Marcos Castro
Meses antes...
“Pode conversar comigo depois da aula?”
Era o que estava escrito no bilhete que a loirinha mandou sua amiga entregar.
― Diga a ela para me esperar no carvalho ― respondo a menina que espera uma resposta. Inclusive ela é uma das que fico.
O carvalho é uma árvore imensa que tem no caminho da minha casa. Tão grande que virou ponto de referência.
Pelas risadinhas, elas estão empolgadas.
Quero só ver o que Ninha vai aprontar. Ninha é o apelido de Amelia, uma loirinha tímida da escola, um ano mais nova. Ela tem o maior jeito de ser virgem. Se rolar alguma coisa não vai passar de uns beijos e amassos.
Como hoje deixei o cavalo, chego no carvalho ela já está com sua bicicleta cor de rosa.
― Oi, Amelia. ― Chamo pelo nome. E ela parece gostar. Imaginei que seria assim. Já a ouvi reclamando do apelido. Sei como é chato as pessoas te chamarem por um nome que não gosta.
― Oi, Marcos.
― O que queria falar comigo?
Ela olha para os próprios pés.
― Morro de vergonha só de pensar em falar — diz baixo.
― Não precisa ter vergonha. Não sou o tipo de pessoa que sai por ai falando das minhas conversas.
― E é bem por isso que criei coragem e me atrevi.
― Agora fiquei curioso.
― Eu fico até sem jeito... Você é diferente do pessoal daqui, Marcos. Mesmo tendo nascido aqui, não fala igual nós, nem age como a maioria. E é por isso que eu... eu...
Seguro sua mão.
― Pode dizer.
― Você se deitaria comigo?
Essa me pegou de surpresa. Depois do discurso, não esperava uma proposta tão crua.
― Vou te explicar. Dizem que a primeira vez é especial e fica marcada pra gente. Você já tem experiência, mesmo sendo da mesma idade que eu. Eu não quero que a minha primeira vez seja um filme de terror com um garoto desajeitado.
― A primeira vez sendo especial, deveria ser com alguém que você ama. ― Não acredito muito nisso, mas ela parece acreditar.
― Eu penso que vai ser bem melhor com alguém que não amo.
― Não sei...
― Faça isso por mim. Algumas aulas iriam cair bem.
― Você com essa cara de santa e atitude de demônia da luxúria.
Ela dá um sorrisinho de quem realmente não tem nada de santa.
— Tudo bem, vamos fazer isso — declaro.
As mulheres por aqui são divididas em alguns grupos. Uma divisão particular minha, claro.
Já peguei: obviamente as com as quais fodi.
Nem em sonho: aquelas comprometidas que tentam dar uma de doida pra cima de mim.
Ainda rola: as com as quais fico sem compromisso mais de uma vez.
Já passou: as que já peguei e não pego mais por serem grudentas.
E Ninha é uma dessas últimas. Eu cometi o erro de tirar a virgindade dela. Devia saber que sua atitude de mulher decidida era mentira.
Deus, como me enganei com essa garota.
Depois da sua primeira vez transamos mais duas vezes. Ela dizia que era para aprender. E eu não dispenso sexo sem um bom motivo.
Ai na última vez ela veio me dar um anel combinando com o seu, que eu recusei.
Conversamos e eu expliquei que não teríamos um relacionamento. Ela parece que entendeu, pois guardou o anel.
Marcos burro. Ela entendeu porra nenhuma.
Vejo pela sua carta que acabei de receber.
Li duas vezes, sem acreditar.
“Falei com meus pais que estamos namorando. Eles querem que você almoce em casa.”
Não pensei duas vezes antes de amassar e jogar no lixo. Além de fazer um claro sinal de não com a cabeça para ela.
Ela que se vire para desmentir. E é melhor nenhum pai vir procurar satisfação comigo, ou vou fazer um belo relato de quem é a filhinha deles.
Isso me deixa o tempo todo de mau humor.
Só passa quando entro no estábulo e dou de cara com a morena mais linda que esse lugar já viu.
Foi um choque ver como aquela menininha cresceu. Agora seu corpo parece moldado por um artista, e seus astutos olhos claros são tão desafiadores, ainda tem a boca, que ela morde o lábio e parece não perceber. Não sei se é o fato de ser novidade, mas ela mexe comigo. Só que é fria. Quero distância, apenas preciso dizer isso aos meus pés que se aproximam dela.
A morena está tão concentrada no carinho no animal que não vê minha aproximação.
Quando finalmente me faço notar, conversamos um pouco. A minha desculpa é que quero avisar para ela ficar longe da minha irmã.
Quando ela me chama de bad boy do sertão eu não fico com raiva ou ofendido. Na verdade me esforço para não rir.
O soco no estômago vem com a forma que ela fala da minha irmã, cheia de carinho. Confesso que quem conquista minha família tem pontos garantidos comigo.
