Capítulo 1 - Eu não preciso ser amada

Fabiana Medeiros

Anos antes...

Fabiana Garcia de Medeiros.

Dezessete anos.

Morena. Corpo na média de peso, segundo a nutricionista pelo menos. Não tenho muitas curvas e meus seios são quase inexistentes.

Atleta, jogo futebol.

Melhor aluna da escola Normal em Guarulhos que é um município da Região Metropolitana de São Paulo.

Paulista de nascimento e orgulho dos Garcia de Medeiros...

Até agora.

Essa sou eu.

E agora estou diante do possesso Isaque Garcia de Medeiros, vulgo meu pai. Seus cabelos precocemente grisalhos tem mais a ver com excesso de trabalho que por sua filha recentemente denominada de problemática. Até poucas horas atrás eu era a filha invisível, na qual eles esbarravam em alguns eventos familiares. Aquela que não via os pais em reuniões escolares, por mais que fosse a primeira da turma.

Ao seu lado, calada ­— por medo de sobrar para ela — Dona Eliana Garcia de Medeiros, vulgo minha mãe.

Odeio que ela tenha o nome do meu pai. Seu sobrenome de solteira é tão bonito. Eliana Aguiar. Apenas isso. E soa tão bem que se em algum momento precisasse de um pseudônimo seria esse. Mas não tenho vocação para ser artista e usar um.

— Pai... — começo a falar e ele levanta a mão. A imensa aliança em destaque em seu dedo.

— Estou por um tris, garota. Se eu colocar a mão em você não vai sobrar nada. Apenas suba e faça as malas. Você vai morar com os seus avós a partir de hoje. Sua mãe e eu vamos resolver o estrago que causou em nosso nome diante da sociedade. Meu Deus, Fabiana! — nega com um balançar de cabeça. — Juro que não sei onde errei com você.

Posso enumerar vários erros, mas nenhum deles justifica o que aconteceu. Eu caí em uma armadilha, e ninguém nessa sala deve ser culpado, nem mesmo eu. O culpado está lá fora e espero que um raio parta sua cabeça em várias partes.

Se forma um nó em meu estômago. Sempre tive medo do meu pai, mas dos meus avós tenho pavor. Eles não são boas pessoas.

Abro a boca... Não sai nada. A ira nos olhos castanhos do meu pai me tira qualquer desejo de argumentar.

Ele nunca vai entender que pequenas atitudes quebram essa filha que o ama apesar de tudo, que carrega o mesmo castanho dos seus olhos. Afinal, ele mal os encara. Como poderia saber como me sinto?

Simplesmente abaixo a cabeça e sigo sua ordem, subindo as escadas em direção ao meu quarto.

Finalmente eles conseguiram um motivo para se livrar de mim.

Eu não sou ninguém nessa casa. Meu pai nunca quis uma filha. Ele queria um herdeiro, com ênfase no “o”. E, para sua sorte, dois anos após meu nascimento minha mãe lhe deu a alegria que queria em dose dupla, gêmeos, todos do sexo masculino. Ele até passou a tratá-la melhor depois disso. Pelo menos é o que dizem os empregados. Com dois anos a única coisa que percebi foi que não era mais que um nada dentro da casa. E de acordo com o que crescia tentava de todas as formas dar orgulho a eles, na escola, nas atividades extras. Fazia balé porque minha mãe gostava, fazia artes marciais para acompanhar meus irmãos, tocava piano porque meu pai gostava... Nada disso adiantou.

E foi quando descobri que sempre seria apenas o erro antes do acerto, simplesmente parei de me importar, pelo menos era o que tentava me convencer.

Tratei de buscar amor fora. E como não havia a chance de novos pais, com quinze anos comecei a buscar um príncipe encantado que tanto era mencionado na ficção. Alguém que só teria olhos para mim.

Eu devia saber que não seria nada fácil.

O que encontrei foram dois sapos no caminho.

O primeiro — com o qual quase perdi minha virgindade aos dezesseis — só queria me engravidar. Isso mesmo. O idiota gastou meses de conquistas com intuito de dar o golpe da barriga na família Garcia de Medeiros. O peguei no flagra furando os preservativos quando quase me entreguei. Ao ver que não teria chances, ele confessou e pediu desculpas. Me afastei dele. Não preciso de pessoas assim na minha vida. Sofri um pouco, porém nem posso dizer que estava apaixonada.

O segundo sapo: Richard Gonzales. Maldito. Ele me deu todo o carinho que a carente aqui precisava. Por ele eu me apaixonei.

Se...

Eu...

Soubesse.

Se eu soubesse que ele é filho do maior rival do meu pai...

Eu parei de me interessar pelos seus negócios quando tinha nove anos e ele riu da minha cara por um comentário tolo que fiz. Nunca vou me esquecer. Minha mãe perguntou: “O que você quer ser quando crescer?” e não pensei duas vezes em dizer: “Quero ser como o papai”. Foi quando ele riu e disse: “Você acha mesmo que vai ficar com a empresa dos seus irmãos? No máximo será madame.”

Isso é coisa que um pai diz?

Com nove anos eu queria ficar com os brinquedos dos meus irmãos, com os carinhos que recebiam, não com a promessa de uma empresa.

A partir daquele momento peguei uma raiva dessa palavra: madame.

Mas deixa para lá. A cereja do bolo nem é isso. O “melhor” foi que Richard me seduziu e depois de ganhar minha confiança gravou o momento em que decidi dar um passo maior no nosso namoro.

Aconteceu quando ele pediu para conhecer a empresa do meu pai. Ele alegou que queria pedir formalmente a minha “mão”. Na hora achei lindo. Como meu pai estava em reunião, tivemos que esperar na sala dele. Alguns minutos de justificativas e pedidos manhosos, a idiota aqui chupou ele enquanto estava escorado na mesa do meu pai.

Foi a minha primeira vez fazendo algo assim. Nem mesmo me senti bem. Apenas fiz por estar apaixonada, e porque ele me tratava como uma princesa.

Depois que terminamos, eu vi o momento em que ele foi até o celular na cadeira a nossa frente.

Nota para o fato de eu não ter notado o telefone virado estrategicamente em nossa direção. Tenho vontade de arrancar meus cabelos quando lembro disso.

Em menos de dois minutos ele diz que recebeu uma mensagem urgente do pai e me pergunta se podemos marcar outro dia para falar com meu pai. Talvez um jantar seja mais especial, foi o que disse. A idiota emocionada, que no fundo ainda queria impressionar o pai, concordou.

E foi ali que terminou meu namoro e qualquer chance de um dia impressionar o homem que me colocou no mundo.

Meu pai saiu da reunião como se tivesse possuído pelo capeta e me arrastou até em casa ignorando minhas perguntas sobre o que estava acontecendo, se aconteceu alguma coisa.

Em casa, com muitos gritos, descobri quem meu namorado era e o que fiz com a imagem da família.

O vídeo foi jogado na internet com a legenda: Não existe rivalidade nos negócios, só prazer.

Ele foi apagado em poucas horas, mas o estrago já estava feito.

Agora só me resta engolir as lágrimas e terminar de fazer as malas enquanto remoo as lembranças e a certeza de que não existe amor para mim, nem amor em família, muito menos amor romântico. O mundo é feito de interesses e quando descobrem que não tenho nada a oferecer partem para outros caminhos.

Hoje, 18 de março de 2022, eu Fabiana Garcia de Medeiros, decido que nunca mais vou tentar ser amada. O meu amor por mim tem que me bastar.

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