Fabiana MedeirosEstá bem, não vou mais negar... Marcos e eu nos tornamos amigos. A leitura nos aproximou. Desde a primeira vez que lemos a luz do celular que todas as noites nos encontramos para ler um pouco mais.Ou talvez não sejamos amigos... Estou confusa com meus sentimentos por ele.Não conversamos sobre coisas pessoais, apenas livros e coisas da fazenda e da escola.Eu não me abro com ele sobre minha vida pessoal e nem ele se abre. Inclusive tenho uma curiosidade que estou sem jeito de perguntar. Percebi isso desde o primeiro dia que o vi, Marcos usa perfume caro e roupas de marcas. Ele age diferente das pessoas daqui, onde a maioria tem dialeto característico e sotaque, ele parece alguém que foi educado em uma cidade grande, alguém com condições financeiras.Eu queria saber de onde ele tira isso.Ou seria melhor não saber?Resposta: seria melhor não saber.Eu realmente quis apagar do meu cérebro quando a pessoa menos indicada veio me responder essa questão.― Eu te vi conversa
Fabiana MedeirosA casa principal, a escola, o vilarejo, todos estavam em alvoroço por um evento que acontecia anualmente. Eu nunca participei e não conhecia sobre, mas Ali fez questão de me dar cada detalhe dos últimos. Se resume a barraquinhas e uma enorme fogueira diante da igreja. As pessoas dançam, bebem, compram nas barraquinhas e curtem um show de algum artista.Como temos poucos eventos por aqui, também me empolguei e fiz questão de levar a Ali comigo para comprarmos alguma roupa no vilarejo. Eu ia pagar com o que guardei das mesadas da minha mãe, porém Marcos deu dinheiro a ela. A voz venenosa na minha mente me questiona se é dinheiro de Carla.― Olha esse vestido. Lindo! ― Ali roda com um vestido longo lilás na frente do corpo. É realmente lindo, mas não é meu estilo.― Ele combina com você ― digo com sinceridade. ― Aquela sua bota preta e o cabelo solto, vai ficar linda.― Vou levar. Quem sabe não encontro um cowboy pra mim.― O que acha? ― mostro uma saia longa com três b
Fabiana MedeirosEntro no meu quarto e fico andando de um lado para o outro, sem sono e sem conseguir tirar o que a cigana falou da cabeça. Será mesmo que ela montou aquilo com ele? E se não montou, o que significa ele ter aparecido e meu coração disparado? Não quero gostar de alguém que me manipula assim, uma vez foi o suficiente.Uma hora se passou desde que cheguei em casa e não sai do lugar. Sentada na cama, vejo o ponteiro dos segundos se movendo lento demais. Uma volta, duas voltas, três voltas...Um barulho chama a minha atenção na pequena varanda.Essa árvore ainda vai me fazer ter infarto. A cada vento que ela bate contra a madeira me assusto, principalmente à noite.O barulho insiste.Um som estranho. Como leves batidinhas no vidro.Não tem tanto vento.Abro a porta de vidro, meio tremula. Igualzinho as vítimas dos filmes de terror.― Árvore do demônio ― reclamo.Uma risada masculina forma um grito na minha garganta.Ele fica preso nela quando uma mão cobre minha boca.Aquel
Fabiana MedeirosComo resolver as coisas com Marcos sem ter que olhar na sua cara arrogante? Sem falar com ele.Minha cabeça vai explodir buscando uma solução.Quero muito um jeito de acabar com esse mal entendido, mas ainda estou irada pelo episódio na escola.― Me ajuda a pensar, Tempestade. ― Acaricio o animal.Aproveitei que Marcos não estava para passar por aqui e dar um oi aos meus amigos de quatro patas.Uma ideia surge. Não para resolver as coisas com Marcos, para esfriar a cabeça mesmo.― Que tal um passeio?Ela relincha.Sou muito doida por considerar isso um sim?Marcos me ensinou a colocar a sela, então não preciso dele.Saio do estabulo com a égua e vou para o mesmo lugar onde a montei pela primeira vez.Cavalgo por um longo tempo. Já nos tornamos amigas, não tenho medo.Encontro um córrego, onde a prendo perto para que descanse, coma e beba água. Queria deixar ela solta, mas se ela pensar em fugir não me sinto capaz de pegar.Deito um pouco perto e acabo dormindo.Acordo
Fabiana MedeirosEstou cuidando da horta quando o barulho de motor chama minha atenção. É o Gilberto, ele é um cara de trinta anos que acha ser um garanhão. Quer que todos chamem ele de Gil, mas eu não faço. O jeito como me olha incomoda. Não gosto nada dele.― Vim buscar a princesa dessa fazenda ― faz graça tirando o óculos escuro.Eu sou essa. É assim que esse homem chato me chama.Apenas olho para ele, esperando que me diga por que diabos acha que vou com ele a algum lugar.― Seu tio pediu para você ir comigo providenciar essas coisas. ― Mostra um papel, provavelmente uma lista. Não olho direito. Respondo um ok e me afasto, indo em direção a onde parou o veículo.Entro no carro. Ele me imita e segue para a vila. Passa o caminho todo calado falando sobre coisas da fazenda e quando peço para esperar no carro, não se opõe. Até que não é tão inconveniente como eu pensava.Estamos voltando quando ele pergunta:― Você tem dezessete, né?― Sim.Ele coloca a mão na minha perna... do nada.