Essa morena é fria e calculista. Ela ataca direto meu ponto fraco. Preciso manter distância. Uma luzinha vermelha se acende. Porque eu nunca me senti tão bem em uma conversa tão corriqueira. A gente fala sobre livros, e ela parece interessada em ter amizade com alguém como eu, outro viciado em ler.
Seria uma boa ideia uma amizade com ela?
Nos imagino deitados sob uma árvore, lendo juntos. Mais um pensamento que nunca tive.
Ai ela toca no assunto Carla. E eu sei que a loira viraria o cão se soubesse que estou de amizade com sua prima. E ela nem é a única, conheço umas duas extremistas que mesmo não rolando nada se acham minhas donas.
Deixo de lado o assunto Carla e amizade e a ensino a tratar os cavalos. Ela aprende rápido enquanto conversamos sobre os livros que já lemos.
Quando percebo que ela já sabe o que fazer, aproveito para ajudar Tião em um serviço, e fugir da vontade estranha de ficar perto dela, confesso.
Pelo que vejo a morena não foge de serviço.
Ou talvez esteja enganado porque nos próximos dias ela não passou nem perto dos estábulos.
No fim, é só mais uma mimada da cidade. Ainda bem que não me aproximei mais. Não gosto desse tipo.
Fabiana MedeirosCuidei da horta pelos próximos dias. Porém, senti falta de Tempestade, por isso fui até o estábulo na sexta-feira à noite e conversei com meu amigo equino.Não vi Marcos pelos próximos dias, e na escola ele me tratava como se eu fosse invisível. Muito diferente do cara que conversou comigo no estábulo. Não entendi bem porque dessa mudança. Talvez ele tenha levado a sério o que eu disse sobre não poder ser sua amiga.Na verdade, nesse momento, eu gostaria de ser amiga de Carla, ou de qualquer pessoa que possa me dar uma carona.Está chovendo.A aula acabou e estou impossibilitada de ir embora de bicicleta.Alguns alunos colocam seus materiais em sacolas e encaram a chuva, enquanto eu fico olhando, esperando passar.Carla finge que nem me vê quando passa e entra no seu carro. Para destilar seu veneno, ela até oferece carona para algumas meninas.Ali vai embora com um grupo de garotas no ônibus que traz os alunos da vila. Uma pena que as direções são opostas. Essa mulher
Marcos CastroFabiana Garcia de Medeiros.A filha da puta mais linda que já tive a chance de colocar meus olhos.Jeans, camisa azul quadriculada, botina, chapéu preto por cima do cabelo solto. Era a porra de uma deusa vindo em minha direção.O problema é que não sou o único a perceber. Vejo os olhares de todos por onde ela passa. Isso me deixa puto. Sei que ela não é minha, mas não consigo evitar de querer arrancar as bolas de cada peão que a come com os olhos.Sinto que estou laçado e ferrado.Limpo a garganta antes de dizer:― Está atrasada.― A culpa é sua. Não me disse que estaria aqui, tive que procurar por você nesses dez minutos de atraso... ― Ela para de falar, como se só agora se desse conta da presença da égua. ― Tempestade. Ohh! Eu vou poder montar ela?― Se ela deixar. — Dou de ombros, fingindo não ficar feliz com sua animação.Ela bate palmas, expressando sua empolgação. Tempestade relincha junto. Pelo jeito foi amor à primeira vista entre as duas.― Não liga, Guloso. Mul
Fabiana MedeirosDesde a aula de montaria que venho perdendo o sono e tendo pensamentos indevidos. A proximidade com aquele garoto está mexendo comigo. Pude sentir o poder dos seus músculos enquanto me ajudava a subir e descer do cavalo... e isso não sai da minha cabeça.As borboletas que nunca alugaram espaço no meu estômago, simplesmente decidiram aparecer. Invadiram geral, já fazendo festa.E agora toda noite sonho com Marcos. Sonhos nada decentes.Tudo isso agrava com o fato de que todos aqui dormem junto com as galinhas, e eu ainda não me acostumei. Dormem com as galinhas no sentido de dormir cedo, eles não dormem mesmo com as galinhas, seria engraçado ver minha vó toda elegante dormindo em um poleiro.Esta noite, mais uma vez sem sono, decidi aproveitar a lua cheia iluminado tudo e caminhei pelos arredores, até chegar a uma grande árvore. Como o livro estava nas minhas mãos e o celular no bolso, decidi gastar a bateria dele iluminando as páginas para ler.Estava na terceira pág
