigou a dizer, pelo mal que fui obrigada a fazer.Agora Marcos é um homem de expressão dura e corpo musculoso, que usa roupas caras e assusta com seu poder. E mesmo que todo meu corpo saiba que ele jamais me tocaria dessa forma, o medo ainda estava presente. Todos esses anos aguentando calada ofensas e violência deixaram sua marca. Mas eu faria tudo de novo pelo meu filho, para garantir sua segurança e bem estar.— Sabe, Fabiana... — engulo seco pelo tom de desprezo com o qual pronuncia meu nome. — Eu não voltei a essa cidade por você cinco anos atrás. Eu vim porque precisava resolver algumas questões de documentos.— Mas a gente... — ele não me deixa terminar de falar
Fabiana MedeirosAnos antes...Fabiana Garcia de Medeiros.Dezessete anos.Morena. Corpo na média de peso, segundo a nutricionista pelo menos. Não tenho muitas curvas e meus seios são quase inexistentes.Atleta, jogo futebol.Melhor aluna da escola Normal em Guarulhos que é um município da Região Metropolitana de São Paulo.Paulista de nascimento e orgulho dos Garcia de Medeiros...Até agora.Essa sou eu.E agora estou diante do possesso Isaque Garcia de Medeiros, vulgo meu pai. Seus cabelos precocemente grisalhos tem mais a ver com excesso de trabalho que por sua filha recentemente denominada de problemática. Até poucas horas atrás eu era a filha invisível, na qual eles esbarravam em alguns eventos familiares. Aquela que não via os pais em reuniões escolares, por mais que fosse a primeira da turma.Ao seu lado, calada — por medo de sobrar para ela — Dona Eliana Garcia de Medeiros, vulgo minha mãe.Odeio que ela tenha o nome do meu pai. Seu sobrenome de solteira é tão bonito. Eliana
Ano 2022Marcos Castro"Nunca vi ninguém viver tão feliz como eu no sertão, perto de uma mata e de um ribeirão"Olho de um lado para outro e saio do meio do feno.— Pode vim — chamo.A loirinha sai de trás do monte de feno tirando a sujeira do vestido de menina de família.Safada. Essa garota não tem nada de menina, muito menos de família.O sorriso de satisfação e esperança brincando nos seus lábios me chama a atenção. É isso que me incomoda. Elas parecem não entender que é apenas sexo. Não tenho planos de me amarrar tão cedo. Eu já tenho uma família que precisa de mim, meu foco são eles. Além de que sou jovem demais para algo que não seja sem compromisso.Carla, filha de um dos Medeiros, tem quase vinte anos, meio distante dos meus dezessete. Ela sempre viveu na fazenda e não quis fazer faculdade. Prefere reinar aqui, onde, mesmo sem faculdade, trabalha na escola como inspetora desde que se formou no ensino médio.― Sua calça tá aberta, Brutos.Fecho o botão do meu jeans.— Some com
Fabiana MedeirosMeu pai não me levou ao aeroporto. E não deixou minha mãe me levar. Quando sai do quarto arrastando uma mala gigante, a governanta veio me dizer que eles saíram e que o motorista me levaria ao aeroporto. Também não vou me despedir dos meus irmãos. Nem sei onde estão.Eu devia ter esperado por algo assim.Nem forcei um sorriso, apenas segui como um zumbi até o avião particular.O que eu poderia fazer de diferente? Me pergunto várias vezes.A única resposta que tenho é que essa pode ser a chance de me livrar do desejo de agradar que finjo não sentir. Eu vou ser uma pessoa normal. Vou estudar e trabalhar. Eu não preciso de mansão, joias... nada disso. Só preciso de um canto para chamar de lar e um trabalho para chamar de meu. Não vai ser fácil convencer meus pais, mas quando terminar o ensino médio vou pedir para fazer faculdade no exterior e lá terei mais liberdade de moldar minha vida.Foram poucas horas até o aeroporto da cidade de Belo Horizonte. O que demorou mesmo