Marcos Não tenho celular e não vim com relógio. Ainda assim sei que tem mais de uma hora que Ana devia ter chegado.Será que ela não conseguiu sair do castigo?Não estava perto quando aconteceu, mas me disseram que houve uma briga feia onde ela acusou o empregado de pegar na coxa dela e o empregado disse que ela desceu do carro para ficar comigo, que só esbarrou nela.Quem não conhece que compre esse Gilberto.Claro que ele pegou nela. Por isso ela desceu tão irada do carro que nem me viu. Esse babaca está precisando de um corretivo... e eu estou mais que disposto a lhe dar. Ainda vou pegar esse otário sozinho.Passa mais algum tempo. Desisto de esperar... Mas não dou dois passos e decido: não vão me impedir de ler hoje.Marcho para a casa principal da fazenda e sorrateiramente subo a árvore que leva ao quarto dela.A porta está aberta.Acho que vou sugerir que a mantenha fechada a partir de hoje. Depois do que Gilberto fez é melhor ter cuidado.― Ana! — chamo baixinho. — Está acorda
Marcos— Ora se não é o vaqueiro pobretão! — olho para o lado e vejo Gil escorado na cancela. Ele aponta para a casa. — Está comendo mais uma da fazenda hein. Como você faz pra domar essas novilhas? Será que é fetiche em quem não tem onde cair morto?Ele fala e ri.— É melhor você ficar longe da Fabiana — aviso sério.O idiota ri mais ainda.— Essa é a mais interessante. Carla já comi, pode ficar com ela.— Você é um escroto. — Me aproximo, parando bem perto, na sua frente. — Se eu souber que tocou em Fabiana outra vez eu arrebento seus dentes.— É melhor você ficar longe dela. A garota é minha chance de meter um herdeiro com sobrenome.É minha vez de rir.— Pelo que soube, a garota não é sua, tem é nojo de você. Já eu...Ele dá de ombros.— Se empolga não, muleque. Nem eu tenho chance de algo mais sem golpe, imagina um pé rapado como você.Esse idioto presunçoso não sabe o quão pouco falta para levar um soco. Se acha superior só por ter casa própria e carro. Um cara de quase quarenta
FabianaA primeira coisa que noto quando entro na sala, pouco antes do professor, é a ausência da minha amiga.Sob olhares de sempre ― quero saber quando isso vai parar ou pelo menos diminuir ―, vou até a mesa de Marcos.― A Ali está bem? Por que não a vejo? Ela veio hoje?Ele ri discretamente do meu desespero.― Calma. Ela se queixou de cólica e minha mãe permitiu que ficasse em casa. Amanhã sua amiga estará de volta.Suspiro.― Que alivio! Tive um pressentimento ruim e fiquei preocupada.O professor chega, acabando com as conversa paralelas, inclusive a nossa.Após dez minutos de aula, Marcos cutuca minhas costas e recebo um pedaço de papel.“Sentiu falta da minha irmã, mas nem se importou por eu não ir ontem. Me achando jogado de lado.”Sorrio feito boba. Mas logo engulo o sorriso. Estou em aula. Decido responder atrás do papel.“Eu te vi bem. Achei que tinha cansado de ler comigo.”Estico a mão e sinto um arrepio quando seus dedos me tocam para pegar o papel.Queria poder ver sua