Fabiana MedeirosEstá bem, não vou mais negar... Marcos e eu nos tornamos amigos. A leitura nos aproximou. Desde a primeira vez que lemos a luz do celular que todas as noites nos encontramos para ler um pouco mais.Ou talvez não sejamos amigos... Estou confusa com meus sentimentos por ele.Não conversamos sobre coisas pessoais, apenas livros e coisas da fazenda e da escola.Eu não me abro com ele sobre minha vida pessoal e nem ele se abre. Inclusive tenho uma curiosidade que estou sem jeito de perguntar. Percebi isso desde o primeiro dia que o vi, Marcos usa perfume caro e roupas de marcas. Ele age diferente das pessoas daqui, onde a maioria tem dialeto característico e sotaque, ele parece alguém que foi educado em uma cidade grande, alguém com condições financeiras.Eu queria saber de onde ele tira isso.Ou seria melhor não saber?Resposta: seria melhor não saber.Eu realmente quis apagar do meu cérebro quando a pessoa menos indicada veio me responder essa questão.― Eu te vi conversa
Fabiana MedeirosA casa principal, a escola, o vilarejo, todos estavam em alvoroço por um evento que acontecia anualmente. Eu nunca participei e não conhecia sobre, mas Ali fez questão de me dar cada detalhe dos últimos. Se resume a barraquinhas e uma enorme fogueira diante da igreja. As pessoas dançam, bebem, compram nas barraquinhas e curtem um show de algum artista.Como temos poucos eventos por aqui, também me empolguei e fiz questão de levar a Ali comigo para comprarmos alguma roupa no vilarejo. Eu ia pagar com o que guardei das mesadas da minha mãe, porém Marcos deu dinheiro a ela. A voz venenosa na minha mente me questiona se é dinheiro de Carla.― Olha esse vestido. Lindo! ― Ali roda com um vestido longo lilás na frente do corpo. É realmente lindo, mas não é meu estilo.― Ele combina com você ― digo com sinceridade. ― Aquela sua bota preta e o cabelo solto, vai ficar linda.― Vou levar. Quem sabe não encontro um cowboy pra mim.― O que acha? ― mostro uma saia longa com três b
Fabiana MedeirosEntro no meu quarto e fico andando de um lado para o outro, sem sono e sem conseguir tirar o que a cigana falou da cabeça. Será mesmo que ela montou aquilo com ele? E se não montou, o que significa ele ter aparecido e meu coração disparado? Não quero gostar de alguém que me manipula assim, uma vez foi o suficiente.Uma hora se passou desde que cheguei em casa e não sai do lugar. Sentada na cama, vejo o ponteiro dos segundos se movendo lento demais. Uma volta, duas voltas, três voltas...Um barulho chama a minha atenção na pequena varanda.Essa árvore ainda vai me fazer ter infarto. A cada vento que ela bate contra a madeira me assusto, principalmente à noite.O barulho insiste.Um som estranho. Como leves batidinhas no vidro.Não tem tanto vento.Abro a porta de vidro, meio tremula. Igualzinho as vítimas dos filmes de terror.― Árvore do demônio ― reclamo.Uma risada masculina forma um grito na minha garganta.Ele fica preso nela quando uma mão cobre minha boca.Aquel
Fabiana MedeirosComo resolver as coisas com Marcos sem ter que olhar na sua cara arrogante? Sem falar com ele.Minha cabeça vai explodir buscando uma solução.Quero muito um jeito de acabar com esse mal entendido, mas ainda estou irada pelo episódio na escola.― Me ajuda a pensar, Tempestade. ― Acaricio o animal.Aproveitei que Marcos não estava para passar por aqui e dar um oi aos meus amigos de quatro patas.Uma ideia surge. Não para resolver as coisas com Marcos, para esfriar a cabeça mesmo.― Que tal um passeio?Ela relincha.Sou muito doida por considerar isso um sim?Marcos me ensinou a colocar a sela, então não preciso dele.Saio do estabulo com a égua e vou para o mesmo lugar onde a montei pela primeira vez.Cavalgo por um longo tempo. Já nos tornamos amigas, não tenho medo.Encontro um córrego, onde a prendo perto para que descanse, coma e beba água. Queria deixar ela solta, mas se ela pensar em fugir não me sinto capaz de pegar.Deito um pouco perto e acabo dormindo.Acordo
Fabiana MedeirosEstou cuidando da horta quando o barulho de motor chama minha atenção. É o Gilberto, ele é um cara de trinta anos que acha ser um garanhão. Quer que todos chamem ele de Gil, mas eu não faço. O jeito como me olha incomoda. Não gosto nada dele.― Vim buscar a princesa dessa fazenda ― faz graça tirando o óculos escuro.Eu sou essa. É assim que esse homem chato me chama.Apenas olho para ele, esperando que me diga por que diabos acha que vou com ele a algum lugar.― Seu tio pediu para você ir comigo providenciar essas coisas. ― Mostra um papel, provavelmente uma lista. Não olho direito. Respondo um ok e me afasto, indo em direção a onde parou o veículo.Entro no carro. Ele me imita e segue para a vila. Passa o caminho todo calado falando sobre coisas da fazenda e quando peço para esperar no carro, não se opõe. Até que não é tão inconveniente como eu pensava.Estamos voltando quando ele pergunta:― Você tem dezessete, né?― Sim.Ele coloca a mão na minha perna... do nada.